Depressão: exposição ao estresse é um fator-chave no desencadeamento de processos depressivo (Jonathan Knowles/Getty Images)
Tamires Vitorio
Publicado em 21 de dezembro de 2020 às 18h55.
Há grandes desafios no tratamento da depressão. Entre eles, há o fato de que quase 50% dos pacientes não respondem bem às drogas disponíveis e o tempo que as medicações convencionais demoram para começar a fazer efeito.
Um grupo ligado à Universidade de São Paulo (USP) resolveu abordar o segundo problema, apontando um caminho para tratamentos que tivessem resultado mais rápido sobre a depressão, já que os efeitos das drogas convencionais levam de três a cinco semanas para serem observados.
Os pesquisadores usaram moduladores epigenéticos – no caso, drogas que integram um sistema complexo que controla a ativação e o desligamento dos genes – para tentar “apagar” as consequências do estresse e as marcas epigenéticas por ele induzidas.
A exposição ao estresse é um fator-chave no desencadeamento de processos depressivos. Altera determinados marcadores epigenéticos no cérebro e provoca alterações em genes relacionados à neuroplasticidade (capacidade do cérebro de se modificar em relação às experiências).
E isso ocorre porque o estresse aumenta a metilação de DNA nesses genes (adição de radicais metila à molécula). A metilação é um mecanismo, em geral, repressor: faz a cromatina existente no núcleo celular ficar condensada, impede os fatores de transcrição de ler a informação e o gene não é transcrito. A maioria dos antidepressivos existentes no mercado atua reduzindo esse processo de metilação do DNA.
A equipe da professora Sâmia Regiane Lourenço Joca, ligada ao Departamento de Ciências Biomoleculares da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), e à Universidade de Aarhus, na Dinamarca, resolveu investigar com mais acurácia uma das proteínas do sistema nervoso chamada BDNF (brain-derived neurotrophic fator), uma neurotrofina com efeito já bem documentado na regulação da plasticidade dos neurônios. “O estresse diminui a expressão de BDNF e, conforme já demonstrado na literatura, se a sinalização por BDNF é bloqueada, o efeito do antidepressivo não acontece. Por isso, fomos direto ao ponto”, explica Joca.
O grupo trabalhou com a seguinte hipótese: o estresse aumentaria a metilação do gene para BDNF, o que diminuiria sua expressão, e essa redução estaria relacionada ao comportamento depressivo. “Então, pensamos: se administrassemos um modulador genético que inibe a metilação do DNA, esse processo não aconteceria, os níveis de BDNF ficariam normais e haveria efeito antidepressivo. Se o efeito antidepressivo está relacionado à normalização desse perfil de metilação – assim, as drogas convencionais demoram para funcionar porque leva tempo para eliminar as alterações provocadas pelo estresse –, imaginamos que, ao fazer uma modulação direta desses mecanismos epigenéticos, o efeito apareceria rapidamente. E foi exatamente isso o que observamos.”
Os resultados estão no artigo “Modulation of DNA Methylation and Gene Expression in Rodent Cortical Neuroplasticity Pathways Exerts Rapid Antidepressant - Like Effects”, publicado na revista Molecular Neurobiology em outubro último.
Apoiado pela FAPESP, o estudo coordenado por Joca tem a bolsista Amanda Juliana Sales como primeira autora. Outros dois orientandos de Joca, Izaque S. Maciel e Angélica C. D. R. Suavinha, são coautores do artigo.
“Testamos duas drogas, uma delas usada para tratamento do câncer (gliomas) e outra totalmente experimental. Importante ressaltar que não são drogas com as quais se possa tratar a depressão, porque, se elas diminuem a metilação de DNA de forma irrestrita, irão aumentar a expressão de vários genes, não só do gene de nosso interesse. Portanto, existirão efeitos adversos. Não se trata aqui de abrir perspectivas de novos antidepressivos, mas o resultado do estudo aponta um caminho interessante para novas abordagens de tratamento”, esclarece Joca.
