Ciência

Cientistas conseguem “ler a mente” do Demônio de Maxwell

O experimento mental do século 19 foi revisitado recentemente. A mente maléfica do serzinho encapetado agora pode ser mapeada, graças à mecânica quântica

Demônio de Maxwell (Superinteressante/Reprodução)

Demônio de Maxwell (Superinteressante/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2017 às 15h21.

Uma caixa totalmente preenchida por um gás em equilíbrio térmico está dividida em duas partes, A e B. No meio da divisória há uma portinhola, controlada por um demônio.

O serzinho encapetado tem massa desprezível e é capaz de enxergar cada molécula individualmente, deixando passar ou barrando cada uma de acordo com sua vontade.

Conforme você pode ver na imagem acima, ele é bem seletivo e tem mania de organização: só permite que as partículas rápidas (vermelhas) ocupem o lado A, concentrando as mais lentas (azuis) do lado B.

O experimento mental acima foi proposto no século 19 por James Clerk Maxwell, físico escocês que é considerado o pai do eletromagnetismo.

Entendido como um paradoxo, ele ficou sem explicação por quase um século.

Isso porque se pudesse ser recriado de verdade, o demônio de Maxwell colocaria em xeque a 2ª lei da termodinâmica: “a entropia de um sistema tende a aumentar até atingir um valor máximo”.

Como entropia, você pode entender o grau de desorganização das moléculas. Quando estão em um recipiente, essas moléculas tendem a ocupar todo o espaço – um aquário vazio, por exemplo, está totalmente preenchido por ar.

Embora para a gente pareça tudo uma coisa só (gás), a forma como as moléculas tomam conta desse espaço varia.

Há as mais lentas e as mais rápidas, as que estão mais na parte de cima e as que estão mais perto da base, por exemplo.

Como elas estão em equilíbrio térmico na caixa, ou seja, as trocas de calor dentro do recipiente terminaram, as moléculas estão desorganizadas como nunca.

Você sabe que o calor só flui espontaneamente de um corpo mais quente para um mais frio.

Claro, uma pedra de gelo nunca vai ser usada para aquecer qualquer coisa – nem uma fogueira vai te refrescar em um dia de calor.

A entropia da caixa, dessa forma, só poderia aumentar ou permanecer constante, nunca diminuir.

Se uma molécula perdesse calor, outra iria ganhar, o que equilibraria a conta, mantendo a entropia pelo menos constante.

Aí que entra em cena o bichinho proposto por Maxwell. Fazendo valer seu título de demônio, ele é capaz de desequilibrar o sistema – algo que, em teoria, não poderia acontecer depois de conseguido o equilíbrio térmico.

Quando agrupa as moléculas mais rápidas de um lado e as mais lentas de outro, o demônio aumenta a temperatura na caixa da direita, diminuindo a da outra parte. É como se ele fizesse um freezer e um forno, um do lado do outro.

Ao trocar uma partícula mais rápida de lugar, ele faz o calor fluir do lado direito (lado do freezer) para o esquerdo (do forno) – o que torna a entropia da caixa B ser menor que na caixa A.

Diversos cientistas tentaram interpretar o experimento, sempre pensando em uma forma de garantir que a 2ª lei permanecesse válida, não importando a inteligência e malandragem do demônio.

Em 1929, Leó Szilárd argumentou que o demônio precisaria medir de alguma forma a energia de cada partícula.

Essa medição, por sua vez, é um processo que gastaria energia.

A entropia de todo o sistema, assim, seria a somatória da entropia de cada partícula com aquela usada para o demônio coletar as informações.

Pelo fato da entropia final ser maior que a entropia inicial, a 2ª lei se manteria válida.

Mas outro físico, Roff Landauer, notou em 1960 que nem toda aquisição de informação precisa aumentar a entropia do sistema.

A informação adquirida por um demônio pode ser reversível (sem causar aumento na entropia).

O demônio, assim, teria que limpar sua memória a cada vez que quisesse uma nova informação sobre as partículas da caixa de gás – isso reequilibraria a entropia, resolvendo o paradoxo proposto por Maxwell.

A teoria de Landauer foi reforçada por Charles Bennet, em 1982. O cientista mostrou que, por mais crânio que seja, o demoninho vai ficar sem espaço no HD em algum momento, o que o fará apagar informações que já não servem mais.

Quando conclui o transporte da partícula, ele precisa deixar de lado a informação que ele captou, esquecendo do passado para focar na próxima.

Dito tudo isso, a pesquisa

Embora estudos anteriores já tivessem conseguido recriar diferentes Demônios de Maxwell em laboratório, faltava uma parte importante.

Cada molécula do rebanho infernal possui propriedades específicas, como temperatura e velocidade. Essas informações eram, até então, dados sigilosos, presentes apenas na cabeça do bicho.

O que os pesquisadores finalmente conseguiram fazer foi rastrear essas informações – registrando cada pensamento do dono da porteira. Isso foi possível em estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), que conseguiu arranjar uma forma própria de trazer o demônio à vida.

Esse versão tecnológica não só conseguiu quantificar o total de energia absorvida como também mapeou a forma como isso fica guardado na memória do cramunhãozinho – permitindo aos cientistas entrar na cabeça e ler sua mente.

No experimento, à luz da mecânica quântica, essas dificuldades foram contornadas. Conseguir analisar e apagar voluntariamente a memória do demônio “significa reduzir a quantidade de energia que ele captou do sistema à zero, resolvendo o paradoxo”, explica Janet Anders, uma das autoras do estudo, que tem, inclusive, participação brasileira.

A equipe de Anders densenvolveu um demônio de Maxwell quântico com condutores superpotentes, que absorvem a informação de cada molécula e transferem para um bit quântico (célula de informação).

Assim, consegue-se ler a mente do demônio, revelando a informação que estava escondida em sua memória.

Saber a velocidade, temperatura e posição de cada uma das partículas, (além da entropia usada pela mente do capetinha para fazer o trabalho) é assim, é uma tarefa possível.

A técnica empregado na pesquisa, chamada de tomografia quântica, permitiu aos cientistas replicar o experimento por várias vezes e registrar o conteúdo da memória demoníaca.

Para transformar essas informações em trabalho (e não atrapalhar a entropia do sistema) a versão proposta no estudo converte pulsos de microondas em energia.

No experimento, o sistema é formado por um pequeno circuito feito de um metal supercondutor, que permite que a corrente elétrica circule sem resistência.

Ele é preparado para funcionar em dois estados diferentes, o de alta e baixa energia.

Alterando esses dois estados, o demônio pode fazer liberar um fóton, partícula de luz que dá a energia necessária para fazer a conta fechar.

“O fato do sistema se comportar sob uma lógica da mecânica quântica significa que a partícula pode possuir alta e baixa energia ao mesmo tempo. Nenhuma dessas duas escolhas era considerada por Maxwell”, completa Anders.

Estima-se que o estudo possa ajudar no entendimento e operação de máquinas quânticas mais complexas no futuro.

Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante.

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