“O ambiente escolar é uma grande oportunidade para o desenvolvimento da alimentação saudável desde a infância”, diz a principal autora do artigo, Suelyne Rodrigues de Morais (Antônio Cruz/ABr/Agência Brasil)
Agência Brasil
Publicado em 6 de fevereiro de 2021 às 15h58.
Adolescentes que consomem alimentos fora de casa apresentam menos propensão a desenvolver hiperglicemia e hipertensão arterial, comparados a jovens que fazem as refeições em casa. Uma explicação está no fato de a maioria dessas refeições serem feitas na escola, sobretudo pelos alunos da rede pública de ensino.
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É o que mostra estudo publicado na edição de janeiro de 2021 da revista Cadernos de Saúde Pública por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Para investigar a relação entre o consumo de alimentos fora de casa e a propensão de adolescentes a desenvolver doenças crônicas, os pesquisadores utilizaram dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), feito em 2013 e 2014. O Erica foi conduzido com 36.956 jovens de 12 a 17 anos, que estudavam em escolas públicas e privadas de municípios com mais de 100 mil habitantes, de todas as regiões brasileiras.
Para o estudo, os jovens foram pesados e tiveram a estatura medida para o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). Eles também tiveram a pressão arterial aferida e realizaram exames de sangue. Responderam ainda a um recordatório alimentar sobre o que haviam consumido nas últimas 24 horas e onde haviam feito essas refeições.
O consumo de alimentos fora de casa foi citado por 53,2% dos adolescentes, sendo maior entre aqueles que estudavam em escolas privadas (62,5%). No entanto, considerando apenas a alimentação realizada na escola, a frequência do consumo foi três vezes maior entre os estudantes da rede pública (61,7%) na comparação com os da rede privada (21,4%).
“O ambiente escolar é uma grande oportunidade para o desenvolvimento da alimentação saudável desde a infância”, diz a principal autora do artigo, Suelyne Rodrigues de Morais, que completa: “É nesta fase da vida que começam a ser moldados os hábitos alimentares, que poderão perdurar até mesmo na vida adulta. A merenda escolar, além de fornecer nutrientes importantes para a criança, pode auxiliar na introdução de novos alimentos, muitas vezes desconhecidos pelos estudantes, seja por falta de acesso ou simplesmente por não fazer parte do hábito alimentar da família”.
Na análise geral, os pesquisadores encontraram uma relação inversa entre consumo de alimentos fora de casa e a ocorrência de hiperglicemia, que é a alta taxa de glicose no sangue, em ambos os sexos. Não houve associação entre consumo de alimentos fora de casa com excesso de peso e outros biomarcadores para doenças crônicas, como taxas de hemoglobina glicada, triglicerídeos e colesterol total.
Já as análises estratificadas por sexo e rede de ensino mostraram que os meninos que estudavam em escolas públicas e que consumiam alimentos fora de casa apresentaram menor probabilidade de ter altas doses de insulina e glicose no sangue do que aqueles que faziam as refeições somente em casa. Entre as meninas de escolas públicas, aquelas que se alimentavam fora de casa também tiveram menor chance de apresentar hipertensão arterial e hiperglicemia.
Sobre a ingestão média calórica e de açúcar de adição, esta foi maior nos adolescentes que consomem alimentos fora de casa, assim como o consumo de sanduíches, sobremesas e refrigerantes. Mas, ao mesmo tempo, os adolescentes que se alimentam fora de casa também apresentaram maior ingestão de frutas, fibras, verduras e feijão. Esses achados foram observados somente nos estudantes da rede pública de ensino.
Segundo Suelyne, o papel protetor da alimentação fora de casa em indicadores bioquímicos nos adolescentes pode ser em função de um maior consumo da merenda escolar. “O estudo enfatiza a importância da qualidade da alimentação na escola e a sua influência na dieta dos adolescentes, já que a oferta de alimentos saudáveis, como frutas e legumes, pode propiciar melhor consumo desse grupo alimentar pelos estudantes”, completa a pesquisadora. Ela é a autora da dissertação de mestrado que originou o artigo, defendida em 2019 na Uece e que teve financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Segundo ela, os achados sobre maior prevalência de hipertensão e hiperglicemia em adolescentes que não consumiram alimentos fora de casa e sobre excesso de peso nos dois grupos também são dados importantes. “Eles permitem ampliar o olhar para o tipo de alimentação que vem sendo feita por esse grupo populacional também em casa”.
Com esse estudo, no entanto, não é possível afirmar que os adolescentes que têm uma alimentação equilibrada na escola a repetem em casa. “O estudo não comparou se as refeições da escola são feitas similarmente em casa. Foi avaliado o consumo de alimentos específicos, tomando como base para a avaliação o Guia Alimentar Para a População Brasileira. Além da avaliação de nutrientes específicos, nas quais o consumo excessivo pode ser considerado fator de risco para o desenvolvimento de doenças (exemplo: açúcar de adição e sódio) ou que o consumo adequado é fator de proteção para outras (exemplo: fibras)”, explica Suelyne.
A pesquisadora informa que esse foi o primeiro trabalho de base escolar no Brasil com grande representatividade, que avaliou o consumo alimentar efetivo desses adolescentes juntamente com exames bioquímicos. “Tendo em vista a relevância desses resultados, será dada continuidade à pesquisa, refinando os dados em análises futuras, com o intuito de elaborar trabalhos de intervenção que melhorem a merenda escolar e favoreçam escolhas alimentares mais saudáveis para os adolescentes”, acrescenta.