Ciência

Mais de 60% das mutações de câncer derivam de erros aleatórios

Segundo um estudo norte-americano, meio ambiente e hereditariedade não têm um papel tão grande nas mutações quanto erros aleatórios na divisão celular

Câncer: a doença surge de mutações criadas em nosso DNA (Reprodução/Getty Images)

Câncer: a doença surge de mutações criadas em nosso DNA (Reprodução/Getty Images)

Marina Demartini

Marina Demartini

Publicado em 26 de março de 2017 às 08h00.

Última atualização em 27 de março de 2017 às 10h03.

São Paulo – Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade John Hopkins, nos EUA, promete intensificar o debate sobre a importância da prevenção contra o câncer. Após analisar 32 tipos comuns da doença, os pesquisadores descobriram que 66% das mutações causadoras de câncer são resultados de erros aleatórios durante a divisão celular.

Os cientistas desvendaram há muitos anos que o câncer surge de mutações criadas em nosso DNA, no momento em que as células se replicam. De modo geral, eles acreditam que três fatores sejam as principais causas dessas mutações: meio ambiente, hereditariedade e aleatoriedade.

No estudo, publicado na revista Science, os pesquisadores da John Hopkins queriam saber qual era o tamanho da influência que cada um desses fatores tinha sobre a ocorrência de câncer. Para isso, eles desenvolveram um modelo matemático usando dados de sequenciamento de genoma do Atlas do Genoma do Câncer e reuniram dados médicos de pacientes do Cancer Research do Reino Unido.

Dos 32 tipos de câncer catalogados pelos cientistas, 66% das mutações que contribuem para a formação de um câncer estão relacionadas a erros inevitáveis de replicação do DNA, enquanto 29% foram atribuídas a fatores ambientais e 5% à hereditariedade.

Os pesquisadores afirmam no estudo que a quantidade de mutações varia de acordo com o tipo de câncer. Uma célula pode se tornar maligna depois de três, quatro ou mais mutações. A doença é mais comum nos tecidos que se dividem frequentemente, por exemplo. Segundo os cientistas, as células no cólon se repartem mais do que as células no cérebro. Por isso, tumores no cólon são mais comuns do que no cérebro.

Outros exemplos que evidenciam isso são os cânceres infantil e de pâncreas. O estudo revela que os erros aleatórios de replicação de DNA representam 77% das mutações nesses tipos de câncer. Em outros tipos de cancro, como os de próstata, de cérebro ou de osso, mais de 95% das mutações ocorrem devido a erros aleatórios, segundo a pesquisa.

Já no caso do pulmão, mais de dois terços das mutações no câncer são relacionadas a fatores ambientais, como o tabagismo.

Polêmicas e explicações

O novo estudo é, basicamente, a segunda parte de uma pesquisa de 2015 feita pelos mesmos autores. Eles examinaram até que ponto as divisões de células-tronco em células saudáveis e as mutações aleatórias influenciam no desenvolvimento de câncer em diferentes tecidos.

Na época, muitos cientistas questionaram a pesquisa. Segundo o site da revista Science, muitos médicos afirmaram que o estudo minimizava o valor da prevenção e não incentivava as pessoas a terem vidas saudáveis. Além disso, eles também argumentaram que a análise reflete apenas a incidência de câncer nos EUA.

Com a nova pesquisa, os cientistas rebatem esses questionamentos, revelando um padrão semelhante no resto do mundo. Eles compararam o número total de divisões de células-tronco com os dados de incidência de câncer coletados pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer de 423 pacientes com a doença em 68 países.

O que eles notaram é que existe uma forte relação entre as taxas de câncer e as taxas de divisão celular nesses tecidos. Esse resultado sugere que a análise de que mais de 60% das mutações causadoras de câncer ocorrem devido a erros aleatórios pode ser considerada uma estimativa global.

Alguns cientistas, no entanto, ainda acreditam que a pesquisa é inconclusiva. Richard Gilbertson, oncologista pediátrico e biólogo do câncer na Universidade de Cambridge, disse ao site da revista Science que a função das células-tronco é fluida e pode ser ativada por outras razões além das mutações. “Entender os elementos que impulsionam o câncer, e não são apenas mutações, é crítico se quisermos preveni-lo.”

O matemático e um dos autores da pesquisa, Cristian Tomasetti, disse na mesma publicação que a nova pesquisa não diz que a mutação é a única maneira existente para que o câncer se desenvolva. Segundo ele, o objetivo não era avaliar a proporção de cânceres por mutações aleatórias, mas analisar a proporção de mutações que são aleatórias.

Ele e Bert Vogelstein, coautor do estudo, também afirmam que a pesquisa foi feita para mostrar – para os cientistas e para o público – que uma grande parte das mutações ocorrem independentemente do ambiente ou das escolhas de vida. “A maioria dos inimigos está dentro de nós – eles já estão aqui", disse Vogelstein, informa o jornal The Washington Post.

Segundo os pesquisadores, a ideia de que o câncer não é culpa do paciente deve oferecer conforto a essas pessoas. “Afinal, esses cânceres teriam ocorrido não importa o que eles fizessem.” No entanto, os autores também explicam que é preciso continuar a encorajar as pessoas a evitar agentes ambientes e estilos de vida que podem ativar essas mutações;

A dúvida que permanece é como os cientistas podem fazer para diminuir a influência dessas mutações aleatórias. Para Tomasetti e Vogelstein, a maioria delas é inevitável no momento. Porém, eles esperam que os resultados de sua pesquisa e uma melhor compreensão dessas mutações possam ajudar outros pesquisadores a reconhecerem o câncer no início para oferecer um melhor tratamento ao paciente.

Acompanhe tudo sobre:CâncerMedicinaPesquisas científicasSaúde

Mais de Ciência

Cientistas criam "espaguete" 200 vezes mais fino que um fio de cabelo humano

Cientistas conseguem reverter problemas de visão usando células-tronco pela primeira vez

Meteorito sugere que existia água em Marte há 742 milhões de anos

Como esta cientista curou o próprio câncer de mama — e por que isso não deve ser repetido