Sirius: projeto do acelerador de partículas de Campinas está ameaçado (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)/Divulgação)
AFP
Publicado em 26 de setembro de 2019 às 16h41.
O Brasil busca se situar na vanguarda da ciência mundial com seu acelerador de partículas de quarta geração, um projeto ambicioso que, em sua fase final de construção, depara-se com a realidade dos cortes orçamentários estatais.
O Sirius, cujo nome é inspirado na estrela mais brilhante vista a olho nu no céu noturno, é o projeto mais ambicioso da ciência nacional e está situado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP).
Sua peça central é um anel de 518 metros de circunferência, no qual elétrons giram a altíssima velocidade e emitem a luz síncrotron, espécie de raio X muito potente que permite atravessar materiais para ver sua composição em detalhe.
Quando o LNLS começou a projetá-lo, em 2012, apenas um acelerador com características semelhantes estava em obras. Quatro anos depois, o MAX IV, na Suécia, tornou-se o primeiro superlaboratório de quarta geração a funcionar.
A França está modernizando seu laboratório de terceira geração, o EBS, que deve estar operando no verão de 2020 no hemisfério norte, mas o Brasil ainda pode se tornar o segundo país do mundo a inaugurar uma estrutura de quarta geração.
"Tempo é muito importante em ciência", lembra Harry Westfahl Junior, diretor científico do LNLS.
"Se a gente conseguisse funcionar hoje, este seria sem dúvida o síncrotron de maior brilho do mundo. Se for daqui a dez anos, vai ser um ótimo síncrotron, mas não vai ser competitivo", diz.
Com capacidade para 40 estações de pesquisa, o Sirius estrearia com 13 em 2020. Limitações orçamentárias forçaram, porém, a reformulação do cronograma.
A expectativa é que o supermicroscópio comece no ano que vem em fase de testes com seis estações, o último passo antes de abrir espaço para pesquisadores, e complete as sete linhas restantes no ritmo que os recursos permitirem, explica o diretor do LNLS, José Roque, em entrevista por telefone.
"O importante é começar a operar o Sirius o quanto antes", acrescentou.
O Brasil atravessa uma situação econômica difícil e, para equilibrar as contas públicas, o governo de Jair Bolsonaro aprofundou os cortes orçamentários em áreas como educação e ciência, iniciados durante a gestão de Dilma Rousseff e mantidos por Michel Temer.
Orçado em 1,8 bilhão de reais — dos quais R$ 1,32 bilhão já foram pagos —, o Sirius é financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Este ano, o superlaboratório recebeu apenas 30% dos recursos previstos para 2019.
"Óbvio que há incertezas ainda", mas "até agora nada indica que a gente não vai concluir no ano que vem", afirmou Roque.
O diretor do LNLS adverte que o financiamento público em ciência não pode ser substituído por aportes privados.
"Às vezes um discurso meio obscurantista te leva a questionar que nem tudo (na ciência) é útil... Isso é a mesma coisa que questionar a evolução, enquanto você tem ideias que viraram tecnologia, (como) o Iphone (que) chegou com grandes investimentos públicos em ciência, não foi só uma empresa que investiu", comentou Westfahl.
O impacto dos cortes orçamentários nas bolsas e na formação acadêmica também preocupa os cientistas.
Para acompanhar um projeto desta envergadura, "é importante que os pesquisadores estejam na fronteira científica", diz Westfahl. "E para isso precisa investimentos", frisou.
O Brasil entrou no seleto clube de países com tecnologia síncrotron ao inaugurar seu primeiro laboratório em 1997. O UVX, de segunda geração, ainda é o único de seu tipo na região. Embora tenha chegado tarde para ser considerado um competidor internacional, posicionou o país no tabuleiro internacional.
Concebido inicialmente como uma atualização de terceira geração, o Sirius elevou a aposta quando a equipe científica assumiu o desafio de construir, não uma máquina excelente, mas uma referência mundial.
O Sirius foi erguido em Campinas a poucos metros do UVX, que está com os dias contados depois de duas décadas de serviços. De fora, parece concluído, mas do lado de dentro, operários instalam as estações no recinto com impecáveis condições.
"Não consigo ver maior diversidade de pesquisa e alcance do que nesse tipo de instrumento", diz Westfahl, caminhando em volta do anel, o coração do Sirius.
O físico de 47 anos explica que as aplicações práticas da máquina são incontáveis, mas é impossível quantificar como a ciência poderá se beneficiar quando a luz iluminar as estações, agora esqueletos que saem da tangente do anel.