Novo método de análise da composição química mostra como plantas andinas se distribuem geograficamente, levando ao entendimento da sua história evolutiva (Federico Padilla/Agência Fapesp)
Da Redação
Publicado em 21 de agosto de 2017 às 10h38.
No páramo, um ecossistema encontrado no alto da cordilheira dos Andes, existe um gênero de plantas endêmicas chamado Espeletia que pode servir de chave para entender a especiação e distribuição de espécies ao longo da história dos andes sul-americanos.
Em artigo publicado no dia 18 de agosto na Scientific Reports, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP), em Ribeirão Preto, descrevem pela primeira vez como as Espeletia se distribuem geograficamente a partir da análise das suas impressões metabólicas.
O estudo possibilitou a confirmação de uma antiga hipótese sobre a história evolutiva desse gênero que habita o ecossistema de alta montanha mais diverso do planeta – só de Espeletia são 72 espécies descritas.
Trabalhos do tipo costumam ser feitos com ferramentas genômicas, análise de marcadores do DNA ou por comparações morfológicas.
Mas a partir do uso da metabolômica – que lida com o estudo do conjunto de substâncias químicas produzidas por um organismo, produtos do metabolismo –, os pesquisadores conseguiram mapear a composição química das espécies a partir da combinação de técnicas de análise de extratos de plantas, dados geográficos e estatística multivariada.
“Basicamente, pegamos a composição química das espécies de Espeletia, o metaboloma, e vimos que havia uma relação com a origem geográfica delas, em que espécies presentes na mesma localidade apresentam perfis químicos semelhantes. Essa relação já tinha sido encontrada com base em marcadores moleculares, porém numa escala geográfica maior. Isso mostra que a geografia dos Andes não só determinou a evolução deste grupo de plantas, e possivelmente também de outras na região, mas também moldou a composição química destas espécies”, disse Federico Padilla, um dos autores do artigo, à Agência FAPESP.
O estudo está relacionado ao Projeto Temático “Estudos morfoanatômicos, metabolômicos e moleculares como subsídios à sistemática de espécies de Asteraceae e acesso ao seu potencial farmacológico” e a um Auxílio à Pesquisa apoiados pela FAPESP.
Os pesquisadores destacam que modelos análogos ao descrito no artigo podem ser empregados para obter “impressões metabólicas” de outras plantas com a finalidade de mapear sua origem geográfica..
“Esse novo modelo poderá ser usado na agricultura, com plantas medicinais ou até mesmo pela polícia, para identificar, por exemplo, a origem da maconha consumida em uma determinada região”, disse o professor Fernando Batista da Costa, orientador do estudo de Padilla e coautor do artigo publicado na Scientific Reports.
Os pesquisadores contam que com a técnica é possível estudar de uma só vez praticamente todos os metabólitos produzidos por uma determinada planta.
“Na fitoquímica clássica, estudávamos uma planta por vez e, usualmente, identificávamos poucas substâncias químicas. Agora, com as novas técnicas e equipamentos – como o cromatógrafo líquido acoplado a espectrometria de massas que usamos –, podemos reunir 100 ou mais extratos de plantas de uma só vez e obter uma matriz de dados representando putativamente mais de mil substâncias químicas”, disse Padilla.
A pesquisa teve a colaboração do biólogo Mauricio Diazgranados, do Royal Botanic Gardens, Kew, no Reino Unido. “Ele forneceu o material coletado durante mais de três anos em páramos na Venezuela e Colômbia, num projeto que envolveu seu doutorado em filogenia e taxonomia. Depois do envio das amostras, foram mais três anos fazendo análises metabolômicas e empregando ferramentas computacionais”, disse Padilla.
O trabalho agora publicado confirma uma hipótese levantada por pesquisadores do Museu Nacional de História Natural dos Estados Unidos, Smithsonian, na década de 1990 – e sustentada parcialmente até então por marcadores moleculares –, sobre a origem e as rotas de migração de Espeletia pelo norte dos Andes.
De acordo com a hipótese, as plantas se diversificaram quando a primeira população do gênero começou a se expandir em duas direções a partir da cordilheira de Mérida, a mais elevada na Venezuela. Uma parte se espalhou pelos Andes Venezuelanos, enquanto a outra colonizou os Andes Colombianos e o norte do Equador.
“Historicamente, esse tipo de análise tem sido feito com base em marcadores moleculares (genes). Porém, em grupos de espécies de evolução recente, como é o caso do gênero Espeletia , esse tipo de análise não consegue determinar muito bem as tendências biogeográficas mais específicas, identificando apenas dois grupos: espécies da Venezuela e da Colômbia”, disse Padilla.
A confirmação da antiga hipótese veio após o estudo dos metabólitos secundários – substâncias químicas relacionadas à adaptação das plantas no ecossistema –, que possibilitou analisar padrões de distribuição e como elas se diversificaram quimicamente nos páramos colombianos.
“Cada tipo de marcador tem vantagens e desvantagens. As espécies vegetais, diferentemente dos animais, não conseguem se movimentar para se adaptar a determinado ambiente. Elas precisam produzir vários compostos químicos que vão servir como mecanismos de adaptação ao lugar onde crescem”, disse Batista da Costa.
Vale destacar que o ecossistema dos páramos é extremamente fragmentado, como resultado da topografia dos Andes. Dessa forma, eles são comparáveis biológica e geograficamente aos arquipélagos.
Essas “ilhas” continentais formadas por vegetação de pastagem aberta, separadas por densas florestas ou vales andinos profundos, contribuíram para que as espécies que ali habitam tivessem pouca ou nenhuma comunicação com outros páramos.
De acordo com estudo feito na USP, esse isolamento geográfico foi definitivo principalmente para espécies com dispersão de sementes limitada que também carecem de polinizadores de longa distância, como é o caso das Espeletia
“Comprovamos que há especiação alopátrica, ou por barreira geográfica. Isso nos remete a Darwin, que propôs esse tipo de especiação em sua teoria evolutiva com base nas Ilhas Galápagos. Lá, ele viu que diferentes ilhas tinham diferentes espécies e que aquelas espécies estavam relacionadas entre si”, disse Batista da Costa.
Com a análise da composição química das Espeletia, os pesquisadores observaram que as espécies que estão em diferentes páramos são não só morfológica e geneticamente diferentes, como também são quimicamente diversas.
“Em cada páramo as espécies acumulam majoritariamente diferentes substâncias químicas que estão possivelmente relacionadas com a adaptação das espécies àquele determinado local. Comprovamos a partir de evidências químicas que houve especiação alopátrica naqueles páramos e grupo de espécies, como havia sido proposto na década de 1990”, disse Padilla.
Padilla iniciou o doutorado, também sobre Espeletia, na USP e atualmente está fazendo um estágio de pesquisa na Universidade de Hohenheim, Alemanha.
“Estou estudando agora a parte genética para identificar se as diferenças metabólicas encontradas nas espécies de cada páramo são devido a diferenças genéticas ou se há simplesmente uma diferença na expressão de determinados genes – se esses genes são silenciados ou têm uma mutação”, disse.
O artigo Biogeography shaped the metabolome of the genus Espeletia: a phytochemical perspective on an Andean adaptive radiation, de Guillermo F. Padilla-González, Maurício Diazgranados e Fernando D. da Costa , pode ser lido na Scientific Reports neste link.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.