(Reprodução/Wikimedia Commons)
Lucas Agrela
Publicado em 26 de julho de 2018 às 11h26.
O município paranaense de Cruzeiro do Oeste poderá se juntar, em breve, a duas regiões na China e outra na Argentina como os únicos lugares onde já foram encontrados ovos de pterossauros.
Um dos maiores especialistas mundiais nesses répteis alados, que são parentes distantes e foram extintos com os dinossauros, o paleontólogo Alexander Kellner, pesquisador e diretor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estima que é só uma questão de tempo para encontrar ovos de pterossauros também naquela região do Paraná.
“É possível encontrar ovos de pterossauros naquela região porque encontramos lá muitos fósseis de pterossauros juntos”, disse Kellner em palestra na terça-feira (24/07) durante a 70ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre até o próximo sábado (28/07) na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Em 2014, Kellner e colegas do Centro de Paleontologia (Cenpaleo) da Universidade do Contestado, em Mafra (SC), identificaram em Cruzeiro do Oeste um conjunto de 47 fósseis de uma espécie até então desconhecida de pterossauro. Denominada Caiuajara dobruskii, essa espécie de pterossauro viveu há cerca de 80 milhões de anos na região Sul do Brasil, segundo os pesquisadores.
No fim de 2017, Kellner e colegas chineses encontraram no deserto de Gobi, no noroeste da China, o maior número de ovos de pterossauros no mundo, com 215 unidades. Com estimados 120 milhões de anos, muitos estavam preservados em três dimensões.
As descobertas na China e na Argentina, feita anteriormente, em 2011, corroboram a hipótese de encontrar embriões de pterossauros também em Cruzeiro do Oeste, indicou Kellner.
“Até hoje, só foram encontradas três grandes acumulações de pterossauros de uma mesma espécie no mundo: em Rami, na China, na Argentina e em Cruzeiro do Oeste. Na China e na Argentina já foram encontrados embriões e em Cruzeiro do Oeste ainda não, mas é só uma questão de tempo”, estimou.
A descoberta dos ovos de pterossauros na China permitiu aos pesquisadores compreender melhor a evolução desses animais, que foram os primeiros vertebrados a realizar atividade de voo ativo e que viveram entre 220 milhões e 66 milhões de anos atrás.
Alguns dos achados foram que os ovos eram semelhantes aos de lagartos e os embriões tinham membros posteriores bem desenvolvidos, mas os membros anteriores não. Essas características levaram os pesquisadores a inferir que, ao nascer, os pterossauros eram capazes de caminhar, mas não de voar, e que isso poderia estar relacionado a um certo cuidado parental, até eles se tornarem independentes.
“Só foi possível aprender isso com base nesse material. Até então se imaginava que os pterossauros assim que nasciam já podiam voar”, disse Kellner.
Os pesquisadores também identificaram no conjunto de fósseis encontrados na China uma fêmea de pterossauro com dois ovos no interior de seu corpo. A descoberta indicou que o animal tinha dois ovidutos – canal que serve para conduzir os ovos do ovário a outros órgãos do sistema reprodutor ou diretamente para fora do corpo materno – e não apenas um, como as aves. Os morcegos e as aves foram os únicos grupos de animais que desenvolveram a capacidade de voo ativo.
“Além dos ovos, encontramos na China centenas de ossos de pterossauros que, juntamente com os materiais que descobrimos em Cruzeiro do Oeste, permitirão estudar as variações ontogenéticas [o desenvolvimento desde o embrião] desses animais”, disse Kellner.
O estudo das variações ontogenéticas dos pterossauros permitirá aos paleontologistas entender melhor as mudanças na forma desses animais, que eram extremamente diversificados, ao longo de sua existência.
“Isso é importante porque quando se encontra animais diferentes, com estruturas totalmente distintas, pode ser que sejam da mesma espécie, mas estão em estágios ontogenéticos diferentes. E só podemos concluir isso ao encontrar materiais de uma mesma população, como os que descobrimos na China e em Cruzeiro do Oeste”, disse Kellner.
Embora os fósseis de pterossauros já tenham sido encontrados em praticamente todos os continentes, descobrir materiais bem preservados desses animais é um acontecimento raro. Isso porque há inúmeros processos físicos, químicos e geológicos que atuam na formação de um fóssil e afetam a preservação do material preservado, explicou Kellner.
“É extremamente difícil a preservação de fósseis de pterossauros, por isso eles são muito raros. Já foram descobertos fósseis com abertura alar acima de 5 metros, por exemplo, com uma espessura óssea de 2 milímetros”, exemplificou.
Alguns dos exemplares mais bem preservados de pterossauros foram obtidos em Cambridge Greensand, na Inglaterra, em Solnhofen, na Alemanha, e na bacia do Araripe, na divisa dos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco, onde foi encontrado um dos melhores exemplares de pterossauro.
“Os fósseis encontrados na bacia do Araripe são destacados em nível mundial. Não existe praticamente nenhuma discussão sobre questões gerais de pterossauros que não contemple o material que encontramos lá”, disse Kellner.
O bom estado de conservação dos materiais encontrados na bacia do Araripe não significa, contudo, que o sítio arqueológico esteja protegido. Em uma de suas incursões para estudos de campo na região, o pesquisador descobriu uma base de crânio de um pterossauro que estava sendo usado como peso de papel em um bar na região.
“Não se conhecia a estrutura que encontramos no interior dessa base de crânio de pterossauro, que é muito semelhante à de aves, como a de corujas”, disse Kellner.
*Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp