Ambiente escolar pode esconder práticas que acabam incentivando a discriminação de gênero a vida adulta. (Divulgação/EXAME)
Da Redação
Publicado em 17 de julho de 2012 às 19h16.
Brasília - Uma fila de meninos e outra de meninas. A forma de organização que realça a diferença de gênero está na memória escolar da maior parte dos brasileiros e ainda é uma prática comum nas escolas. O que é visto com muita naturalidade por todos os agentes do ambiente escolar e pela própria sociedade pode esconder práticas que acabam também incentivando a discriminação de gênero, que, na maior parte das vezes, faz como vítima o lado feminino.
“As meninas são sempre elogiadas por ficarem quietinhas, mais comportadas. É comum ouvir colegas de trabalho dizendo que esse é o comportamento de uma moça. Quando a situação é inversa, ou seja, uma menina mais agitada, fatalmente ouviremos a seguinte repreensão: 'não é assim que uma moça bonita se comporta”, diz a professora de Educação Física, Debora Ferreira, que atua na rede pública do Distrito Federal.
Embora o relato apresente uma cena cotidiana, comum em todo país, o incentivo dessa prática nas escolas brasileiras vem chamando a atenção do governo. Preocupado com o baixo índice de mulheres em profissões que requerem mais ousadia e inovação, o governo colocou como meta, qualificar, até 2014, meio milhão de professores nas questões de gênero e diversidade.
De acordo com a ministra Iriny Lopes, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SEPM) órgão ligado à Presidência da República, a decisão tem o intuito de iniciar uma mudança cultural a longo prazo, que tenha reflexos na condição da mulher no mercado de trabalho.
“Uma das nossas metas é chegar em 2014 com meio milhão de professores formados em gênero e diversidade, um programa que está sendo coordenado pelo Ministério da Educação. Temos que dar escala a essa formação e melhorar as condições para trabalhar a autonomia das mulheres”, enfatizou a ministra que logo que assumiu a SEPM, se surpreendeu com os dados de gênero revelados pelas Olimpíadas de Matemática.
Uma observação feita pela própria idealizadora e coordenadora da competição, Suely Druck, demonstrou que nas séries iniciais, a participação de meninas é praticamente igual à dos meninos. Já nas séries mais adiantadas, o percentual de meninas participando da competição nacional cai drasticamente. “O que acontece é que elas são direcionadas para outros focos, que não a matemática. Como a matemática é uma ciência exata, ela é mãe da engenharia, da física, da química e outros espaços científicos, onde predominam os homens”, considera a ministra.
“Esse direcionamento é feito pela família e também pela escola. As meninas vão, aos poucos, migrando para as áreas de assistência social, educação. Tudo que trata da área de cuidar do outro. Ficam com os meninos as áreas de mais ousadia e inovação. Isso é parte da explicação do porquê temos tão poucas mulheres cientistas”, destaca Iriny.
“Tomei conhecimento de um dado e nós vamos trabalhar com isso. Nós temos um protocolo assinado com o governo americano para desenvolvermos ações no sentido de enfrentar a discriminação das mulheres no meio científico e tecnológico. Por que não há produção com um olhar de gênero nas universidades? Por que a presença de cientistas mulheres é tão baixa? Por que temos tão poucas mulheres em cargos de direção de institutos tecnológicos e de pesquisa científica no Brasil?”, questiona a ministra.
Um caso emblemático dessa cultura foi o lançamento, em 1968, da primeira boneca Barbie que falava. Uma das frases da sequência repetida pela boneca era “eu odeio matemática”.
“Sem uma mudança de cultura, não adianta ter Lei Maria da Penha cumprida integralmente, não adianta ter equidade de gênero cumprida integralmente, se não se prepara as futuras gerações para outras posturas. Quando falamos em escola, não queremos falar somente em vagas para mulheres estudarem, até porque, hoje temos a maioria de mulheres com maior tempo de estudos do que os homens”, destacou a ministra.
A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2010, que busca fazer uma análise das condições de vida no país, tendo como principal fonte de informações a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009, demonstrou que, mesmo mais escolarizadas que os homens, o rendimento médio das mulheres continua inferior ao dos homens. As mulheres ocupadas ganham em média 70,7% do que recebem os homens. A situação se agrava quando ambos têm 12 anos ou mais de estudo. Nesse caso, o rendimento delas é 58% do deles.
“O maior nível de escolaridade não fez todos iguais no mercado de trabalho nem fez com que os salários fossem iguais entre homens e mulheres para as mesmas funções. Infelizmente isso [o maior nível de escolaridade] não serviu no Brasil para alçar as mulheres a cargos de poder, de decisão, de chefia”, destaca Iriny.
De acordo com a Pnad, as mulheres trabalham em média menos horas semanais (36,5) que os homens (43,9), mas, em compensação, mesmo ocupadas fora de casa, ainda são as principais responsáveis pelos afazeres domésticos, dedicando em média 22 horas por semana a essas atividades contra 9,5 horas dos homens ocupados.