(Jeff Keyzer/Wikimedia Commons)
Lucas Agrela
Publicado em 24 de julho de 2018 às 05h55.
Última atualização em 24 de julho de 2018 às 08h49.
Os avanços na área da óptica têm sido tão rápidos e com resultados tão surpreendentes que mesmo excelentes alunos de mestrado ou de doutorado dificilmente têm ideia do que está ocorrendo na linha de frente de seu campo de estudo. Foi esse pensamento que motivou a realização da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Fronteiras de Lasers e suas Aplicações, que ocorre até 27 de julho no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo.
Coordenada por Niklaus Ursus Wetter, pesquisador titular do Ipen e professor de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), a Escola tem apoio da FAPESP por meio da modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) e reúne alguns dos mais renomados pesquisadores da área e estudantes de pós-graduação de várias partes do mundo.
“Esperamos que esse encontro ajude a consolidar no Brasil a área de fotônica avançada, que movimenta atualmente um mercado de US$ 530 bilhões no mundo”, disse Wetter à Agência FAPESP.
“Trouxemos pesquisadores-líderes em suas respectivas áreas, para comunicar aos alunos o estado da arte nos diferentes campos da óptica, da ciência básica às múltiplas aplicações”, disse.
O escopo engloba os processos de geração, amplificação, modulação, emissão, transmissão, detecção e processamento da luz. E aplicações que vão do monitoramento ambiental à tecnologia aeroespacial e da nanousinagem à medicina. Formar cientistas e criar empresas e inovação na área são consequências desejáveis no médio prazo.
A FAPESP tem investido pesadamente em pesquisas e na criação de facilities na área. O diretor científico, Carlos Henrique de Brito Cruz, participou da abertura da ESPCA no Ipen, apresentando aos pesquisadores e estudantes presentes as modalidades de apoio oferecidas pela instituição para aqueles que buscam oportunidades de estudo e carreira no Estado de São Paulo.
Uma subárea altamente valorizada no evento é a dos ultrafast lasers (lasers ultrarrápidos). Tais dispositivos tornaram-se um grande objeto de interesse, por serem capazes de produzir os fenômenos mais curtos e mais potentes já criados pela humanidade.
“O termo ultrafast refere-se à duração temporal dos pulsos do laser. Hoje, alcançamos rotineiramente pulsos com durações da ordem de cinco femtossegundos (5x10-15 s), que correspondem a cinco milésimos de trilionésimos de segundo. Mas já foram atingidos pulsos com durações de uma a duas ordens de grandeza menores, entre 10-16 s e 10-17 s. Então, operando um laser com energia por pulso de um milijoule (1 mJ), que não é muito, e comprimindo essa energia em um intervalo de tempo de cinco femtossegundos, somos capazes de criar potências de 1019 W no foco do laser. Isso equivale a uma potência 10 milhões de vezes maior do que todas as centrais de energia do mundo, juntas, são capazes de gerar”, explicou Wetter.
O equipamento capaz de viabilizar esse patamar de potência não é um dispositivo gigantesco como o LHC (Large Hadrons Collider – Grande Colisor de Hádrons), instalado na fronteira franco-suíça. Mas algo que pode ser disposto sobre a bancada do laboratório.
“Os ultrafast lasers permitem alcançar potências de tal magnitude que, com um pouco mais, seria possível criar matéria de maneira controlada. Focando o laser no vácuo, poderíamos separar o vácuo em elétrons e pósitrons, por exemplo. É como se voltássemos àquilo que aconteceu uma fração de segundo depois do Big Bang”, disse o pesquisador.
Esses lasers de altíssima potência são vistos como potenciais fontes de feixes de prótons, cujo uso no tratamento de câncer tem crescido expressivamente.
O novo – enfatizou Wetter – é o que se pode fazer hoje com isso. “Uma aplicação é a criação de padrões de tempo e de frequência três ordens de magnitude mais precisos do que aqueles possibilitados pelos relógios atômicos. Conseguimos definir o tempo de um segundo com uma precisão de 18 dígitos”, disse.
Lasers randômicos
Outra aplicação, decorrente da interação dos lasers ultrarrápidos com a matéria, são as ablações multifotônicas. Esse processo não térmico possibilita fazer cortes de altíssima precisão, com resoluções da ordem de centenas de nanômetros, sem transformar o material.
Nos cortes convencionais, o processo sempre aquece o material, fazendo com que ele mude de propriedade nas bordas da excisão. Com os lasers ultrarrápidos, dá para cortar de forma que o material mantenha todas as propriedades de interesse intactas.
Nas suas várias modalidades, os lasers tornaram-se ferramentas de aplicação tecnológica quase ilimitada: da modificação de estruturas metálicas – criando materiais altamente repelentes a líquidos ou, ao contrário, capazes de reter óleo em microcavidades, praticamente zerando o atrito e o desgaste das peças – à prospecção tridimensional de aerossóis poluentes em regiões com extensões de quilômetros.
“Uma área novíssima, interessantíssima, é a dos lasers randômicos, que permitem estudar a propagação da luz em meios difusos, como um comprimido de aspirina, por exemplo. O fenômeno possibilita tanto a investigação do próprio material, por meio da análise da fração luminosa que volta, como a obtenção de novos efeitos ópticos, como o aprisionamento da luz, no qual o feixe luminoso fica preso no interior do material por tempo indeterminado”, disse Wetter à Agência FAPESP.
Outra área nova é a da estruturação dos feixes de lasers, que consiste em conferir um momento angular aos fótons de modo que eles girem para um lado ou para outro em trajetórias circulares, triangulares, quadradas, hexagonais etc. Ao interagirem com a matéria, esses feixes permitem construir metamateriais com propriedades ópticas notáveis, como a refração negativa ou a invisibilidade.
Especialistas que lidam com esses e outros fenômenos em centros avançados do mundo participam da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Fronteiras de Lasers e suas Aplicações.
Do exterior, vieram para o evento: Cefe Lopez, do Instituto de Ciencia de Materiales, Espanha; John Girkin, da Durham University, Reino Unido; Jorge Rocca, da Colorado State University, Estados Unidos; Rui Vilar, do Instituto Superior Técnico, Portugal; Takashige Omatsu, da Chiba University, Japão; Thomas Südmeyer, da Université de Neuchâtel, Suíça; Volker Freudenthaler, da Ludwig-Maximilians-Universität, Alemanha.
Mais informações: https://sites.google.com/view/laserfrontiers/
*Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp
*Foto: Jeff Keyzer