Ciência

Não é só a vacina da covid-19: Brasil importa vários insumos da China

Até mesmo a vacina de Oxford com a AstraZeneca contra o novo coronavírus terá compostos farmacêuticos vindos da China

Coronavac: vacina está na terceira fase de testes (Governo do Estado de São Paulo/Divulgação)

Coronavac: vacina está na terceira fase de testes (Governo do Estado de São Paulo/Divulgação)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 24 de outubro de 2020 às 08h00.

Nesta semana mais uma polêmica em relação às vacinas contra o coronavírus foi acesa. Dessa vez, o problema não fez parte dos testes clínicos, mas sim de um bloqueio do governo brasileiro para uma importação se a vacina for aprovada no fim das contas. Quer entender a evolução da pandemia e o cenário de reabertura no país? Acesse a EXAME Research.

Na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que, mesmo com o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Coronavac não será comprada pelo simples fato de ser da China, país onde os primeiros casos da covid-19 foram confirmados. Nesta sexta-feira, 23, a Anvisa autorizou a compra de 6 milhões de doses da vacina, acatando ao pedido feito em caráter excepcional pelo Instituto Butantan.

Não aprovar a importação da vacina não muda o curso de diversas outras que são produzidas com insumos chineses ou indianos. Até mesmo a opção da universidade britânica de Oxford com a biofarmacêutica anglo-sueca AstraZeneca contra o vírus terá insumos farmacêuticos vindos da China, afirmou o presidente da Anvisa em entrevista para a CNN.

Somente nos Estados Unidos, país que, sob o comando de Donald Trump, adotou uma política dura contra produtos chineses, cerca de 75% a 80% dos ingredientes presentes em medicações e vacinas são importados ou da China ou da Índia.

No Brasil, até o começo deste ano, a China não era uma das figuras mais relevantes na importação para a indústria farmacêutica. Entre janeiro e setembro, no entanto, o cenário mudou e a importação de insumos e remédios aumentou em 84%, segundo dados do Ministério da Economia.

O jornal O Globo apontou que 544,4 milhões de reais foram gastos neste ano com importações de medicamentos e produtos farmacêuticos chineses. No mesmo período de 2019, o valor era de 306,6 milhões de reais. Um aumento que quase dobrou a participação chinesa nesse setor.

A presença dos chineses também é forte na importação de compostos para a fabricação de remédios, além de importar algumas medicações já prontas.

Apesar de ser um grande exportador desses produtos, a Índia também é dependente da China na área da farmácia. Cerca de 70% dos ingredientes ativos são chineses, ao mesmo passo que medicamentos como paracetamol, amoxicilina e ibuprofeno, também são importados do outro país.

É difícil para qualquer indústria farmacêutica no mundo não depender da China ou da Índia para conseguir produzir as suas próprias vacinas. Estimativas apontam que as manufatureiras chinesas, por exemplo, são responsáveis por cerca de 40% dos ingredientes ativos de uma proteção.

Quão eficaz uma vacina precisa ser?

Segundo uma pesquisa publicada no jornal científico American Journal of Preventive Medicine uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia. Para evitar que outras aconteçam, a prevenção precisa ser 70% eficaz.

Uma vacina com uma taxa de eficácia menor, de 60% a 80% pode, inclusive, reduzir a necessidade por outras medidas para evitar a transmissão do vírus, como o distanciamento social. Mas não é tão simples assim.

Isso porque a eficácia de uma vacina é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que a tomam, ou seja, se 75% da população for vacinada, a proteção precisa ser 70% capaz de prevenir uma infecção para evitar futuras pandemias e 80% eficaz para acabar com o surto de uma doença.

As perspectivas mudam se apenas 60% das pessoas receberem a vacinação, e a eficácia precisa ser de 100% para conseguir acabar com uma pandemia que já estiver acontecendo — como a da covid-19.

Isso indica que a vida pode não voltar ao “normal” assim que, finalmente, uma vacina passar por todas as fases de testes clínicos e for aprovada e pode demorar até que 75% da população mundial esteja vacinada.

Os tipos de vacina disponíveis contra a covid-19

Alguns tipos de vacina têm sido testados para a luta contra o vírus. Uma delas é a de vírus inativado, que consiste em uma fabricação menos forte em termos de resposta imunológica, uma vez que nosso sistema imune responde melhor ao vírus ativo. Por isso, vacinas do tipo têm um tempo de duração um pouco menor do que o restante e, geralmente, uma pessoa que recebe essa proteção precisa de outras doses para se tornar realmente imune às doenças. É o caso da Vacina Tríplice (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. A vacina da Sinovac, por exemplo, segue esse padrão.