Para testar a hipótese de um efeito mais rápido dos moduladores epigenéticos, foi necessário usar (e validar) um modelo em que as distinções entre tratamento crônico e agudo ficassem bem evidentes. Assim, os cientistas inicialmente validaram, com estudos em ratos, o modelo de depressão induzida por estresse e tratamento com drogas convencionais, conhecido como modelo de “desamparo aprendido”.
Os animais são expostos a um estresse inescapável e, sete dias depois, são colocados novamente nessa situação, mas desta vez há uma maneira de escapar ou evitar o estresse (movendo-se para o lado oposto da caixa em que se encontram). Os resultados dos testes comportamentais mostraram maior número de falhas no aprendizado dessa informação nos animais estressados, quando comparado aos não estressados, conforme esperado. Esse comportamento foi atenuado pelo tratamento crônico com antidepressivos convencionais e pelo tratamento agudo com moduladores epigenéticos.
“É a esse comportamento que chamamos de desamparo aprendido. Algo semelhante acontece no estado depressivo em humanos: a sensação de que não há nada que a pessoa possa fazer para melhorar determinada situação. É um modelo validado. Quando são tratados continuamente com antidepressivos, os animais voltam ao normal e, em termos de comportamento, assemelham-se a animais não estressados. Mas isso só acontece se eles foram tratados repetidamente, que é o que se observa em humanos em estado depressivo também: a pessoa tem de tomar o remédio continuamente; não há efeito agudo com uma única dose.”
O grupo também usou um teste de nado forçado para estressar os animais e observou seu comportamento 24 horas depois. A redução do estresse do nado forçado também é feita por meio do uso de antidepressivos. Estabelecido que o modelo funcionava, em outra rodada de experimentos os cientistas deram aos animais estressados apenas uma injeção dos moduladores epigenéticos. E eles promoveram efeito antidepressivo.
Como moduladores, a equipe testou dois fármacos diferentes (5-AzaD e RG108) que têm o mesmo mecanismo: inibem a enzima responsável pela metilação de DNA. “Os dois fármacos não são quimicamente relacionados. Queríamos evitar a possibilidade de que um mecanismo inespecífico de uma das drogas fosse responsável pelo efeito. Trabalhamos com drogas completamente diferentes e obtivemos o mesmo resultado. Fizemos a medição em dois momentos: em um dos grupos, logo depois do estresse inescapável; e, no outro, antes do teste do desamparo. Vimos efeito antidepressivo rápido nas duas circunstâncias”, resume Joca.
O grupo, então, escolheu uma das drogas, a 5-AzaD, para realizar uma análise molecular. Trata-se de um processo que fornece um perfil de metilação do gene de interesse para a pesquisa. “Vimos que o estresse realmente aumentou a metilação do gene que codifica a BDNF e a TrkB, outra proteína do sistema nervoso, e isso foi discretamente atenuado pelos nossos tratamentos.”
Como o resultado molecular foi bastante sutil, os cientistas montaram uma nova contraprova. “Em outro modelo, reproduzimos os mesmos resultados do nado forçado e injetamos a droga sistemicamente, mas também demos um inibidor de sinalização de BDNF no córtex, e vimos que o efeito antidepressivo não ocorria”.
O artigo publicado pelos pesquisadores é a continuação de um trabalho que já vem sendo feito por sua equipe há anos. “Em 2010 publicamos um artigo mostrando que essas drogas tinham efeito antidepressivo; um pouco depois, publicamos outro artigo mostrando que o antidepressivo regula a metilação de DNA. E, agora, o interessante neste trabalho é que mostramos que, com uma intervenção aguda, temos esse efeito antidepressivo. É a primeira vez que se demonstra que moduladores epigenéticos têm efeito antidepressivo rápido.”
Amanda Juliana Sales segue nos estudos de pós-doutorado com bolsa da FAPESP, associada ao grupo do professor Francisco Silveira Guimarães, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).