Mosca: a descrição da nova mosca foi publicada na revista PLOS ONE (Agência Fapesp/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2017 às 15h16.
A mais antiga espécie de mosca conhecida para a superfamília Oestroidea, que congrega cerca de 15 mil espécies viventes – entre as quais a mosca-do-berne (Dermatobia hominis) –, acaba de ser descrita em um estudo internacional com participação brasileira.
A nova espécie, Mesembrinella caenozoica, foi descoberta a partir de um macho fossilizado de 8,5 milímetros que viveu nas matas da atual República Dominicana entre 20 milhões e 15 milhões de anos atrás, na época do Mioceno.
“O exemplar estava em uma gota de resina que escorreu no tronco de uma árvore, preservando a mosca de forma magnífica”, disse um dos autores do artigo, Marco Antonio Tonus Marinho, professor no Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
A descrição da nova mosca foi publicada na revista PLOS ONE, em trabalho liderado por David Grimaldi, do Museu de História Natural de Nova York, nos Estados Unidos.
Grimaldi é um dos especialistas mais renomados no estudo de animais preservados em âmbar, autor de dezenas de descrições de espécies, entre insetos, aranhas, flores e animais.
Marinho se envolveu no trabalho de descrição da nova mosca em 2014, quando participou em Potsdam, na Alemanha, do Congresso de Dipterologia, o ramo da entomologia dedicado à ordem das moscas e mosquitos.
“Trabalho principalmente com moscas da família dos mesembrinelídeos, com 38 espécies viventes conhecidas e, agora, uma fóssil. Grimaldi e os demais autores souberam que eu trabalhava com mesembrinelídeos, comentaram da descoberta do fóssil e me convidaram para o trabalho”, disse Marinho, que naquele momento fazia pós-doutorado no Laboratório de Morfologia e Evolução de Diptera da Universidade de São Paulo (USP).
A pesquisa contou com apoio da FAPESP.
Isolar DNA de seres presos em âmbar há tanto tempo ainda não é possível, como explicou o pesquisador. “O DNA se degrada após a morte do animal.
Praticamente nada é preservado, mesmo no caso do âmbar. Aliás, um estudo mais detalhado do fóssil de Mesembrinella caenozoica, realizado de modo bastante cuidadoso por Pierfilippo Cerretti, da Sapienza Università di Roma, na Itália, só foi possível por meio de imagens obtidas por tomografia computadorizada”, disse.
No estudo, Marinho colaborou principalmente com a parte de filogenética molecular. Ele investigou o DNA de moscas viventes da superfamília Oestroidea, de modo a construir uma árvore filogenética na qual o fóssil de M. caenozoica entrou como um marcador temporal para melhor aferir os resultados do relógio molecular – importante ferramenta usada por geneticistas para estimar os tempos de divergência entre os ancestrais de duas ou mais espécies.
Marinho comparou as sequências do DNA ribossômico e de outros genes das 38 espécies viventes de mesembrinelídeos com sequências moleculares já publicadas de outras 61 espécies de moscas caliptradas.
A superfamília Oestroidea pertence ao grupo dos Caliptrados, com 22 mil espécies de moscas, entre elas a mosca doméstica (Musca domestica) e a tsé-tsé (do gênero Glossina), o vetor da doença do sono na África.
Os Caliptrados perfazem uma pequena parte (14%) do universo das moscas e mosquitos, que reúne cerca de 160 mil espécies.
Com base na nova filogenia de Caliptrados, Marinho e os demais autores conseguiram estimar que o ancestral comum das moscas caliptradas viveu há 67,5 milhões de anos, antes da grande extinção do final do período Cretáceo, a mesma que dizimou os dinossauros.
Foi também possível estimar que a radiação das Oestroidea pelo mundo teve início na época do Eoceno, há cerca de 48 milhões de anos, e que a família dos mesembrinelídeos evoluiu entre 43 milhões e 39 milhões de anos atrás, o dobro da idade da mosca no âmbar.
Os resultados do estudo sugerem que, assim como ocorreu com a radiação das aves e dos mamíferos no início da era Cenozoica (os últimos 66 milhões de anos), a extinção em massa que encerrou o Cretáceo pode ter desempenhado um papel fundamental na aceleração da diversificação das moscas caliptradas.
As 38 espécies de mesembrinelídeos existentes são restritas a florestas neotropicais, do sul do México ao norte da Argentina. A ecologia dessas moscas é pouco conhecida, mas se sabe que os adultos preferem viver na sombra e ocorrem quase exclusivamente em florestas com um dossel fechado.
Talvez esteja aí uma explicação para o tamanho diminuto da família. “Há muitas outras espécies desconhecidas de mesembrinelídeos ainda por descobrir. Como são insetos que vivem dentro das florestas, na sombra das árvores, eles são eliminados nas áreas desmatadas, o que reduz as chances de coleta”, disse Marinho.
Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Fapesp.