Cancro cítrico: formulações bactericidas utilizadas hoje para prevenir a propagação da doença, que causa lesões em folhas, frutos e ramos (Foto/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2017 às 10h23.
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro e de São José do Rio Preto, em colaboração com colegas da University of Groningen, da Holanda, identificaram uma série de compostos capazes de inibir a ação da bactéria Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico – uma doença que ataca todas as variedades e espécies de citros de importância comercial.
Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP no âmbito de um acordo de cooperação com a Organização Holandesa para Pesquisa Científica (NWO, na sigla em inglês), foram apresentados no “Biobased Economy Workshop”, realizado nos dias 5 e 6 de abril, na Fundação.
“Identificamos dezenas de compostos com potencial para combater a Xanthomonas citri”, disse Henrique Ferreira, professor do Departamento de Bioquímica e Microbiologia do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro, durante palestra no evento.
O pesquisador – em parceria com Luís Octávio Regasini, professor do Departamento de Química e Ciências Ambientais do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp de São José do Rio Preto – tem se dedicado a identificar nos últimos anos, por meio de projetos de pesquisa também apoiados pela FAPESP, compostos de baixo impacto ambiental que possam prevenir as plantas cítricas de serem infectadas pela Xanthomonas citri ou o espalhamento da doença para novas áreas.
As formulações bactericidas utilizadas hoje para prevenir a propagação da doença, que causa lesões em folhas, frutos e ramos, provocando sua queda, são à base de cobre – um elemento tóxico que se acumula no meio ambiente.
“Esses produtos podem levar à contaminação do solo e de reservatórios de água”, ressaltou Ferreira.
A fim de encontrar uma alternativa a essas formulações, eles começaram a prospectar compostos que sejam capazes de matar a Xanthomonas citri ao atacar processos vitais, como a divisão celular do microrganismo.
Nesse processo, as células bacterianas inicialmente crescem em razão da duplicação de seu material genético e, ao final, dividem-se em duas células filhas.
Uma etapa crucial desse processo é a montagem do septo divisional – uma estrutura composta principalmente por uma proteína chamada FtsZ, que forma um anel no meio das células quando elas estão prestes a se dividir –, explicou Ferreira.
“Escolhemos essa proteína essencial para o processo de divisão celular da Xanthomonas citri como alvo de compostos antibacterianos”, sublinhou.
Os pesquisadores fizeram então um levantamento de quais compostos são inibidores da FtsZ e notaram que, em comum, eles são polifenóis – substâncias naturais encontradas em plantas, como os flavonoides e os taninos.
A partir dessa observação, eles decidiram avaliar se o ácido gálico poderia ser ativo contra a Xanthomonas citri ou interferir no processo de divisão celular da bactéria.
Ácido orgânico também conhecido como ácido 3,4,5-triidroxibenzoico, o ácido gálico está amplamente presente na natureza e é encontrado em uma série de plantas, como folhas de chá, sendo considerado padrão para o estudo de polifenóis.
“O ácido gálico está envolvido em atividades de proteção e regulação em plantas e apresenta ação biológica contra vários microrganismos”, afirmou Ferreira.
Para avaliar se o ácido gálico era capaz de matar a Xanthomonas citri, inicialmente os pesquisadores sintetizaram um conjunto de 15 ésteres do composto, chamados galatos de alquila, e realizaram uma série de testes com essas substâncias para verificar se interferiam na habilidade da bactéria em colonizar citros.
Em um dos testes, as bactérias foram expostas aos compostos e depois inoculadas em folhas de citros para analisar se os galatos de alquila inibiam a capacidade de os microrganismos infectarem as plantas. Os resultados foram positivos. As bactérias perderam a habilidade de colonizar as folhas das plantas.
“Isso é uma evidência a favor do potencial desses ésteres em proteger plantas de serem infectadas pela Xanthomonas citri”, disse Ferreira.
Com o intuito de determinar o mecanismo de ação dos galatos de alquila, os pesquisadores realizaram em parceria com os colegas da universidade holandesa, liderados pelo professor Dirk-Jan Scheffers, alguns experimentos em que usaram a proteína FtsZ purificada de Bacillus subtilis.
Embora essa bactéria apresente características muito distintas da Xanthomonas citri, ambas apresentam um processo conservado de divisão celular, explicou Ferreira.
“Isto significa que observações extraídas sobre os efeitos dos galatos de alquila em FtsZ de Bacillus subtilis poderiam ser extrapoladas para Xanthomonas citri”, afirmou.
Os resultados dos experimentos demonstraram que os compostos também mostraram-se ativos contra o Bacillus subtilis.
Os galatos de alquila também perturbaram a localização subcelular (no interior da célula) da FtsZ de Bacillus subtilis e afetaram o funcionamento da proteína, formando estruturas que podiam ser facilmente observadas por microscopia eletrônica e sedimentadas em centrifugação de alta velocidade.
“Esses resultados sugerem que os galatos de alquila atuam na maquinaria da divisão celular da Xanthomonas citri e também da Bacillus subtilis ”, afirmou Ferreira.
Os pesquisadores estão avaliando, agora, como as plantas cítricas podem ser tratadas com galatos de alquila.
A fim de desenvolver uma forma de imobilizar os galatos na superfícies das plantas, eles iniciaram uma pesquisa em colaboração com Ulrich Schwanenberg, professor da RWTW Aachen University, da Alemanha.
A pesquisa também é apoiada pela FAPESP no âmbito de um acordo de cooperação com o Ministério Federal da Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF, na sigla em alemão).
“A ideia do projeto é produzir híbridos de galatos de alquila e peptídeos que poderiam se ligar à superfície das folhas”, explicou Ferreira.
Segundo ele, o professor Regasini já produziu mais de 100 compostos promissores. Dentre eles nove novos compostos diferentes dos galatos de alquila, que apresentam maior potencial de combater o cancro cítrico.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, a incidência da doença tem aumentado nos últimos anos nos pomares em São Paulo – estado responsável por 75% do suco de laranja produzido no Brasil e exportado para o exterior, segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos.
Seis meses após uma mudança na legislação estadual sobre controle do cancro cítrico – que entrou em vigor em meados de 2009 e estabeleceu que, independentemente da existência da doença em um pomar, só é obrigatório fazer a erradicação de plantas que estão em um raio de 30 metros de uma planta infectada –, a incidência da doença no Estado de São Paulo aumentou mais de 80%.
Mais recentemente, em 2013, uma nova alteração na lei permitiu que os produtores passassem a eliminar a planta contaminada e pulverizar com cobre as plantas que estiverem em um raio de 30 metros dela.
“Essas mudanças na legislação favoreceram a presença da Xanthomonas citri nos pomares paulistas”, avaliou Ferreira.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.