Ciência

Ex-engenheiro da Nasa transforma areia em líquido usando só ar

Sabe aquela areia movediça que você só via nos desenhos? Dá para reproduzi-la em casa - graças ao processo de fluidização

Experimento: usando apenas ar, engenheiro transforma areia em líquido (Mark Rober/YouTube/Reprodução)

Experimento: usando apenas ar, engenheiro transforma areia em líquido (Mark Rober/YouTube/Reprodução)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 5 de dezembro de 2017 às 15h19.

Última atualização em 5 de dezembro de 2017 às 15h42.

“Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia”. Mais do que um bom exemplo de como se deve usar mesóclises, a frase proferida pelo ex-presidente Jânio Quadros explica bem o senso comum sobre os diferentes estados da matéria. Dá para tirar daí algumas relações: por exemplo, da mesma forma que não dá para mastigar água, nadar em uma banheira de areia também não é das tarefas fisicamente mais prováveis.

Procede? Bom, não exatamente. Basta usar a quantidade certa de ar — e areia fina o suficiente — para desafiar as leis da física dessa exata maneira. Foi o que provou um ex-engenheiro da Nasa, em um vídeo para seu canal do YouTube.

“Banheiras de hidromassagem cheias de água são tão 2016”, argumenta Mark Rober, autor da façanha, na descrição do vídeo. Longe dos foguetes e do programa espacial norte-americano, o inventor conseguiu simular aquele efeito de areia movediça, que você só costumava ver nos desenhos. Tudo, graças à ciência.

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Ao colocar objetos diversos, como brinquedos, um clássico patinho de borracha e até uma bola de basquete, o efeito é semelhante ao que acontece na água. Graças ao seu peso, casa coisa parada na superfície afunda de uma vez. Quando alguém despeja um objeto do alto, dá para vê-lo batendo na água e sendo empurrado para cima de novo. Um tanto de areia "esguicha" para cima, como a água também faria, e as ondulações perturbam a superfície — igualzinho uma pedra faria na lagoa.

A boa notícia é que dá para replicar o efeito em casa mesmo, em uma escala menor, quem sabe, como uma bacia ou tupperware grande. É bom estar avisado que é provável que não dê certo de primeira — Rober, por exemplo, precisou testar 25 designs diferentes até chegar na batida perfeita. Para isso, você precisará só de um recipiente, disposição o bastante para enchê-lo com alguns quilos de areia bem fina e um fluxo constante de ar (aconselha-se um cilindro de ar comprimido, conectado ao aparato por uma mangueira).

O processo todo acontece graças ao fenômeno chamado do fluidização. Ela acontece quando você borbulha fluidos, como o ar, em partículas sólidas — no caso, os diferentes componentes da areia. As partículas de ar diminuem o contato que os grãos de areia têm entre si, mantendo-os mais separados. Ao reduzir essa fricção, os grãos ganham corredores de ar, que os deixam livres para se locomover entre as outras partículas  como acontece em um líquido.

Isso permite que, caso você forneça ar em quantidade suficiente, o grão de areia se mantenha em equilíbrio. O ar que empurra a partícula para para cima é compensado com a atuação da gravidade, que faz sempre o efeito oposto, puxando tudo para baixo. Assim, as partículas de ar permanecem suspensas no fluxo de ar, como se estivessem flutuando. Quando você para de soprar, o efeito para instantaneamente. Mas se o fluxo de ar for grande demais, bem, aí a areia toda sairá voando para cima  bem no rosto do desavisado que estiver olhando a cena, como estes outros YouTubers testaram na prática. 

Toda essa história não é exatamente um fenômeno inédito. Há um bom número de referências teóricas sobre fluidizaçãocomo esta, ou esta outra, por exemplo, e outros cientistas já se dispuseram a tentar explicar o fenômeno. “Se tivéssemos ar o suficiente soprando por debaixo da superfície do Saara, conseguiríamos navegar por ele dentro do Queen Mary [um transatlântico aposentado]. Assim teríamos um verdadeiro cruzeiro pelo deserto, sem precisar estar nas costas de um camelo”, explicava o físico australiano Lawrence Bragg, enquanto provava esse efeito durante o programa de TV “A natureza das coisas”, transmitido nos EUA ainda no fim da década de 1950.

No vídeo abaixo, dá para ver outra tentativa (um tanto mais simplificada) de que é possível desafiar a mecânica dos fluidos dessa maneira. Se você for um daqueles mais ousados, pode até tentar a sorte na próxima vez que sentir saudades da praia e quiser enterrar o corpo todo na areia — dessa vez, de um jeito diferente. Não se esqueça do protetor solar. E do patinho de borracha, claro.

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Este texto foi publicado originalmente no site da Superinteressante.

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