Aedes Aegipty: metodologia poderá contribuir com futuros estudos voltados ao desenvolvimento e validação de vacinas contra a dengue e contra o Zika (Reprodução/Reprodução)
Da Redação
Publicado em 1 de junho de 2017 às 11h16.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, identificaram no sangue de pacientes um anticorpo capaz de se ligar de forma muito específica ao vírus Zika, o que possibilitou o desenvolvimento de um teste para fazer o diagnóstico sorológico da doença.
Os ensaios feitos para validar a nova metodologia serão publicados em breve na revista PLoS Neglected Tropical Diseases. Dados preliminares foram apresentados por Esper Kallás, professor da FMUSP, na Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirologia. Apoiado pela FAPESP, o evento vai até 9 de junho em São José do Rio Preto.
“Os anticorpos habitualmente identificados em pacientes com Zika apresentavam reação cruzada com o vírus da dengue. Os testes sorológicos disponíveis até o momento, portanto, podem passar por problemas para discriminar quem efetivamente já foi infectado pelo Zika no passado”, disse Kallás à Agência FAPESP.
A estratégia usada pelo grupo da USP e colaboradores foi analisar uma célula do sangue conhecida como plasmablasto em pacientes com diagnóstico confirmado de Zika por testes moleculares (capazes de detectar a infecção apenas em sua fase aguda, logo após a circulação do RNA viral no organismo).
“Fizemos o sequenciamento de cada uma dessas células sanguíneas para identificar as moléculas de imunoglobulinas que elas estavam produzindo. Um dos anticorpos encontrados, que chamamos de P1F12, só foi capaz de se ligar ao vírus Zika, sem reação cruzada com o causador da dengue”, contou.
Caso o teste sorológico se mostre realmente eficaz para discriminar pessoas previamente infectadas pelo vírus Zika, terá diversas utilidades.
Poderá, por exemplo, auxiliar na avaliação dos riscos de mulheres grávidas que necessitem viajar para uma região onde estejam ocorrendo casos da doença.
“Se ela souber com certeza que teve Zika no passado, poderá viajar com certa tranquilidade. Caso contrário, deverá tomar mais cuidados”, disse Kallás.
Permite ainda que autoridades de saúde pública consigam estimar a porcentagem de pessoas suscetíveis (nunca antes infectadas) ao vírus em uma determinada população, o que pode ajudar a prever a ocorrência de novos surtos e a organizar os serviços de assistência.
A metodologia poderá contribuir com futuros estudos voltados ao desenvolvimento e validação de vacinas contra a dengue e contra o Zika.
“Para fazer esse tipo de pesquisa é importante saber se o participante já teve uma ou outra doença, ou as duas anteriormente, pois isso pode influenciar o resultado. Um teste sorológico capaz de discriminar bem os casos ajudaria a economizar muitos recursos”, disse Kallás.
Segundo o pesquisador, o anticorpo P1F12 não se mostrou altamente eficiente para neutralizar o vírus Zika. Entretanto, em sua apresentação, ele mencionou estudos que estão sendo desenvolvidos por outros grupos com o objetivo de encontrar anticorpos que possam ser usados no tratamento e na prevenção da infecção.
“Seria interessante, por exemplo, para uma gestante que descobre o vírus no início da gestação. A administração de anticorpos neutralizantes poderia impedir que o Zika seja transmitido para o bebê”, comentou.
No primeiro dia da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirologia, Paolo Zanotto, professor no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, apontou como um dos principais desafios das pesquisas relacionadas ao vírus Zika o desenvolvimento de um teste sorológico realmente eficaz.
Zanotto coordena a Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo (Rede Zika), apoiada pela FAPESP. “Quando a rede começou, quatro temas prioritários haviam sido estabelecidos no âmbito internacional: diagnóstico, vacina, entender a relação do vírus com microcefalia e montar coortes de pacientes [grupos para serem acompanhados no longo prazo] para acompanhar as gestantes infectadas e observar os efeitos nos bebês”, comentou.
“Já conseguimos mostrar que o vírus é capaz de causar alterações congênitas em animais. Depois, esses mesmos modelos foram usados na prova de conceito de candidatos promissores a vacinas. Mostramos que essas potenciais vacinas imunizam roedores e macacos e temos evidências de que podem funcionar em humanos. Também já existem coortes de pacientes estabelecidas em São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Campinas, Jundiaí e vários outros lugares do Brasil. O que ainda precisa evoluir mais é essa parte do diagnóstico sorológico”, disse Zanotto.
Os estudos feitos até o momento permitem concluir que a microcefalia não é a única manifestação da infecção congênita pelo Zika.
“Existe um gradiente de manifestações que vai desde quadros severos de anencefalia até alterações leves e quase imperceptíveis, eventualmente podem ocorrer apenas alterações cognitivas, mas não morfológicas. A descrição completa da doença só vai surgir quando terminarmos de acompanhar essas coortes durante tempo suficiente para que todas as manifestações sejam apresentadas em quantidades suficientes para termos uma base estatística”, disse Zanotto.
Organizada por pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e da University of Texas Medical Branch, nos Estados Unidos, a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirologia reúne, no interior de São Paulo, alguns dos expoentes mundiais nas pesquisas sobre arbovirologia.
Foram selecionados para assistir ao evento cerca de 100 pós-graduandos e pós-doutorandos do Brasil e do exterior, que além de palestras terão a oportunidade de participar de diversas atividades práticas e trabalhos de campo.
Durante a abertura do evento, o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, destacou a importância para a Fundação de financiar esse tipo de iniciativa.
“Na última década, com o intuito de melhorar a qualidade da pesquisa feita em São Paulo, temos buscado uma abordagem mais internacional. Temos convidado pessoas de fora para passar um tempo no Brasil e também buscamos levar estudantes para fora. Isso é estratégico. E, com esse objetivo, temos financiado nos últimos anos diversas Escolas São Paulo de Ciência Avançada”, disse.
De acordo com Walter Colli, membro da Coordenação Adjunta - Ciências da Vida da FAPESP, esta é a 50ª edição da Escola São Paulo de Ciência Avançada. “É uma oportunidade para reunir pesquisadores, trocar ideias e dar treinamento. É uma das melhores ideias que já tivemos”, disse.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.