Nasa: processo de seleção dos astronautas é quase brutal (Ho/AFP)
Rodrigo Loureiro
Publicado em 27 de julho de 2019 às 13h44.
São Paulo – Ir para o espaço está longe de ser considerada uma viagem prazerosa. Principalmente do ponto de vista psicológico. O isolamento e os perigos da jornada geram um alto grau de estresse nos tripulantes de espaçonaves enviadas à órbita. A Nasa, agência espacial americana, sabe disso. E realiza um árduo trabalho para impedir que seus astronautas surtem, tanto no espaço como quando estão de volta ao solo terrestre.
Os fatores negativos são vários e vão desde alterações físicas e problemas corporais por permanecerem durante longos períodos em um ambiente sem gravidade até a possibilidade de conflitos entre os tripulantes e problemas de comunicação com astronautas que não falam o mesmo idioma fluentemente. Além disso, há ainda a necessidade da realização de trabalhos diários de manutenção na espaçonave.
Imagine, agora, lidar com esses problemas durante uma trajeto com duração de mais de dois anos. Este seria o tempo aproximado que levaria para ida da Terra até Marte – o que não deve acontecer por pelo menos uma década.
Por isso, o processo de seleção é quase brutal. Entre mais de 18 mil candidatos, um grupo de apenas 60 pessoas é selecionado com potencial de embarcar em uma viagem para fora da Terra. Para realizar o corte são avaliados fatores como habilidades de viver e trabalhar em equipe, perfil de liderança, grau de motivação, convívio em ambientes estressantes, entre outros.
A maior parte dos candidatos já é pré-selecionada a partir de seus trabalhos anteriores, que incluem profissões como pilotos de caça, outros tipos de militares e até médicos. “Os astronautas já sabem que vão enfrentar desafios estressantes e acham que podem superá-los”, disse Jim Picano, psicólogo operacional da Nasa, em entrevista realizada em janeiro ao site Astronaut.
Depois de selecionados, os potenciais astronautas são submetidos a dezenas de horas de tratamento psiquiátrico e são testados em condições estressantes em solo terrestre e, depois, em órbita.
Mas não é só o treinamento que é capaz de manter lúcido quem viaja para o espaço. Para a Nasa, o contato frequente com parentes e amigos é fundamental. É garantido o acesso às redes sociais, telefones por satélite e videoconferências.
O lazer também não é esquecido com a disponibilização de conteúdo televisivo, incluindo seriados e filmes. Além disso, os astronautas também são encorajados a manterem ou adquirirem passatempos como leitura, fotografia e música. Chris Hadfield, por exemplo, chegou a gravar um divertido clipe musical. Curiosamente, com a música Space Oddity, de David Bowie.
De acordo com dados da própria Nasa computados a partir de 89 missões realizadas entre 1981 e 1998, foram reportados 1,8 mil incidentes médicos envolvendo astronautas americanos. Cerca de 40% de todos os astronautas americanos se queixaram do que foi chamado de Síndrome de Adaptação ao Espaço. Entre os sintomas estão enjoo, dor de cabeça e rigidez facial.
Já 2% dos eventos estavam relacionados com problemas de saúde comportamental, como distúrbios de ansiedade e aborrecimento. Parece pouco, mas não é. Qualquer problema pode custar toda a operação espacial. Foi o que aconteceu em 1976, quando todos os tripulantes da missão Soyuz 21 afirmaram que sentiram odores estranhos dentro da aeronave. De volta à Terra, o cheiro não foi detectado e foi concluído que os astronautas estavam sofrendo de delírios psicológicos.
Em 2007, a astronauta Lisa Nowak foi presa por tentativa de homicídio. Na ocasião, ela dirigiu por mais de 900 quilômetros até o aeroporto de Orlando, nos Estados Unidos, para encontrar para encontrar uma pessoa que seria sua rival em um caso romântico. Na bagagem, um pacote de fraldas de adulto, uma espingarda de chumbinho, uma marreta e uma faca. O tribunal avaliou que Nowak sofria de um distúrbio psicótico e de depressão por conta de uma recente viagem espacial.