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Cientistas de Oxford e da Fiocruz mapeiam febre amarela no Brasil

Só entre julho de 2017 e maio de 2018, o Ministério da Saúde confirmou 415 mortes

. (Rovena Rosa/Agência Brasil)

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AFP

Publicado em 27 de agosto de 2018 às 05h55.

Última atualização em 27 de agosto de 2018 às 05h55.

O vírus da febre amarela adormecia nos confins da floresta Amazônica quando, por volta de julho de 2016, saltou para o densamente povoado sul do Brasil, levado por macacos infectados e mosquitos que os picavam.

Com velocidade de cerca de 3,3 km por dia, o vírus foi abrindo caminho e chegou às periferias das cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, aonde não circulava há décadas, e onde mais de 35 milhões de pessoas não estavam imunizadas contra a doença, afirmam cientistas em um artigo publicado na revista Science.

Dois anos depois, segundo o estudo, 676 pessoas morreram na pior epidemia de febre amarela vista no Brasil em um século.

Só entre julho de 2017 e maio de 2018, o Ministério da Saúde confirmou 415 mortes.

A febre amarela pode matar em menos de dez dias, provocando uma devastação no corpo com sintomas como icterícia, dores abdominais, vômitos e sangramento por boca, nariz, olhos e estômago.

Agora, pela primeira vez, o caminho percorrido pelo vírus foi rastreado em detalhes por uma equipe internacional de cientistas da Universidade de Oxford e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e os especialistas afirmam que este novo mapeamento genético e geográfico pode ajudar a combater futuras epidemias.

"Esta é a primeira vez que conseguimos estimar quão rapidamente o vírus se move no espaço e no tempo", explicou à AFP Nuno Faria, professor do departamento de zoologia da Universidade de Oxford, coautor do estudo publicado na revista Science.

O trabalho descarta a hipótese, há muito temida, de que o contágio da febre amarela tenha saltado de pessoa a pessoa - por meio das picadas dos mosquitos Aedes aegypti - em um ambiente urbano.

Ao invés disso, este último surto foi levado às pessoas por mosquitos selvagens, o Haemagogus e o Sabethes, que haviam aparentemente picado macacos infectados na floresta. Estas pessoas foram infectadas principalmente porque estiveram ou viveram perto dos hábitats desdes macacos.

Primeira pista: os pesquisadores reconstruíram a propagação geográfica do vírus e perceberam que os casos de contágio em macacos antecediam em apenas quatro dias os casos em humanos.

Mas o vírus deslocou-se mais rápido que a velocidade normal em primatas, o que sugere que foram as pessoas que transportaram a doença, através do comércio ilegal de macacos ou levado mosquitos infectados em veículos.

Os cientistas também descobriram que 85% dos casos ocorreram em homens com idades entre 35 e 54 anos, mais propensos a se dirigir a locais próximos da selva, pois são eles que desempenham trabalhos de caminhoneiro ou atividades agrícolas, por exemplo. No geral, viviam a menos de 5 km da floresta.

Finalmente, os pesquisadores coletaram e analisaram os genomas dos vírus de macacos e humanos infectados, reforçando suas conclusões sobre a origem da epidemia.

Para os cientistas, este método servirá para analisar e tomar medidas em tempo real em epidemias futuras.

"É um trabalho de ponta", avaliou David Hamer, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Boston ao comentar com a AFP o estudo, do qual não participou.

"Seu enfoque tem um grande potencial, mas requer uma grande quantidade de dados", destacou o professor, acrescentando que os países em desenvolvimento, especialmente da África - outro continente frequentemente afetado pela febre amarela -, não dispõem da infraestrutura exigida para criar um sistema de monitoramento e alerta como o referido na pesquisa.

Vacinação

A melhor ferramenta contra a febre amarela continua sendo a vacina, descoberta em 1938. O governo começou em janeiro deste ano uma grande campanha de imunização, iniciada nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

Segundo o Ministério da Saúde, que destaca a importância da vacinação no combate à doença, o imunizante tem distribuição nacional e entre janeiro e agosto foram enviadas 28,3 milhões de doses a todos os estados brasileiros.

No entanto, houve desabastecimento. Para os pesquisadores, a lição é que, além de erradicar os mosquitos silvestres, deve-se dar prioridade à vacinação das populações em maior risco nas zonas rurais e periurbanas.

No estado de Minas Gerais, epicentro da epidemia no sudeste, 85% dos casos foram registrados em homens e a maior incidência naqueles com idades entre 40 e 49 anos. "Devemos chegar a estas populações e vaciná-las", insistiu Faria.

O fato de o vírus não ter entrado em um "ciclo urbano" e que as áreas do centro de São Paulo e Rio terem se mantido livres não deve motivar um relaxamento, alertou.

"Agora estamos começando a nos dar conta de que muitas das doenças infecciosas mais preocupantes são causadas pelo desmatamento e pela cada vez maior proximidade dos seres humanos com os animais", disse Peter Hotez, decano da Escola de Medicina Tropical da Universidade Baylor College de Houston, que mencionou também o vírus ebola, os coronavírus SARS e MERS na China e Arábia Saudita, respectivamente, e inclusive o vírus Nipah, recentemente detectado na Índia.

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