Ciência

Estudo revela como o cérebro de predadores organiza a caça

Uma região cerebral conhecida como núcleo central da amígdala é a responsável por organizar as ações envolvidas na caça

Tigre: pesquisadores demonstraram que o núcleo central da amígdala é a região responsável por articular as diferentes habilidades envolvidas na perseguição e no abate de presas (Wikimedia Commons/Divulgação)

Tigre: pesquisadores demonstraram que o núcleo central da amígdala é a região responsável por articular as diferentes habilidades envolvidas na perseguição e no abate de presas (Wikimedia Commons/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2017 às 14h02.

Última atualização em 23 de maio de 2017 às 13h33.

A caça predatória, da qual muitos animais selvagens dependem para sobreviver, é considerada por estudiosos do cérebro um comportamento complexo, pois envolve diferentes habilidades que precisam ser exercidas de maneira eficiente e articulada para que o predador obtenha sucesso.

Por meio de experimentos com camundongos, pesquisadores brasileiros e norte-americanos conseguiram demonstrar que uma região cerebral conhecida como núcleo central da amígdala é a responsável por organizar as ações envolvidas na caça predatória.

Mostraram ainda que isso ocorre por meio de duas redes neuronais distintas: uma que organiza a perseguição e a captura da presa e, outra, o controle motor da mandíbula e do pescoço necessário para que o predador consiga desferir a mordida fatal.

Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram divulgados nesta quinta-feira (12/01) na revista Cell.

“A maneira modular pela qual o controle é exercido é relevante. O trabalho dá detalhes novos sobre o controle neural de músculos craniofaciais, o que pode contribuir para o entendimento de patologias que afetam essa região.

Além disso, aplicações práticas no campo da engenharia, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de algorítmica robótica, estão sendo consideradas”, disse Ivan de Araujo, professor de Psiquiatria da Escola de Medicina de Yale, nos Estados Unidos.

Em seu laboratório, Araujo se dedica a estudar as bases neurais do comportamento alimentício de mamíferos. A parceria com o professor Newton Canteras, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), surgiu devido ao interesse em compreender como é controlada a busca de alimentos em condições próximas às enfrentadas na natureza.

Em trabalhos anteriores, o grupo do ICB-USP havia mostrado que uma forte ativação do núcleo central da amígdala ocorria quando o animal estava caçando.

“Considerando a experiência de Canteras em comportamento de caça e a visita de membros de seu grupo a meu laboratório, resolvemos aplicar o modelo de predação de insetos a camundongos geneticamente modificados”, contou Araujo.

Parte do trabalho foi feita durante o pós-doutorado de Simone Motta e o doutorado de Miguel Rangel – ambos bolsistas da FAPESP e orientandos de Canteras. Também colaborou a professora aposentada do Departamento de Fisiologia do ICB-USP Sara Shammah-Lagnado.

Interrogando neurônios

Diversos experimentos e técnicas foram empregados com o intuito de “interrogar” os neurônios da amígdala central e, assim, descobrir as vias envolvidas no controle das ações da caça predatória.

Conforme explicou Motta, uma das mais importantes foi a optogenética, que permite ativar e desativar neurônios quase instantaneamente por meio de estímulos luminosos.

“Por meio de um vetor viral, inserimos nos neurônios da região de interesse uma proteína que atua como receptor celular e faz com que esse neurônio passe a responder à luz. Dependendo do receptor inserido, o neurônio pode ser ativado ou desativado com o estímulo luminoso. Além disso, inserimos uma fibra óptica que leva o laser ao local. O tempo decorrido entre ligar ou desligar o laser e o neurônio ser ativado ou desativado é muito curto e, portanto, permite relacionar a função neuronal com o que estamos observando em termos comportamentais”, explicou Motta.

