Paleontólogo examina um fóssil de dinossauro do período Triássico (cerca de 250 milhões a 200 milhões de anos atrás) no Brasil (Carl de Souza/AFP/Getty Images)
Laura Pancini
Publicado em 23 de abril de 2022 às 06h00.
Ubijara jubatus. É este o nome de um dinossauro brasileiro que inspirou uma revolução mundial na comunidade de paleontologia. A espécie foi a primeira no Hemisfério Sul a exibir (o que aparentam ser) precursores das penas modernas, e seu fóssil de 110 milhões de anos havia sido coletado no Brasil.
Mas nenhum paleontólogo brasileiro conhecia o Ubijara, e nenhum estava entre os autores do artigo publicado na revista Cretaceous Research, em dezembro de 2020. Os paleontólogos por trás do estudo eram da Alemanha, México e Reino Unido.
Isso é conhecido como colonialismo paleontológico, quando cientistas de países ricos buscam espécimes de países de baixa e média renda, mas não envolvem pesquisadores locais. A ação priva os países do próprio patrimônio e conhecimento histórico.
Além disso, no Brasil, a prática pode ser considerada ilegal: por aqui, os fósseis do país pertencem ao estado no qual ele foi achado. O Ubijara, por exemplo, foi encontrado perto de Santana do Cariri, no Ceará. Mas os autores afirmam que tinham uma autorização assinada por um oficial de mineração brasileiro.
De acordo com outro estudo publicado na Nature, os países mais afetados pela prática são a República Dominicana, Mianmar e Namíbia. Na visão da coautora do artigo, a paleontóloga Devapriya Chattopadhyay, o colonialismo paleontológico “costumava ser uma discussão entre amigos e colegas entre duas conferências”. Agora, “está recebendo um pouco da atenção merecida”.
A publicação sobre o Ubijara desencandeou um movimento. Tudo começou com a campanha no Twitter #UbirajaraBelongstoBR (#UbijaraPertenceAoBrasil), pedindo pela devolução do fóssil. Atualmente, ele está localizado em um museu em Karlsruhe, na Alemanha, mas autoridades afirmaram ao site Nature que as negociações para enviar o Ubijara ao Brasil já iniciaram.
A hashtag foi aos trending topics do Twitter entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021 e o artigo foi retirado do ar. O movimento cresceu pela América Latina, mas também atraiu cientistas da Mongólia e outros países além dos latinos.
Somente a conta do Instagram do museu de Karlsruhe atraiu mais de 10.000 comentários – muitos deles negativos – e acabou sendo excluída em 2021.
Juliana Sterli, presidente da Associação Paleontológica Argentina de Buenos Aires, descreve o episódio de Ubirajara como a “última gota”. “Em situações anteriores, não nos expressávamos”, disse ela.
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A solução dos cientistas da América Latina é continuar fazendo mais publicações, inclusive sobre como os periódicos científicos podem ajudar a solucionar o problema.
As associações paleontológicas da Argentina, Brasil, Chile e México planejam apresentar uma carta descrevendo como a prática afeta a paleontologia regional para uma revista científica.
Os periódicos Journal of Paleontology, PLoS ONE e Nature adotaram ou já haviam previamente adotado políticas que exigem que os autores respeitem as leis locais ao coletar amostras.
Por último, um painel virtual no Congresso Latino-Americano de Paleontologia irá discutir o colonialismo científico. Para Juan Carlos Cisneros, paleontólogo da Universidade Federal do Piauí, o objetivo é promover uma cooperação entre paleontólogos.
“Não queremos que pesquisadores de outros países parem de trabalhar aqui. O que esperamos é que as parcerias sejam mais justas e recíprocas. E que nossas leis sejam respeitadas, assim como respeitamos as leis de outros países”, disse Cisneros.
(Com informações de Nature)
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