Atividade física: pesquisa online foi feita com 938 brasileiros com diagnóstico confirmado por RT-PCR ou teste sorológico (Cienpies Design/StockXchng/Divulgação)
Mariana Martucci
Publicado em 24 de novembro de 2020 às 16h09.
Última atualização em 24 de novembro de 2020 às 22h35.
Resultados de uma pesquisa online feita com 938 brasileiros que contraíram covid-19 apontam que a prevalência de hospitalização pela doença foi 34,3% menor entre os voluntários considerados “suficientemente ativos”, ou seja, aqueles que antes da pandemia praticavam semanalmente pelo menos 150 minutos de atividade física aeróbica de intensidade moderada ou 75 minutos de alta intensidade.
O questionário foi respondido entre os meses de junho e agosto por indivíduos de ambos os sexos e diversas idades que tiveram a infecção pelo SARS-CoV-2 confirmada pelo teste molecular RT-PCR (que detecta o RNA viral na fase aguda) ou sorológico (que detecta anticorpos contra o vírus no sangue). Do total de participantes, apenas 91 (9,7%) precisaram ser hospitalizados. Os dados completos do estudo, que contou com apoio da Fapesp, foram divulgados na plataforma medRxiv, em artigo ainda sem revisão por pares.
Para definir o critério “suficientemente ativo” os pesquisadores usaram como referência as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para adultos entre 18 e 64 anos — que, por sua vez, estão baseadas nas diretrizes das principais entidades médicas do mundo.
“Buscamos avaliar se havia alguma redução na prevalência de hospitalização também entre os que praticavam atividade física por um período menor que o recomendado, mas nesse caso a diferença não foi significativa do ponto de vista estatístico”, conta à Agência Fapesp Marcelo Rodrigues dos Santos, pós-doutorando na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e idealizador da pesquisa.
O questionário contava com perguntas sobre o quadro clínico (sintomas, medicamentos e, no caso dos que foram hospitalizados, tempo de internação) e outros fatores que poderiam influenciar no desfecho da infecção, como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC), doenças preexistentes, condições socioeconômicas, escolaridade, consumo de tabaco e nível de atividade física.
As respostas foram analisadas por modelos estatísticos e, como esperado, a prevalência de hospitalização foi maior entre os homens, os idosos (65 anos ou mais), os voluntários obesos ou com sobrepeso e os de menor nível socioeconômico e menor escolaridade. Contudo, mesmo após descontada a influência desses fatores de risco no resultado final, foi possível observar uma redução de 34,3% na prevalência de hospitalização no grupo “suficientemente ativo”.
Quando foram comparados apenas os voluntários que precisaram ser hospitalizados, o nível de atividade física pré-pandemia não conferiu proteção em termos de tempo de internação, intensidade dos sintomas e necessidade de suplementação de oxigênio ou de intubação.
“Por se tratar de um estudo observacional, não investigamos os mecanismos envolvidos na proteção conferida pela prática de atividade física. Mas há evidências robustas sobre os benefícios dos exercícios para a imunidade. Uma única sessão pode mobilizar bilhões de células de defesa, reintroduzindo-as na circulação”, afirma Santos.
Além disso, como destacam os autores no artigo, a prática de atividade física ajuda a controlar o peso e a prevenir doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, considerados fatores de risco para o agravamento da infecção pelo SARS-CoV-2.
Quando a covid-19 chegou às Américas, Santos tinha acabado de se mudar para Boston, nos Estados Unidos, onde começaria um estágio de pesquisa na Universidade Harvard com apoio da Fapesp.
O objetivo do projeto é tentar reverter os efeitos do envelhecimento e de doenças degenerativas por meio de intervenções capazes de restaurar nas células a concentração de uma coenzima conhecida como NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo), que participa de diversos processos biológicos importantes. Diversos estudos já mostraram que os níveis de NAD diminuem com o envelhecimento e que esse declínio está relacionado com o desenvolvimento de distúrbios metabólicos, como a obesidade.
“A proposta é testar em pacientes obesos ou com sobrepeso o efeito de um suplemento novo supostamente capaz de potencializar a ação da NAD. Mas quando os casos de covid-19 explodiram tudo fechou e a investigação foi temporariamente interrompida. Foi então que surgiu a ideia de fazer uma pesquisa online em paralelo”, conta o pesquisador.
Santos articulou-se com colegas da área de educação física de diversos estados brasileiros, que ajudaram a divulgar o link para o questionário em hospitais, clínicas, jornais e redes sociais. Participaram da iniciativa pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Escola de Educação Física e Esporte da USP.
“Foi uma espécie de estudo multicêntrico, só que online”, comenta Santos.