É possível usar a mesma lógica de modificação do neurônio por vetores virais para tornar o processo de ativação e desativação ainda mais específico – discriminando, por exemplo, neurônios glutamatérgicos (que liberam o neurotransmissor glutamato) e neurônios gabaérgicos (que secretam o ácido gama-aminobutírico).

“Alguns experimentos foram feitos com animais que expressavam a enzima Cre recombinase apenas em neurônios glutamatérgicos, por exemplo. Em seguida, inserimos um vírus Cre dependente que leva o receptor sensível à luz apenas àqueles neurônios marcados com a enzima. Assim, conseguimos ativar ou desativar apenas a população de neurônios glutamatérgicos para descobrir o que acontece”, disse Motta.

Outra possibilidade é causar a morte seletiva de uma determinada população de neurônios por meio da injeção de um vírus Cre dependente capaz de codificar uma proteína chamada caspase, que sinaliza para a célula entrar em apoptose (morte celular programada).

Todo esse conjunto de experimentos permitiu mapear as duas diferentes vias neuronais – ambas mediadas por neurônios gabaérgicos – que se complementam na organização da caça. Uma delas vai do núcleo central da amígdala para uma região do tronco cerebral conhecida como formação reticular pontina (PCRt, na sigla em inglês).

Ali estão neurônios que se projetam para a região motora do núcleo ambíguo do décimo primeiro par de nervos – que controla a movimentação da cabeça – e para a região motora do nervo trigêmeo – envolvido na movimentação da mandíbula.

“Os experimentos mostraram, por exemplo, que, se eliminarmos os neurônios que se projetam para a região motora do trigêmeo, o animal corre atrás da presa, mas não consegue dar a mordida necessária para fazer o abate. Por outro lado, continua a mastigar normalmente a ração oferecida no laboratório, mostrando que é outro circuito neuronal que controla esse comportamento alimentar”, contou Motta.

A segunda via parte do núcleo central da amígdala para a substância cinzenta paraquedutal (PAG, na sigla em inglês). Localizada no mesencéfalo, a PAG se projeta para a medula espinhal e orienta a corrida e a perseguição.

“Quando os neurônios dessa via foram eliminados, o tempo de latência para o animal começar a caçar aumentou fortemente. Porém, quando conseguia capturar a presa, ele a abatia sem dificuldades, pois a via da PCRt estava funcionando normalmente”, disse Motta.

Em outro experimento foi avaliada a força da mordida, que não se alterou quando foram eliminados neurônios da via PAG, mas diminuiu fortemente quando os neurônios da via PCRt foram mortos.

Quebra de paradigma

Na avaliação de Canteras, os resultados da pesquisa contribuem para quebrar um paradigma antigo na área de neurociências: o de que a amígdala central é a região responsável por organizar comportamentos relacionados ao medo – como, por exemplo, "congelar" diante de um predador maior ou virar de barriga para cima e demonstrar submissão a um membro hierarquicamente superior da mesma comunidade.

Nos experimentos iniciais, mostrou-se que, quando o núcleo central da amígdala era estimulado pela luz, em vez de surgirem comportamentos defensivos – que indicariam medo – os animais começavam a mastigar, mesmo sem ter qualquer alimento na boca.

“Mostramos agora, de forma cabal, que esse [núcleo central da amígdala] é um centro para organizar comportamentos de caça. E, nesse sistema, pode haver mecanismos que façam o animal parar de caçar em condições ambientais adversas. Então, o que antes se interpretou como medo, poderia ser apenas um sinal para o animal parar de caçar por falta de condições favoráveis”, avaliou Canteras.

Acompanhe tudo sobre:AnimaisCaça de animaisPesquisas científicas

Mais de Ciência

Cientistas criam "espaguete" 200 vezes mais fino que um fio de cabelo humano

Cientistas conseguem reverter problemas de visão usando células-tronco pela primeira vez

Meteorito sugere que existia água em Marte há 742 milhões de anos

Como esta cientista curou o próprio câncer de mama — e por que isso não deve ser repetido