Ciência

Cientistas da USP descobrem "camarões camaleônicos"

Grupo de crustáceos tem a capacidade de mudar de cor para se camuflar entre algas marrons ou vermelhas e tentar escapar dos predadores

Dois indivíduos, um homogêneo rosa (à esquerda) e outro transparente com bandas de cor longitudinais, sobre a alga vermelha Galaxaura marginata (Rafael Duarte/Agência Fapesp)

Dois indivíduos, um homogêneo rosa (à esquerda) e outro transparente com bandas de cor longitudinais, sobre a alga vermelha Galaxaura marginata (Rafael Duarte/Agência Fapesp)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2017 às 09h57.

Eles são pequenos, medem no máximo 1,5 centímetro de comprimento, existem em números prodigiosos e mudam de cor. São camarões da espécie Hippolyte obliquimanus, que vivem ao longo de todo o litoral brasileiro, sempre associados a bancos de algas.

Na região de São Sebastião (SP), são encontrados aos montes no meio dos sargaços (Sargassum furcatum), algas marrons de até 2 metros, e de Galaxaura marginata, uma alga avermelhada um pouco menor. Tais camarões se dividem em dois tipos morfológicos.

Há os homogêneos com variabilidade de cor (H) e os transparentes com listras, bandas de cores ou bolinhas (T). Os dois pertencem à mesma espécie.

Um grupo de pesquisadores descobriu nesses crustáceos a capacidade de mudar de cor para se camuflar entre algas marrons ou vermelhas e tentar escapar dos predadores.

A tática de camuflagem, que lembra a dos camaleões, rendeu o apelido de carnival shrimp (camarão carnavalesco), dado pelos autores da descoberta.

O trabalho foi feito pelo doutorando Rafael Campos Duarte, por seu orientador, o professor Augusto Alberto Valero Flores, ambos ligados ao Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da Universidade de São Paulo (USP), e por Martin Stevens, da Universidade de Exeter, no Reino Unido. O estudo teve apoio da FAPESP e os resultados foram publicados na BMC Evolutionary Biology.

Durante a coleta de animais no litoral, chamou a atenção dos pesquisadores o fato de, entre os H. obliquimanus capturados nos bancos de sargaços, haver muitos exemplares marrons, mas também verdes, amarelos, rosas, vermelhos e pretos. Já no banco de galaxauras os camarões eram preponderantemente vermelhos.

Em laboratório, foram realizados experimentos para averiguar a capacidade e o tempo de mimetização dos animais, examinados em aquários com sargaços e galaxauras, tanto verdadeiros como de plástico.

Os resultados foram surpreendentes. Os cientistas verificaram que os animais do morfótipo H (coloridos) mudavam de cor rapidamente, em questão de minutos, para se camuflar entre os sargaços ou as galaxauras. Mas isso só foi observado nos tanques com algas vivas.

“Nenhum exemplar mudou de cor na presença de algas artificiais. Isso indica que existe algo que as algas liberam na água e que afeta os camarões, fazendo-os mudar de cor”, disse Duarte.

Entre os sargaços, a mimetização não ocorreu por igual. Embora a maioria dos camarões exibisse tonalidades de marrom, havia entre eles indivíduos de outras cores. No caso da galaxaura, a mimetização se mostrou mais eficiente, com todos os animais avermelhados ou em gradações de rosa.

“Tal eficiência pode ser porque os bancos de galaxauras têm uma distribuição marginal nas águas de São Sebastião. Há menos bancos de galaxauras e, neles, os camarões são encontrados em menor número”, disse Duarte.

Quanto menos animais no banco de algas, maior a necessidade de os indivíduos terem camuflagem mais eficiente para evitar serem capturados por peixes.

Os bancos de sargaços predominam no ambiente, onde a “densidade de camarões é imensa. Ao passar o puçá entre as algas, recolhemos centenas de indivíduos. No verão, quando os bancos de algas crescem, existem em média 150 camarões por quilo de alga”, disse Duarte.

Uma densidade tão elevada de animais vivendo entre os sargaços significa menores chances individuais de predação. “Logo, a mimetização não precisa ser tão eficiente como a dos camarões que vivem entre as galaxauras”, disse.

Colorações diárias

“Mudanças de cor, como as enfatizadas nesse estudo, dizem respeito à camuflagem, na qual os camarões tendem a ficar da cor do substrato onde vivem”, disse Flores.

A mudança de habitat influi na cor dos animais. Os camarões marrons entre o sargaço ficaram vermelhos nas galaxauras e vice-versa. “No Reino Unido, existe um camarão da mesma família que é verde, porque as algas que predominam por lá são verdes”, disse.

Outro dado observado é que as colorações, quaisquer que sejam, só são exibidas durante o dia. À medida que escurece, os crustáceos se desbotam até ficar transparentes, translúcidos ou azulados.

“A cor desses camarões é dada por pigmentos que ficam em células de cor chamadas cromatóforos. A coloração do indivíduo altera de acordo com a disposição dos cromatófaros”, explicou Duarte.

“Nossos resultados sugerem que exemplares do morfótipo T apresentam maior mobilidade e não dependem da camuflagem por semelhança ao entorno”, disse Flores, vice-diretor do Cebimar.

“Uma vez que os camarões T são encontrados em igual densidade tanto em sargaço [sazonal, com maior ocorrência no verão] como na alga vermelha Galaxaura [sem sazonalidade)], estimamos que a fração da população T em galaxaura seja responsável pela estabilidade temporal da espécie, além de ser a fração mais ‘móvel’, que pode fazer a conexão entre diferentes povoamentos de algas”, disse.

Segundo o pesquisador, há muitas outras espécies com estratégias de camuflagem no litoral brasileiro. “Mudanças de cor rápidas [alguns dias] são esperadas para espécies de crustáceos com exoesqueleto fino, no qual uma quantidade relativamente pequena de pigmentos pode surtir efeito”, disse.

Além de pequenos camarões, como os hipolitídeos, os pesquisadores esperaram encontrar essas mudanças rápidas de cor em outros grupos de crustáceos, como anfípodes e tanaidáceos.

O artigo Shape, colour plasticity, and habitat use indicate morph-specific camouflage strategies in a marine shrimp (doi: 10.1186/s12862-016-0796-8), de Rafael C. Duarte, Martin Stevens e Augusto A.V. Flores, publicado na BMC Evolutionary Biology, pode ser lido neste link.

Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.

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