Ciência

Monitorar cérebros de cinéfilos pode prever sucesso de bilheteria

Durante um mês, pesquisadores colocaram sensores de EEG em frequentadores de um cinema suburbano. Eis o que eles descobriram

Cinema: ao monitorar os cérebros de todos os espectadores, surgem padrões claros (Jacob Ammentorp Lund/Thinkstock)

Cinema: ao monitorar os cérebros de todos os espectadores, surgem padrões claros (Jacob Ammentorp Lund/Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 2 de outubro de 2017 às 17h50.

Chamada do trailer de um filme com voz encorpada: Em um mundo onde algumas pessoas vão ao cinema por causa das ótimas crítica e outras porque não têm nada melhor para fazer, como os profissionais de marketing podem dizer se uma plateia específica está realmente gostando de um determinado filme?

A verdade é que eles não têm essa capacidade. Os neurocientistas ainda não identificaram os padrões de atividade neural que indicam se estamos assistindo a algo interessante.

Não há como afirmar, ao olhar para o cérebro de um cinéfilo, se, por exemplo, essa pessoa acha o Wolverine de Hugh Jackman chato ou encantador.

Porém ao monitorar os cérebros de todos os espectadores, surgem padrões claros. De repente, você pode dizer se as pessoas estão fascinadas pelas artimanhas do X-Men ou se estão quase caindo no sono.

Em outras palavras, ao comparar a atividade no cérebro de vários cinéfilos, "você pode prever de verdade o sucesso de um filme", ​​diz Morel Cerf, da Kellogg. "É o grupo de foco definitivo".

Por que isso acontece? E como os marqueteiros podem aproveitar isso?

É o que Cerf, neurocientista e professor associado de marketing da Kellogg, explorou em novas pesquisas com o doutorando Samuel B. Barnett. Seu estudo se concentrou na maneira pela qual os cinéfilos estão envolvidos com os trailers.

"Muito dinheiro e esforço são destinados aos trailers. ... Havia muita intuição, mas nenhum dado. Finalmente, agora temos informações concretas".

E as apostas são altas. Estúdios de cinema gastam mais de US$ 3 bilhões anualmente em marketing de filmes. Não é de se admirar que estúdios e executivos de cinema negociem ferozmente sobre quais trailers precedem os filmes e em que ordem.

“Muito dinheiro e esforço são destinados aos trailers”, aponta Cerf.

"Eles são difíceis de produzir. Você quer mostrar algumas explosões, alguns beijos, mas não contar demais sobre a história, e eles precisam ser curtos e empolgantes. Nos últimos 50 anos, os estúdios tinham pouquíssimos dados sobre o que dava certo. Havia muita intuição, mas nenhum dado. Finalmente, agora temos algo concreto".

Pesquisa de neuromarketing no cinema

Um encontro em 2013 com a CMO da AMC Theatres na Cúpula de Liderança de Marketing da Kellogg School abriu o caminho para que Cerf e Barnett realizassem seus estudos em um cenário ideal do mundo real: um cinema.

"A maioria dos cientistas traz seus participantes para um laboratório onde tudo é controlado – a luz é perfeita, a distância entre a cadeira e a tela é fixa", diz Cerf. "Você sempre pode argumentar que um estudo feito em laboratório só funciona em laboratório. Diferente disso, em uma sala de cinema, é o mais natural possível".

A AMC concordou em deixar Cerf e Barnett fazerem uma parceria com um cinema em Northbrook, IL. Durante um mês, em 2014, as pessoas que iam ao cinema receberam entrada gratuita para qualquer um dos filmes exibidos por lá em troca da participação no estudo.

Das 122 pessoas que participaram do estudo e assistiram ao seu filme preferido, 58 pessoas chegaram o mais cedo possível para assistir a todos os trailers que o antecederam usando um boné de EEG.

Com uma cinta de queixo e muitos cabos pretos proeminentes, cada boné parecia um pouco como algo que uma Medusa usaria para nadar.

Os bonés permitiram aos pesquisadores detectar atividade elétrica nas regiões do cérebro associadas à atenção aos estímulos visuais.

Os pesquisadores também queriam saber se havia testes mais simples que poderiam fazer para obter informações sobre quais trailers as pessoas acham interessante.

Assim, os participantes também tiveram seus olhos rastreados usando uma câmera especial de alta resolução com capacidade de gravar no escuro.

Além disso, eles tiveram seus movimentos corporais, de cabeça e gestos rastreados; sua frequência cardíaca, respiração, hormônios e condutância da pele medidos; e suas expressões faciais analisadas.

Um subconjunto de participantes também teve sua genética testada através de um kit 23andMe. (A equipe está analisando todos esses dados em um outro estudo.)

Depois de ver o filme todo, todos os 122 participantes foram convidados a relembrar o título e a trama de cada um dos trailers que haviam visto.

Também avaliaram a  satisfação dos espectadores com cada trailer e se planejavam ver os filmes que os trailers promoviam.

Como os participantes estavam vendo filmes que eles mesmos escolheram, os trailers eram, presumivelmente, o melhor palpite do cinema sobre os próximos filmes que mais interessariam aos clientes para trazê-los novamente ao cinema.

Seis meses depois, todos os participantes receberam uma pesquisa surpresa de acompanhamento que novamente avaliou sua capacidade de se lembrar de cada um dos trailers.

Os participantes também receberam um ingresso gratuito para um filme de sua escolha dentre aqueles que assistiram nos trailers.

Isso ofereceu aos pesquisadores uma maneira direta de testar a "vontade de pagar" dos clientes por qualquer filme - uma medida importante na pesquisa de marketing.

Em última análise, os pesquisadores analisaram a atividade elétrica dos cinéfilos que usavam o boné e calcularam o nível de sincronia entre eles. Essa sincronia é chamada de Correlação Cerebral Cruzada, ou CBC.

Conforme ficou demonstrado, quanto maior o CBC médio de cada trailer de filme, mais provável que todos os participantes – quer usassem os bonés ou não – relembrassem esse trailer logo após o filme, bem como seis meses depois.

Um CBC maior também aumentou a probabilidade de os participantes declararem estar dispostos a pagar para ver o respectivo filme, bem como a probabilidade de realmente usarem seu ingresso gratuito para assisti-lo.

Dado que apenas cerca de metade dos participantes usaram bonés especiais, isso significa que a sincronia de um grupo menor pode ser extrapolada para fazer suposições sobre os espectadores como um todo.

Por que o CBC se correlaciona com melhor lembrança e maior vontade de pagar para assistir um filme? A resposta se resume a uma variação da máxima de Anna Karenina: todos os espectadores felizes são iguais, mas os entediados estão aborrecidos à sua maneira.

"A ideia é a seguinte: um conteúdo que seja muito atraente fará com que todos os cérebros se pareçam iguais", explica Cerf.

"Um conteúdo que seja chato faz com que nossos cérebros se voltem a sentidos diferentes. Quando estamos entediados, você pode começar a pensar sobre o seu filho, enquanto eu penso na minha aula. O estímulo para conduzir nossos cérebros de forma semelhante não está presente".

Os cinéfilos reagiam em relação a quê?

Cerf e Barnett queriam ter certeza de que um CBC maior realmente indicava um envolvimento melhorado, e não outra coisa.

Talvez, eles pensaram, o CBC estava sendo influenciado pela confusão coletiva, ao invés de interesse coletivo.

Ou seja, talvez os cérebros dos espectadores parecessem semelhantes não porque estivessem todos interessados ​no mesmo estímulo, mas porque estavam todos confusos com o mesmo estímulo.

Para diferenciar entre essas possibilidades, os pesquisadores também analisaram a complexidade visual e semântica dos trailers dos filmes em um estudo separado.

Eles determinaram que os trailers com menos objetos proeminentes para se concentrar - além de menos palavras, frases, perguntas, protagonistas e tempo geral de fala - tiveram um CBC maior, tornando improvável que os espectadores estivessem confusos com o conteúdo.

A atividade neural prevê o sucesso nas bilheterias

Tudo certo até aqui, mas como os resultados foram rastreados onde mais importa: a bilheteria?

Muito bem, como se descobriu. Um CBC maior não só se correlacionou com uma lembrança maior e mais disposição do público em pagar, como "também está bem correlacionado com o faturamento da bilheteria", diz Cerf.

"Isso pode ser usado para prever o comportamento da população em geral. Escolhemos um conjunto aleatório de 122 pessoas para testar. Nada é peculiar nesse grupo. Sendo assim, poderia ter sido um grande grupo de pessoas, possibilitando a generalização para uma grande população.

De acordo com a descoberta dos pesquisadores, o CBC médio para cada trailer era um forte preditor do faturamento semanal de ingressos do respectivo filme, da sua receita de fim de semana e da receita total (que estão todos correlacionados entre si).

Por exemplo, o filme cujo trailer obteve o CBC mais alto, X-Men: Dias de um futuro esquecido, arrecadou US$ 111 milhões no fim de semana da estreia, enquanto o filme com o trailer de CBC mais baixo, Sr. Peabody e Sherman, arrecadou apenas US$ 32 milhões no fim de semana da estreia.

Observando por outro lado, as vendas médias de ingressos semanais eram mais de quatro vezes maiores quando o CBC estava no quartil superior em relação à quando o CBC estava no quartil inferior.

Sem surpresas, Cerf e Barnett viram um grande interesse de Hollywood e outros em seu método de medição do CBC.

"Desde que o artigo foi publicado, recebemos e-mails da Paramount, Viacom e várias empresas que produzem trailers", diz Cerf.

"Agora queremos fazer o mesmo para comerciais de TV, seguindo uma série de estudos que realizamos durante o Super Bowl nos últimos três anos. Também recebemos uma ligação de Las Vegas perguntando se podemos aplicar os mesmos testes nos espectadores de apresentações ao vivo, teatros, circos, etc.".

Cerf tem vários estudos similares em andamento para determinar se a medição do CBC pode ser útil em outros meios, como música, política e esportes.

"Podemos ver, por exemplo, quem acha um político envolvente e quem não acha", diz ele - algo que ele descobriu ao monitorar e comparar a atividade neural das pessoas que assistiram aos debates presidenciais preliminares de 2016.

Entretanto, ele enfatiza que as descobertas se aplicam a muito mais do que o marketing.

"O que estamos observando não é apenas uma forma de medir o envolvimento com o conteúdo, mas uma maneira de entender como algumas pessoas [como produtores de trailers de filmes] conseguem explorar a consciência coletiva", diz ele.

"Pense em Picasso se fechando em seu estúdio, pintando algo em uma tela e, de alguma forma, capturando com pinceladas o cérebro de centenas, milhares e milhões de pessoas. Essa é a verdadeira arte: poder acessar os cérebros dos seus espectadores em sua mente".

Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.
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