Ciência

Mosquitos ganham com redução de áreas verdes em São Paulo

A urbanização e a consequente redução de áreas verdes nas cidades podem ser consideradas uma verdadeira festa para mosquitos vetores de doenças

Aedes aegypti: mosquito é vetor de doenças como dengue e febre amarela (James Gathany/Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)

Aedes aegypti: mosquito é vetor de doenças como dengue e febre amarela (James Gathany/Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 10h29.

A urbanização e a consequente redução de áreas verdes nas cidades podem ser consideradas uma verdadeira festa para mosquitos vetores de doenças, como o Aedes aegypti (dengue) e o Culex quinquefasciatus (filariose linfática).

Mais adaptados às áreas urbanas, eles são beneficiados pelo declínio da população de outras espécies de mosquitos. No município de São Paulo, essa relação não é diferente. Foi o que comprovou um estudo feito por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo no âmbito do programa BIOTA-FAPESP.

Com a colaboração do Centro de Controle de Zoonoses e do Departamento de Parques e Áreas Verdes do município, foram coletados 37.972 espécimes da família Culicidae, que compreende espécies conhecidas popularmente como pernilongos. As análises posteriores realizadas em laboratório mostraram que eles pertenciam a 73 espécies e 14 gêneros diversos.

Embora a coleta – feita em nove parques municipais monitorados pelo estudo – indique uma rica diversidade de espécies na cidade, o estudo mostrou que existe um problema quanto à distribuição e composição dessas espécies nas áreas verdes do município.

Entre os resultados divulgados em artigo na Scientific Reports está a constatação de uma tendência à redução de espécies de mosquitos. Com isso, vetores de patógenos que causam doenças em humanos acabam sendo beneficiados adaptativamente.

Dos insetos coletados no estudo, 68% pertenciam a cinco espécies: Culex nigripalpus, Aedes albopictus, Cx. quinquefasciatus, Ae. fluviatilis e Ae. scapularis. Outras espécies de vetores – Cx. declarator, Ae. aegypti, Cx. chidesteri, Limatus durhami e Cx. lygrus – também foram encontradas com maior frequência nos parques urbanos.

“Existe uma relação entre o tamanho das áreas verdes e a diversidade das espécies. As áreas verdes menores tendem a possuir um subconjunto das espécies encontradas em áreas verdes maiores, havendo uma tendência para que a fauna de mosquitos nas áreas menores seja formada principalmente por vetores”, disse um dos autores do estudo, Antônio Ralph Medeiros-Sousa, doutorando na Faculdade de Saúde Pública da USP com Bolsa da FAPESP.

De acordo com Medeiros-Sousa, em cenários de fragmentação e redução das áreas verdes, mosquitos vetores são beneficiados com a extinção de espécies mais silvestres.

“Eles são mais adaptados ao meio urbano e, com a redução progressiva das áreas verdes, as espécies mais silvestres vão desaparecendo e as mais urbanas, justamente as mais competentes para a veiculação de patógenos, de certa forma dominam #o território”, disse.

O estudo também mostrou que há uma grande variação na riqueza de espécies entre os parques monitorados. Foram coletadas 16 espécies no parque do Ibirapuera, com 1,58 km2 de área, enquanto no Parque Anhanguera (9,5 km2) foram encontradas 47 espécies. Como esperado, os fragmentos menores de área verde são mais suscetíveis a distúrbios ambientais, que afetam principalmente a permanência de espécies de baixa abundância.

“É bastante expressivo coletar quase 50 espécies de mosquitos dentro de uma área verde inserida em uma cidade. Não esperávamos esse número. Foi uma surpresa, mesmo sabendo que algumas regiões, como o próprio parque Anhanguera, teriam uma diversidade mais elevada, justamente por causa de sua área”, disse Medeiros-Sousa.

Mesmo com a comprovação da maior concentração de mosquitos vetores – sete dos oito mais comuns são vetores de patógenos em humanos –, os pesquisadores destacam não ser possível afirmar que há um maior risco de transmissão de patógenos, mas apenas uma maior possibilidade de contatos entre mosquitos vetores e humanos.

“Não quer dizer que vai ter doença. Existe outra parte determinante para a doença que é a presença do patógeno, como o vírus da dengue, Zika ou febre amarela. O estudo mostra que há um desequilíbrio, com menor diversidade de espécies em áreas menores e menos preservadas”, disse outro autor do estudo, Mauro Marrelli, professor associado da Faculdade de Saúde Pública da USP e orientador de Medeiros-Sousa.

Segundo os autores, os dados reunidos pelo estudo destacam a necessidade de outros trabalhos que busquem entender como a perda de espécies pode afetar o risco de doenças infecciosas em áreas urbanas.

Ilhas verdes

A relação entre área e diversidade é explicada pela Teoria do Equilíbrio da Biogeografia de Ilhas, formulada nos anos 1960 pelos ecólogos norte-americanos Robert MacArthur e Edward Osborne Wilson. De acordo com a teoria, a riqueza de espécies em ilhas representaria um equilíbrio dinâmico entre taxas de imigração e extinção, que são afetadas pelo tamanho e grau de isolamento da ilha. Essa mesma teoria pode ser aplicada a parques e áreas verdes urbanas, pois formam territórios isolados (ilhas) pela urbanização.

No caso dos mosquitos, que têm curto período de vida e se deslocam por curtas distâncias – ignorando eventuais casos de dispersão mecânica, quando o inseto é deslocado ao entrar em um carro, por exemplo –, a extinção teria um impacto ainda maior no equilíbrio das espécies.

“Mostramos que o modelo da Teoria da Biogeografia de Ilhas também se aplica no município de São Paulo. Notamos também que quanto menores forem as áreas verdes, a tendência é haver uma maior similaridade de espécies, já que as espécies mais bem adaptadas ao ambiente urbano tendem a ser selecionadas. Em nosso estudo, vimos que quase 70% dos mosquitos são de apenas cinco espécies. Isso sim é um problema”, disse Marrelli.

Os mosquitos formam um grupo muito diverso, com mais de 3,5 mil espécies conhecidas. Portanto, estudos sobre a diversidade de mosquitos em espaços verdes urbanos são úteis tanto para elucidar processos que conduzem os padrões de diversidade nos ecossistemas urbanos como para entender o papel da biodiversidade na redução ou aumento do risco de transmissão de patógenos.

No trabalho, a equipe de pesquisadores realizou coletas mensais, entre 2011 e 2013, em nove parques municipais de São Paulo: Alfredo Volpi, Anhanguera, Burle Marx, Chico Mendes, Ibirapuera, Piqueri, Previdência, Santo Dias, Shangrilá.

O artigo Mosquitoes in urban green spaces: using an island biogeographic approach to identify drivers of species richness and composition (doi:10.1038/s41598-017-18208-x), de Antônio Ralph Medeiros-Sousa, Aristides Fernandes, Walter Ceretti-Junior, André Barreto Bruno Wilke e Mauro Toledo Marrelli, pode ser lido na Scientific Reports neste link.

Acompanhe tudo sobre:DengueDoençasFebre amarelaSaúdeZika

Mais de Ciência

Telescópio da Nasa mostra que buracos negros estão cada vez maiores; entenda

Surto de fungos mortais cresce desde a Covid-19, impulsionado por mudanças climáticas

Meteoro 200 vezes maior que o dos dinossauros ajudou a vida na Terra, diz estudo

Plano espacial da China pretende trazer para a Terra uma amostra da atmosfera de Vênus