Ciência

Lagostim mutante que faz clones de si mesmo se espalha na Europa

Bicho já tomou conta de rios da Europa e alcançou Madagascar - e surgiu graças a uma mutação que aconteceu dentro de um aquário

Lagostim: animal está domingo a Europa com sua reprodução por clones (Chucholl C./Creative Commons)

Lagostim: animal está domingo a Europa com sua reprodução por clones (Chucholl C./Creative Commons)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 9 de fevereiro de 2018 às 05h55.

Última atualização em 9 de fevereiro de 2018 às 05h55.

Parece roteiro de filme B da Sessão da Tarde: um lagostim mutante capaz de criar cópias de si mesmo está se reproduzindo em ritmo alucinante na Europa — e ninguém sabe o que fazer para contê-lo.

Procambarus fallax virginalis é uma espécie composta só por fêmeas. Elas nascem prontas para se reproduzir, fecundam os próprios óvulos sem copular com um macho (daí o virginalis do nome) e botam centenas de ovos cheios de filhotes — que têm exatamente o mesmo material genético da mãe. Em outras palavras, são fábricas de clones de dar inveja em George Lucas.

Isso é novidade: até mais ou menos a década de 1990, o lagostim que daria origem ao virginalis se chamava apenas Procambarus fallax, e era uma espécie de reprodução sexuada restrita ao sudeste dos EUA — mais especificamente na Flórida. Um belo dia, um lagostim passou a produzir espermatozoides ou óvulos (a ciência não sabe qual dos dois) com duas vezes mais material genético que o normal. Pares de cromossomos, em vez de cromossomos sozinhos.

Revisão rápida: bebês de qualquer espécie são feitos com 50% do DNA da mãe e 50% do DNA do pai. Se um deles fornece 100% do DNA, o resultado é um bebê com 150% do DNA. Nosso lagostim de células sexuais duplas transou com outro, normal, e o resultado foi uma ninhada com genoma 150%.

Filhotes com três de cada cromossomo, em vez de dois, normalmente não são viáveis e morrem antes de nascer. No caso do lagostim, porém, nasceu uma fêmea tripla saudável, sem deformidades. Não se sabe como isso foi possível. Só se sabe que ela foi a primeira. E que todas as que vieram depois são cópias dela.

Elas até topam copular com machos da espécie que lhes deu origem. Mas não adianta, o esperma não pode fazer nada. Os filhotes já obtêm todo o DNA de que precisam da mãe. A fêmea original provavelmente nasceu em um aquário na Alemanha, onde viviam dois lagostins importados dos EUA. Sabemos disso pois, embora a espécie que deu origem ao mutante seja americana, não há nenhuma infestação de clones do lado de cá do Atlântico.

Esse fenômeno é muito recente. O primeiro artigo científico a contar a história completa do lagostim celibatário, do jeito que resumimos acima, foi publicado no último dia 5, na Nature, e acompanha uma análise de seu genoma. Em 2017, outra publicação declarou o virginalis uma espécie nova, diferente do fallax. O primeiro texto a afirmar que os filhotes eram clones, também publicado na Nature, data de 2003.

As primeiras infestações naturais provavelmente surgiram porque donos de aquário que haviam comprado apenas um lagostim se viam com 50 ou 60 delas em questão de semanas. Sem espaço para criar essas enormes populações, o jeito foi jogá-las nos rios, onde havia espaço de sobra.

Ao New York Times, pesquisadores afirmaram que nada é mais fácil do que coletar espécimes para estudo. Em um fim de tarde, nas águas rasas de um rio, conseguiram 150 exemplares pegando com as mãos. Hoje, já há relatos de lagostim se clonando até em Madagascar — e essas infestações tem potencial para gerar desequilíbrios ecológicos graves se o animal não encontrar predadores adequados.

Por outro lado, em longo prazo o virginalis está fadado ao fracasso evolutivo. Uma das vantagens de transar para se reproduzir é que nenhum ser humano é igual ao outro — e alguns são naturalmente mais resistentes a algumas doenças que outros. Como os lagostins são todas iguais, uma infecção capaz de matar um seria capaz de matar todos. E aí é fim de jogo.

Este texto foi publicado originalmente no site Superinteressante.

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