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Ciência tenta explicar por que nem todos os quadros de covid-19 são graves

Tempestade de citocina, riscos na saúde e gênero: o que pode indicar a gravidade de um caso do novo coronavírus?

Coronavírus: doença já deixou mais de 788 mil mortos (Mashot/Getty Images)

Coronavírus: doença já deixou mais de 788 mil mortos (Mashot/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 20 de agosto de 2020 às 13h27.

Última atualização em 26 de agosto de 2020 às 09h28.

Nem todos os casos de infecção pelo novo coronavírus são graves. Enquanto algumas pessoas são internadas em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), outras podem nem sequer apresentar sintomas da doença. Embora os cientistas não tenham uma resposta exata para o motivo por trás dessas diferenças, alguns fatores podem ser essenciais.

Entre as principais dúvidas que os pesquisadores tentam resolver, mais de seis meses depois do ínicio da pandemia que já deixou mais de 788.000 mortos, estão: será que o tipo sanguíneo tem efeito na gravidade da doença? Dá para pegar covid-19 duas vezes? As respostas ainda são incertas. Mas alguns estudos ajudam a entender melhor como o SARS-CoV-2 difere ou é igual às outras variações da família do coronavírus.

A tempestade de citocina

Pesquisas apontam que, em algumas pessoas, o coronavírus faz com que o sistema imunológico entre em colapso logo no começo dos sintomas e causa uma hiper-reação chamada de tempestade de citocina, capaz de prejudicar severamente os pulmões e levar a problemas respiratório sérios e até à morte.

Essa reação exagerada pode acontecer em qualquer idade, mas é menos comum em crianças e adolescentes e acontece quando o corpo humano continua a batalhar contra o vírus mesmo quando ele deixa de ser uma ameaça, liberando essas citocinas até que o corpo chega a um nível exaustivo. No fim, é ela que causa a morte em vez do vírus, atacando diversos órgãos, como os pulmões (muitas vezes severamente afetados pela covid-19) e os rins.

É comum, então, que a tempestade de citocina cause a sindrome de angústia respiratória (Sara) — que pode levar os infectados pelo novo vírus à morte.

Se as citocinas não forem reproduzidas de forma exagerada pelo sistema imunológico, ela pode servir como uma grande aliada ao combate da doença. Depois de reduzidas, darão lugar aos linfócitos T — células reativas que ajudam o organismo na defesa de infecções. Em casos graves essa redução se torna mais complicada e o corpo continua a produzir citocinas, mesmo quando não precisa mais.

Um estudo feito pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e publicado na respeitada revista científica Nature explica que "uma elevação dos níveis de citocina logo no começo dos sintomas está associada diretamente a maiores problemas da doença."

A orientação dos pesquisadores é para que se preste atenção na imunidade dos pacientes logo no início da doença — o que pode ajudar a evitar quadros graves no longo prazo.

O tipo sanguíneo realmente interfere?

Um estudo recente, ainda sem revisão de pares, apontou que pessoas com o tipo sanguíneo A correm 50% mais rico de desenvolver quadros graves da covid-19, sendo as mais prováveis de usarem respiradores quando internadas.

Outra pesquisa preliminar feita pelo site 23andMe, especializado em biotecnologia e ancestralidade genética, apontou que pessoas com o tipo sanguíneo O (positivo e negativo) têm entre 9% e 18% menos riscos de fazer um teste que dê positivo para a doença.

Apesar disso, ainda não existe nenhuma confirmação de que o tipo sanguíneo é, de fato, uma complicação em casos de covid-19.

Por que alguns casos são assintomáticos?

Existem casos da covid-19 que são assintomáticos, ou seja, embora infectados, os indivíduos não apresentam nenhum sintoma da doença. Mesmo assim essas pessoas são tão ou mais contagiosas do que aquelas que têm sintomas leves, moderados ou graves da doença.

Uma das suposições dos cientistas para esses quadros está nos morcegos. Os animais, apontados como fonte da doença na China, são capazes de carregar o coronavírus por anos sem serem infectados ou infectarem outras espécies. É quando sofrem uma mudança de habitat ou estresse (como a venda em mercados vivos) que são capazes de passar doenças para outros hospedeiros que enfim chegam na espécie humana. Algumas pessoas podem ter semelhanças imunes às dos morcegos, mas nada é concreto.

Um estudo chinês publicado também na revista Nature mostra que assintomáticos têm respostas imunes menos intensas do que aqueles que apresentam sintomas — o que explica a condição mais leve.

Por que homens são mais vulneráveis à covid-19?

Um estudo publicado na revista científica Science Mag feito com 35 pessoas infectadas pelo vírus aponta que a maioria dos quadros severos foi observada em homens, que ficaram internados por nove dias.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, especialistas ainda não sabem ao certo qual é o motivo de a mortalidade ser mais alta para homens do que para mulheres. A hipótese é uma combinação de três fatores: hábitos, higiene e hormônios.

Os fatores de risco

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) o grupo de risco para a covid-19 é composto de pessoas com mais de 60 anos, com condições prévias de saúde (como diabetes, problemas do coração ou respiratórios).

Um estudo feito por pesquisadores chineses e americanos feito em abril deste ano mostrou que dos 85 voluntários estudados, 72,9% eram homens e tinham idade média de 65,8 anos — o que vai ao encontro do grupo de risco apontado pela OMS.

Uma explicação para que esse seja o grupo de risco é que, quanto mais velhos, mais enzimas conversoras da angiotensina 2 (ECA2) são produzidas — adultos, por exemplo, produzem mais enzimas do tipo, que podem facilitar a entrada do coronavírus no corpo humano.

Isso não significa, no entanto, que pessoas jovens não podem desenvolver quadros severos da doença. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde no final de março, a maioria das internações de pacientes com a covid-19 ocorreu com pessoas com idades entre 30 e 80 anos.

Dá para pegar o novo coronavírus duas vezes?

Como o vírus é relativamente novo, ainda não se sabe ao certo se uma pessoa já recuperada pode ou não contraí-lo novamente.

O que se sabe é que em outros casos de doenças respiratórias causadas por um coronavírus (como o SARS e a MERS) uma imunidade de cerca de dois anos foi criada. Em outras variações do vírus (como a OC43 e a HKU1), as pessoas ficaram imunes por um determinado período de tempo.

No começo deste mês, a Universidade de São Paulo (USP) apontou o primeiro caso de reinfecção por covid-19 no Brasil, quando uma técnica de enfermagem de 24 anos teve dois testes positivos para a doença em um intervalo de 50 dias. As reinfecções são raras e não se sabe ao certo quantos casos do tipo existem no mundo.

Em todos os casos, no entanto, a imunidade só dura até que surja uma nova cepa do vírus, uma vez que a mutação é inerente a ele. É o que nos faz pegar gripe mais de uma vez, por exemplo.

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