Ciência

Droga para malária pode proteger fetos da zika, mostram estudos

Pesquisas mostraram que a droga interfere no processo pelo qual o vírus manipula uma barreira natural do organismo para conseguir infectar o bebê

Gravidez: segundo a autora principal do estudo, a droga já tem uso aprovado em mulheres grávidas (foto/Thinkstock)

Gravidez: segundo a autora principal do estudo, a droga já tem uso aprovado em mulheres grávidas (foto/Thinkstock)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 10 de julho de 2017 às 14h53.

São Paulo - Em estudos realizados com camundongos gestantes, cientistas da Universidade Washington, em St. Louis (Estados Unidos) mostraram que uma droga utilizada contra a malária é capaz de proteger os fetos da infecção pelo vírus da zika.

Os pesquisadores verificaram que a droga interfere no processo pelo qual o vírus manipula uma barreira natural do organismo e consegue infectar o bebê.

De acordo com a autora principal do estudo, Indira Mysorekar, a droga já tem uso aprovado em mulheres grávidas, o que poderá acelerar o processo de testes clínicos para uso em humanos. O estudo foi publicado nesta segunda-feira, 10, na revista científica The Journal of Experimental Medicine.

"Descobrimos que hidroxicloroquina, uma droga para a malária, bloqueia com eficiência a transmissão viral para o feto. Essa droga já é utilizada em mulheres grávidas para tratar a malária. Nós sugerimos que seja feita uma avaliação em primatas e em mulheres para reduzir o risco de infecção por zika nos fetos em desenvolvimento", disse Indira.

Estudos anteriores já haviam mostrado que o feto em desenvolvimento é especialmente vulnerável aos danos causados pela infecção por zika e que o organismo humano mobiliza robustas defesas para impedir que o vírus chegue a ele. No processo de infecção, a placenta é a última linha de defesa do feto.

Diversos grupos de cientistas já mostraram que o processo conhecido como autofagia - a rota de 'reciclagem' das células, usada para eliminar organelas indesejadas e micróbios invasores - é uma parte importante da barreira placentária contra a infecção. No entanto, as pesquisas também mostraram que o vírus da zika não apenas consegue invadir a placenta, como consegue se multiplicar em seu interior.

Para realizar o novo estudo, os cientistas infectaram células de placentas humanas com o zika e constataram que a exposição ao vírus ativa genes ligados ao processo de autofagia. Entretanto, ao tratar as células com drogas que estimulam o processo de autofagia, o número de células infectadas como o zika aumentou.

As drogas que suprimem a autofagia, por outro lado, promoveram uma redução das células da placenta infectadas como vírus. Assim, os cientistas concluíram que o vírus se multiplica e se espalha com mais eficiência quando a barreira placentária é fortalecida.

"Aparentemente, o vírus da zika tira vantagem do processo de autofagia na placenta para manter sua sobrevivência e para infectar mais céulas placentárias", explicou Bin Cao, pós-doutorando do grupo de Indira que também participou do estudo.

No experimento, os cientistas utilizaram um grupo de camundongos normais e outro grupo cuja autofagia havia sido interrompida por baixos níveis de uma proteína essencial para o processo.

Cinco dias após a infecção, as mães com pouca resposta autofágica tinham a mesma quantidade de vírus na corrente sanguínea que os camundongos com resposta normal. No entanto, entre os animais com autofagia fraca, os cientistas encontraram 10 vezes menos vírus na placenta - que havia sofrido menos danos - e no cérebro dos fetos.

Como se sabia que a hidroxicloroquina suprime a resposta autofágica, os cientistas imaginaram que a droga poderia também proteger os fetos da zika. Para testar a hipótese, eles repetiram o experimento utilizando apenas camundongos com resposta autofágica normal. No nono dia da gravidez, as mães foram infectadas como vírus da zika e então receberam uma dose de hidroxicloroquina ou de placebo pelos cinco dias subsequentes.

Seguindo o tratamento, os cientistas descobriram uma quantidade consideravelmente menor de vírus nas placentas dos fetos cujas mães haviam recebido hidroxicloroquina. Além disso, essas placentas apresentaram menos danos e os fetos tinham peso normal.

Tanto as mães tratadas como as não tratadas tinham a mesma quantidade de vírus na corrente sanguínea, indicando que a hidroxicloroquina foi capaz de proteger os fetos mesmo quando o vírus estava circulando pelo organismo da mãe.

Embora a hidroxicloroquina venha sendo utilizada com segurança em mulheres grávidas por curtos períodos, os cientistas alertam que será preciso realizar novos estudos antes que a droga possa ser aplicada em mulheres para a prevenção dos efeitos da infecção por zika. Para ser eficaz, é possível que a droga precise ser utilizada por toda o período de gestação e a segurança da hidroxicloroquina a longo prazo é desconhecida.

"Nós recomendamos cautela, mas apesar disso sentimos que nosso estudo fornece novos caminhos para intervenções terapêuticas factíveis. Nosso estudo sugere que uma intervenção terapêutica contra o zika com base na autofagia pode ser útil para mulheres grávidas infectadas pelo vírus", disse Indira.

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