(Sergio MARANHAO / AFP/AFP)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de julho de 2022 às 14h18.
Última atualização em 8 de julho de 2022 às 15h27.
Em menos de 24 horas, entre os dias 27 e 28 de maio, regiões de Pernambuco receberam 70% de todo o volume de chuva esperado para o mês de maio. Mais de 25 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas e 133 morreram nos deslizamentos e inundações que afetaram, principalmente, a região metropolitana do Recife. Eventos extremos assim levantam a questão: qual a influência das mudanças climáticas nessas catástrofes?
Pesquisa da World Weather Attribution calcula que, para esse caso específico, o aquecimento global tornou o evento 20% mais provável de acontecer do que ele seria em um mundo que não elevou sua temperatura média global em 1,2 ºC em relação aos níveis pré-industriais. A entidade é formada pela colaboração entre cientistas climáticos do Reino Unido, Holanda, Suíça, Índia e Estados Unidos, de instituições como o Imperial College London e Universidade Princeton. Esse estudo contou com a colaboração de pesquisadores brasileiros de instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Universidade Federal de Pernambuco.
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O início da Revolução Industrial é tomado como referência pelos cientistas porque, com as mudanças nos métodos de produção e o crescimento da quantidade de fábricas, os patamares de poluição atmosférica assumiram outro patamar. Desde a segunda metade do século 19, a aceleração do aumento das temperaturas assumiu níveis nunca registrados antes nas medições desenvolvidas pela ciência.
Lincoln Muniz Alves, cientista do Inpe e um dos participantes da pesquisa, explica que o acréscimo de 20% na probabilidade de ocorrência do evento (que atingiu não só cidades pernambucanas, mas também os Estados de Alagoas, Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte) é obtido a partir de projeções estatísticas climáticas para dois cenários. “Essas projeções são feitas levando em conta as condições climáticas pré-industriais e também considerando os efeitos dos gases de efeito estufa”, afirma.
As chuvas extremas na região começaram em 23 de maio e continuaram até junho. Os pesquisadores avaliaram o papel das mudanças climáticas na precipitação média de sete e 15 dias. Cada um dos volumes para esses dois períodos tem probabilidade de ocorrer de um em 500 e um em mil. O estudo mostra que eventos extremos já ocorriam antes do aquecimento global. O que deve acontecer, dizem pesquisadores, é aumento da intensidade e da frequência de ocorrências do tipo.
Com base nas observações realizadas pela rede de estações meteorológicas na região, ainda não é possível quantificar quanto do aumento de intensidade do evento é por causa dos efeitos das mudanças climáticas. No entanto, os pesquisadores apontam que houve aumento dessa variável. Alguns locais do Recife chegaram a registrar 236 milímetros de chuva em 24 horas. O volume de um milímetro de chuva significa que em um espaço de um metro quadrado, um litro de água despejada subiria até a marca de 1 milímetro.
“Os resultados da pesquisa são consistentes com as projeções futuras de chuvas fortes na região e sugerem que essas tendências continuarão a aumentar enquanto as concentrações de gases de efeito estufa continuarem a aumentar”, diz o estudo. A alteração do regime de chuvas é apontada também pelo IPCC, o painel de cientistas climáticos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Neste ano, antes das chuvas de maio no Nordeste, os Estados da Bahia, Minas, Goiás, Rio e Espírito Santo já haviam sentido os efeitos das precipitações muito acima do esperado. Enquanto isso municípios paulistas, como Sorocaba, enfrentaram racionamento de água em meio à pior crise hídrica em 90 anos. No Sul do País, houve recorde de calor e seca. Os efeitos do fenômeno climático La Niña são conhecidos, mas assusta a intensidade de como ocorrem em 2022.
De acordo com a pesquisa, as avaliações iniciais mostram que as enchentes e, principalmente, os deslizamentos de terra afetaram desproporcionalmente as comunidades vulneráveis, com devastação particular em bairros de baixa renda . Assim, a magnitude desse desastre sobre esses grupos foi exacerbada pela vulnerabilidade estrutural pré-existente na região. Mais de 32 mil famílias moram em áreas de risco de deslizamentos somente no Recife.
O estudo afirma que não é claro o efeito das previsões e alertas de chuva. Em contrapartida, os resultados da maior exposição a fatores de risco ficam evidentes. “A natureza extrema das inundações fez com que a exposição fosse o principal determinante do impacto, embora os impactos e a recuperação de longo prazo sejam provavelmente mediados por fatores socioeconômicos, demográficos e de governança”, diz a pesquisa. “Um aumento na urbanização, especialmente não planejada e informal em áreas baixas propensas a inundações e encostas íngremes, aumentou a exposição da comunidade a esses perigos.”
Segundo Edvânia Pereira dos Santos, da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), os alertas dados pelo Estado ajudaram a prevenir uma tragédia ainda maior. Ela afirma que a ação via redes sociais mostrou efetividade. “A informação está chegando às pessoas. Ainda há dificuldade em compreender a informação, mas muita gente foi salva por essa informação”, afirma.
Estudo prévio da World Weather Attribution analisou os efeitos das mudanças climáticas na onda de calor que atingiu a Índia e o Paquistão. De acordo com os pesquisadores, a ação humana tornou a onda de calor devastadora nesses dois países um evento 30 vezes mais provável de acontecer do que antes do aumento da temperatura média global.
Março foi o mais quente para os indianos desde que os registros começaram há 122 anos. No Paquistão, os termômetros registraram a maior anomalia de temperatura em todo o mundo durante o mês. O mesmo período foi extremamente seco, com chuvas 62% abaixo do normal no Paquistão e 71% abaixo do normal na Índia, tornando as condições favoráveis para o aquecimento da superfície terrestre. A onda de calor continuou durante abril e atingiu seu pico no final do mês. Em 29 de abril, 70% da Índia foi afetada pela onda de calor.