TikTok (SOPA Images/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 5 de abril de 2022 às 08h30.
Última atualização em 5 de abril de 2022 às 08h32.
Vídeos curtos, de em média 15 segundos, com edições aceleradas e músicas que grudam na cabeça. O formato de conteúdo priorizado no TikTok leva a rede social a crescer de forma rápida, chegando a ser o aplicativo mais baixado em 2021 e ultrapassar a marca de um bilhão de usuários ativos. O público-alvo, majoritariamente formado por jovens, passa horas e horas com os olhos vidrados na tela do celular, e cientistas da Universidade Zhejiang, na China, descobriram o porquê.
Em estudo publicado na revista científica NeuroImage, os pesquisadores perceberam que áreas do cérebro ligadas ao sistema de recompensa são ativadas pelos vídeos da rede, produzindo de forma rápida uma sensação de prazer e satisfação no organismo. O experimento envolveu exames de ressonância magnética cerebral em 30 participantes enquanto assistiam a dois tipos de vídeos, os personalizados pelo algoritmo do TikTok e os genéricos, como os exibidos a novos usuários que ainda não tiveram suas preferências detectadas pela plataforma.
Entre as partes do cérebro ativadas apenas pelos conteúdos personalizados está a área tegmental ventral (ATV), um dos principais centros dopaminérgicos do órgão e considerado o início do circuito de recompensa. Isso porque ela libera a dopamina, neurotransmissor que, ao chegar na área do córtex pré-frontal, provoca a sensação de prazer.
— Então, quando o jovem está assistindo a um vídeo no TikTok, o cérebro dele recebe uma enxurrada de dopamina que faz com que ele se sinta feliz, alegre, satisfeito. O problema é que, quanto mais dopamina o cérebro recebe, mais ele quer, aí ele acaba entrando em um estágio de saturação em que essas ‘doses’ vão precisar ser cada vez maiores — explica a psicóloga especialista em criança e adolescente Manuela Santo, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Essa onda de dopamina leva o jovem a não conseguir desprender a atenção da experiência acelerada para outras tarefas que sejam mais complexas e não promovam a sensação de prazer de forma tão rápida, explica a neurologista Letícia Sampaio, coordenadora do departamento científico de Neurologia Infantil da Associação Brasileira de Neurologia (ABN).
— Quando você pega um vídeo e consegue essa sensação de prazer de forma mais rápida, você vai tender a repetir esse comportamento em detrimento de outros que demandem mais atenção, que a recompensa demore mais para chegar — afirma a especialista.
Um outro estudo sobre a rede, conduzido pela Universidade Zhejiangem parceria com a universidade Texas A&M, nos Estados Unidos, fez ainda um levantamento com 1.051 usuários do TikTok sobre os motivos que os levavam a utilizar a rede. Entre 36 opções, que envolviam alternativas como “para passar o tempo” ou “para ficar mais feliz”, as quatro principais escolhidas foram: “auto-apresentação socialmente gratificante”, “tendência”, “vício escapista” e “novidade”.
De modo diferente das outras redes sociais, o TikTok possui duas páginas iniciais: uma em que aparecem vídeos publicados por perfis que a pessoa segue e outra chamada “Para você”, que compila conteúdos que o algoritmo da rede acredita serem do interesse do usuário. Essa segunda página, que personaliza os vídeos com base nas interações anteriores do usuário na plataforma, é o que está por trás do sucesso da rede da empresa chinesa ByteDance.
Essa experiência individualizada atrai cada vez mais adeptos para a rede social, que tem no Brasil seu segundo maior público, atrás apenas da China, segundo dados da consultoria alemã Statista. O país é um mercado especialmente estratégico para a plataforma, já que os brasileiros são os que passam mais tempo no celular por dia, cerca de 5,4 horas, de acordo com relatório da empresa de análise de mercado digital App Annie. Hoje, o TikTok é o segundo aplicativo mais utilizado no país, atrás apenas do WhatsApp.
A rede faz sucesso especialmente entre a chamada geração Z, aqueles que nasceram entre 1995 e 2010, com 66% do público tendo menos de 30 anos. Além disso, apesar de a rede não permitir usuários com menos de 13 anos, é comum encontrar crianças que driblam os termos de serviço com contas falsas ou de familiares mais velhos.
Para Ilana Pinsky, autora do livro “Saúde emocional: como não pirar em tempos instáveis” (Editora Contexto) e consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS), a forma como o aplicativo atua estabelece no cérebro do jovem uma ideia de que a vida é simples e acelerada – como nos vídeos – o que pode atrapalhar no desenvolvimento especialmente daqueles que já têm uma tendência a serem mais introvertidos e evitarem interações com outras pessoas.
— Para alguém que já tem uma dificuldade social, timidez excessiva, baixa autoestima, ainda mais nesse período em que os jovens tiveram de ficar em casa por causa da pandemia, é muito mais fácil a pessoa sentar e ficar horas no TikTok substituindo o relacionamento social, que a longo prazo seria mais interessante, mas a curto prazo dá mais trabalho — afirma a psicóloga clínica.
Manuela, da UFRGS, ressalta também que a infância e a adolescência são períodos em que o cérebro ainda está em formação, e por isso estão mais vulneráveis aos impactos negativos das redes sociais.
— O processo de formação cerebral só termina por volta dos 25 anos de idade, e especificamente as partes do cérebro responsáveis pelo controle de impulsos, pela auto-regulação, são umas das últimas a serem amadurecidas — diz a pesquisadora.
Ainda assim, Manuela destaca que é preciso encontrar um equilíbrio no uso do aplicativo, e pondera que há pontos positivos nas redes sociais, como ajudar a diminuir o sentimento de solidão que pode ser característico da adolescência.
— A internet pode dar uma sensação de pertencimento, mas isso sempre tem que vir acompanhado de políticas de saúde mental. Até porque o adolescente pode se identificar com modelos positivos, mas também com influências negativas.