Ciência

Cientistas que querem isolar idosos contra covid ganham apoio e críticas

Epidemiologistas argumentam que quarentena para conter o avanço do coronavírus pode estar causando mais mal do que bem

Idosa recebe abraço através de cortina plástica de proteção contra o coronavírus (AFP/AFP)

Idosa recebe abraço através de cortina plástica de proteção contra o coronavírus (AFP/AFP)

BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 5 de novembro de 2020 às 20h29.

Última atualização em 5 de novembro de 2020 às 21h17.

No último mês, o grupo internacional de cientistas que aposta na combinação de “proteção forçada” com “imunidade de rebanho” como estratégia de combate à pandemia do coronavírus ganhou um número expressivo de novos adeptos.

Desde o início de outubro, quando foi divulgada a carta pública defendendo o isolamento apenas de idosos e pessoas vulneráveis à covid-19, o número de assinaturas passou de 3.000 para mais de 11.000 pesquisadores, de 4.000 para 33.000 médicos e de 65.000 para 617.000 pessoas.

Elaborado pelos epidemiologistas e professores Sunetra Gupta, da Universidade de Oxford, Jay Bhattacharya, da Universidade Stanford, e Martin Kulldorff, da Universidade Harvard, o documento ganhou o nome de The Great Barrington Declaration. Nele, os professores argumentam que as quarentenas adotadas ao redor do mundo para conter o avanço do coronavírus podem estar causando mais mal do que bem.

Entre os efeitos negativos do modelo atual de quarentena, estariam queda nas taxas de vacinação infantil, piora nos desfechos de doenças cardiovasculares, queda em exames de câncer e deterioração da saúde mental da população.

Mas o grupo não atraiu apenas apoiadores. O doutor em microbiologia e divulgador científico, Atila Iamarino, descreveu o grupo como “especialistas com uma opinião sob medida” em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.

Iamarino argumenta que a teoria defendida pelo grupo é falha, pois o vírus não fica contido entre saudáveis: “Tanto no começo do ano quanto agora, vimos jovens contraindo o vírus por circularem mais e, em seguida, idosos adoecendo e morrendo, pagando o preço por quem saiu”.

Iamarino compara a imunidade de rebanho à eugenia por promover a seleção dos mais saudáveis às custas das mortes dos mais vulneráveis. Para ele, a aplicação de ideias eugênicas durante a atual pandemia é burra, pois não considera as variadas sequelas que o coronavírus pode provocar. “Se os mais saudáveis contraírem o vírus e se curarem, além de matarmos aqueles com pré-condições, terminaremos com mais doentes com diabetes, problemas cardíacos e pulmonares, dessa vez causados pela covid”, afirma.

Calmaria antes da tempestade?

Nas últimas semanas tem ocorrido uma desaceleração em relação ao pico atingido no final de julho, quando chegaram a ser computados mais de 50.000 casos novos de covid-19 e mais de 1.000 óbitos a cada dia. A média móvel, que contabiliza o número de óbitos da última semana, é de 392, menor patamar desde maio. Números animadores têm levado a um relaxamento da quarentena.

Para Iamarino, “conforme os casos vão caindo, a gente começa a partir para os riscos maiores. E, com os riscos maiores abrindo, temos mais vírus circulando. Daqui para a frente vamos ver a abertura não necessariamente segura de mais espaços”.

Em entrevista recente à emissora de televisão GloboNews, Iamarino explicou que, apesar de os casos do novo coronavírus estarem diminuindo, “não há o menor sinal de que isso seja uma tendência. As coisas podem se reverter, e se reverter forte”. Assim como ocorreu na Europa antes da segunda onda da pandemia, a aparente calmaria que temos por aqui pode durar pouco, e há indícios de que a situação já começa a se inverter no Brasil.

Após cinco semanas com taxa de contágio abaixo de 1, nesta semana o Imperial College London apontou que o índice brasileiro está em 1,01. Isso significa que a cada 100 pessoas com o vírus, outras 101 são infectadas. À primeira vista pode parecer pouco, mas se torna alarmante ao considerarmos que em um período de 24 horas foram registrados 23.317 testes reagentes para o coronavírus no país, segundo dados do consórcio de imprensa que reúne UOL, Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, G1 e Extra.

O Brasil tem mais de 160.000 mortes desde o início da pandemia. O número é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O total de casos de covid-19 no país já passa de 5,5 milhões, abaixo dos EUA e da Índia, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

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