Outro tipo de vacina é a de Oxford, feita com base em adenovírus de chimpanzés (grupo de vírus que causam problemas respiratórios), e contendo espículas do novo coronavírus.

As outras vacinas em fases clínicas já avançadas também são baseadas em espículas, mas apresentadas em forma de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna.

Como estão as dez potenciais?

Sinovac Biotech: a vacina chinesa que começou os testes em fase 3 no Brasil na última segunda-feira, 20, pretende fabricar até 100 milhões de doses anuais. Por aqui, 9.000 profissionais da área da saúde receberão a vacina.

Sinopharm (Wuhan e Pequim): a vacina com base em vírus inativado, que se mostrou capaz de produzir resposta imune ao vírus, começou as fases 3 de testes neste mês nos Emirados Árabes Unidos. Cerca de 15.000 voluntários participaram do período de testes e a empresa chinesa acredita que a opção estará disponível para o público já no final do ano.

Oxford e AstraZeneca: os resultados preliminares das fases 1 e 2 da vacina com mais de 1.000 pessoas mostraram que ela foi capaz de induzir uma resposta imune à doença. As fases 2 (que ainda está ocorrendo no Reino Unido) e 3 de testes (acontecendo no Reino Unido, Brasil e África do Sul) devem garantir a eficácia completa dela. A opção é tida como a mais promissora pela OMS.

Moderna: a empresa americana iniciou a última fase de testes de sua vacina baseada no RNA mensageiro no dia 27 de julho. O teste vai incluir 30.000 pessoas nos Estados Unidos e o governo investiu pesado: cerca de 1 bilhão de dólares para apoiar a pesquisa. A expectativa da empresa é produzir 500 milhões de doses por ano.

Pfizer e BioNTech: a vacina agora também está na fase 3 de testes e também usa o RNA mensageiro, que tem como objetivo produzir as proteínas antivirais no corpo do indivíduo. A expectativa é testar a vacina em aproximadamente 30.000 voluntários com idades entre 18 e 85 anos no mundo. Desse total, 1.000 serão testados no Brasil. Se tudo der certo, a expectativa é que a eficácia da vacina seja comprovada até o outubro. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.

Instituto Gamaleya: em 11 de agosto a Rússia registrou a primeira vacina do mundo contra a covid-19. A vacina russa é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus e é por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima. Na segunda-feira, 31, o país anunciou que o primeiro lote de sua vacina, a “Sputnik V”, estará disponível já neste mês.

CanSino: a vacina chinesa usa um vírus inofensivo do resfriado conhecido como adenovírus de tipo 5 (Ad5) para transportar material genético do coronavírus para o corpo e, segundo a companhia, conseguiu induzir uma resposta imune nos indivíduos que foram testados. No começo de agosto, a China concedeu a primeira patente da vacina.

Janssen Pharmaceutical Companies: a vacina, em parceria com o gigante Johnson & Johnson conseguiu induzir imunidade robusta em testes pré-clínicos. A tecnologia usada para a produção dela é a mesma utilizada no desenvolvimento da vacina do Ebola, que inclui o uso do vírus inativado da gripe comum, incapaz de ser replicado.

Novavax: a empresa americana nunca produziu uma vacina em mais de três décadas de existência, mas decidiu tentar. A vacina tem como base as proteínas do próprio vírus.

Quais são as fases de uma vacina?

Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.

Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população.

Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscara, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina. 

A mais rápida a passar por todas essas fases foi a do Ebola, que demorou cinco anos para ficar pronta e ser aprovada pela agência análoga à Anvisa nos Estados Unidos e pela Comissão Europeia, em 2019.

Até o momento, em relação à pandemia atual, nenhuma situação do tipo aconteceu.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusDoençasGovernoGoverno BolsonaroJair BolsonaroPandemiavacina contra coronavírusVacinas

Mais de Ciência

Cientistas criam "espaguete" 200 vezes mais fino que um fio de cabelo humano

Cientistas conseguem reverter problemas de visão usando células-tronco pela primeira vez

Meteorito sugere que existia água em Marte há 742 milhões de anos

Como esta cientista curou o próprio câncer de mama — e por que isso não deve ser repetido