Ciência

Espanha é campeã do mundo em doações de órgãos

Ano passado foram feitos mais de 4.800 trasplantes em todo o país, 2.994 deles de rins, segundo a Organização Nacional de Trasplantes (ONT)

Doação de órgãos: de acordo com a lei espanhola, qualquer pessoa falecida pode ser doadora de órgãos, a menos que tenha manifestado em vida o contrário (Getty Images/Getty Images)

Doação de órgãos: de acordo com a lei espanhola, qualquer pessoa falecida pode ser doadora de órgãos, a menos que tenha manifestado em vida o contrário (Getty Images/Getty Images)

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AFP

Publicado em 17 de abril de 2017 às 18h04.

Juan Benito Druet acaba de receber uma notícia que vai mudar sua vida: será submetido a um transplante de rim, graças a um mecanismo de doações pioneiro em nível mundial do qual a Espanha se orgulha há 25 anos.

"Não sabemos o que vai acontecer. Mas é preciso se arriscar", diz este homem de 63 anos, caldeireiro de profissão, no seu quarto do hospital de La Paz em Madri.

Intervenções como esta são realizadas diariamente na Espanha. Em 2016 foram feitos 4.818 trasplantes em todo o país, 2.994 deles de rins, segundo a Organização Nacional de Trasplantes (ONT).

Através desta organização, a Espanha ostenta há 25 anos o recorde mundial de doadores de órgãos falecidos por milhão de habitantes: 43,4 em 2016, segundo a ONT.

Em 2015, esse índice foi de 40,2 na Espanha, em comparação com 28,2 nos Estados Unidos, 28,1 na França e 10,9 na Alemanha, segundo dados do Conselho da Europa.

Juan Benito está acompanhado dos seus dois filhos, de 37 e 32 anos, e da sua esposa, Jerónima, que não esconde sua alegria: "É melhor do que se tivéssemos ganhamos na loteria!".

Esta mulher de 60 anos sonha em fazer um cruzeiro após a operação do marido, uma viagem inimaginável durante os 12 meses de diálise a que Juan Benito foi submetido, conectado todas as noites a um aparelho de 15 quilos que filtrava seu sangue.

Trasplantando vida

A operação dura quatro horas e meia. Os cirurgiões limpam e preparam o rim extraído na véspera de um paciente falecido, depois fazem uma incisão de 15 centímetros no abdome do receptor e trasplantam o órgão.

Após a operação, o paciente "começa imediatamente a ganhar peso, a melhorar seu estado geral, é como se se estivesse transfundindo vidas", diz à AFP Rafael Matesanz, fundador da ONT.

Matesanz conta que o mecanismo espanhol de doações foi copiado em países como Portugal e Croácia.

Na prática, cada hospital tem um coordenador de trasplantes, que em geral é especialista em cuidados intensivos.

Estes profissionais são os melhores para identificar os pacientes em risco de morte cerebral ou de parada cardiorrespiratória, duas situações nas quais os chamados órgãos sólidos (rins, fígado, coração, pulmões, pâncreas e intestino delgado) ainda podem funcionar e ser trasplantados.

As aceitações de doações são imediatamente comunicadas à ONT, que busca o paciente mais adequado em suas listas de espera. Se este está longe, o órgão é enviado por ar, guardado na cabine com o piloto.

A operação é gratuita, anônima e aberta apenas aos residentes na Espanha, para evitar o risco de tráfico de órgãos.

Formação e comunicação

"A diferença é a organização do sistema. Essa rede e essa centralização são a chave" do sucesso, explica à AFP Marie-Charlotte Bouësseau, especialista em questões éticas na Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra.

Segundo ela, em nível mundial só são cobertas cerca de 10% das necessidades de trasplantes.

"Isso significa que 90% (dos pacientes) vão morrer na lista de espera", acrescenta.

Na Espanha, de acordo com a ONT, apenas entre 4% e 6% dos pacientes na lista de espera morreram em 2016.

Ramón García Castillo, ex-técnico de televisão de 85 anos, recebeu um rim trasplantado em 2010, depois de 13 meses de diálise, à qual era submetido três vezes por semana.

O trasplante "me deu vida. Passei de estar ligado a uma máquina a ter a tranquilidade de poder ir e vir", conta Castillo, que hoje só precisa tomar comprimidos para evitar que seu organismo rejeite o órgão.

O outro segredo do modelo espanhol, segundo Rafael Matesanz, é a formação e a comunicação.

Desde a sua criação, em 1989, a ONT formou mais de 18.000 coordenadores capazes de comunicar as "más notícias" e de convencer a família de um paciente falecido da importância de dar seu consentimento para a doação.

Eric Abidal e Pedro Almodóvar

De acordo com a lei espanhola, qualquer pessoa falecida pode ser doadora de órgãos, a menos que tenha manifestado em vida o contrário.

Em qualquer caso, os familiares são sistematicamente consultados. "É preciso ter bastante empatia, delicadeza, respeito", explica Belén Estébanez, coordenadora de trasplantes no hospital de La Paz.

"Se eles têm dúvidas, lhes perguntamos como a pessoa era, se era generosa, se compartilhava suas coisas. E a partir daí os levamos a pensar um pouco sobre a doação", acrescenta Damiana Gurría, outra coordenadora, que assegura que há uma sensibilidade crescente sobre o tema.

O caso do jogador de futebol francês do Barcelona Eric Abidal, salvo em 2012 de um câncer de fígado graças a um transplante, e os três filmes do cineasta Pedro Almodóvar que abordam o tema - "Tudo sobre minha mãe", "A flor do meu segredo" e "Fale com ela" - contribuíram para essa sensibilização.

"Há muitas famílias que se sentem reconfortadas de saber que os órgãos do seu filho viverão em outra pessoa, que há famílias que vão estar agradecidas a ele para o resto da vida", aponta Damiana Gurría.

É o caso de Ramón García Castillo, que se gaba de ter uma alimentação balanceada e de beber dois litros de água por dia desde que recebeu um rim novo.

"Tenho que cuidar dele, mais ainda porque me foi dado. Tenho que agradecer!", afirma.

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