Ciência

Canabidiol diminui agressividade, diz estudo da USP

Trabalho foi feito em camundongos por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP

Canabidiol: pesquisa com camundongos, feita na USP em Ribeirão Preto, mostra que substância reduz comportamento agressivo induzido pelo isolamento social (Cyano66/Getty Images)

Canabidiol: pesquisa com camundongos, feita na USP em Ribeirão Preto, mostra que substância reduz comportamento agressivo induzido pelo isolamento social (Cyano66/Getty Images)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 22 de julho de 2019 às 09h09.

Última atualização em 22 de julho de 2019 às 09h11.

São Paulo — Um novo estudo concluiu que o canabidiol contribui para diminuir a agressividade induzida pelo isolamento social.

O trabalho foi feito em camundongos por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Resultados foram publicados na revista Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry.

“Nosso estudo demonstra que o canabidiol tem efeito na redução da agressividade e que a substância realiza o papel de inibidor da agressividade devido ao fato de facilitar a ativação de dois receptores: o receptor 5-HT1A, responsável pelos efeitos do neurotransmissor serotonina, e o receptor CB1, responsável pelos efeitos de endocanabinoides”, disse Francisco Silveira Guimarães, professor titular da FMRP-USP e líder do estudo.

Apesar de extraído da maconha, Guimarães ressalta que o canabidiol não produz dependência nem efeitos psicotomiméticos.

Na maconha, a substância responsável por isso é o tetraidrocanabinol (THC), enquanto que com o canabidiol ocorre o oposto: ele exerce ação bloqueadora sobre alguns efeitos do THC.

“Nos últimos 20 anos, o canabidiol tem sido estudado em diversos contextos, porém são poucos os estudos que investigaram seus efeitos em comportamentos agressivos”, disse Guimarães.

O novo estudo também contou com cientistas do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Neurociência Aplicada da USP e foi feito no âmbito do Projeto Temático “Novas perspectivas no emprego de fármacos que modificam neurotransmissores atípicos no tratamento de transtornos neuropsiquiátricos”, com apoio da FAPESP – a pesquisa também tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Guimarães conta que a agressão induzida pelo isolamento é um modelo comportamental clássico usado em experimentos. “A agressão induzida pelo isolamento pode ser atenuada por meio da administração de drogas ansiolíticas, antidepressivas ou antipsicóticas. Como alguns resultados pré-clínicos e clínicos indicam que o canabidiol possui tais propriedades, decidimos testar seu efeito sobre a agressividade induzida”, disse Guimarães.

“Usamos um modelo chamado de residente-intruso, condição que induz agressividade em animais em decorrência do seu isolamento por vários dias”, disse Guimarães.

Com o objetivo de verificar se o canabidiol exerceria alguma ação capaz de alterar o comportamento agressivo apresentado por roedores no modelo residente-intruso, os pesquisadores injetaram diferentes dosagens de canabidiol em quatro grupos distintos de animais, compostos por seis a oito roedores machos.

Em um quinto grupo, que serviu de controle, os roedores não receberam canabidiol, apresentando o comportamento clássico do modelo residente-intruso.

Os primeiros ataques por parte dos camundongos residentes contra os invasores ocorreram, em média, 2 minutos após um ser colocado em frente a outro. Foram contabilizados entre 20 e 25 ataques enquanto os animais permaneceram reunidos.

Com relação aos animais que receberam canabidiol, no primeiro grupo os camundongos residentes receberam uma dose de 5 miligramas da substância por quilo (cada camundongo macho pesava entre 30 e 40 gramas).

Nesse grupo, o primeiro ataque ocorreu cerca de 4 minutos após a introdução do camundongo invasor na gaiola, ou seja, o dobro do tempo quando comparado ao animal que não recebeu canabidiol. Quanto ao número de ataques, esse caiu pela metade.

Um segundo grupo, no qual os camundongos receberam cerca de 15 miligramas de canabidiol por quilo, a inibição da agressividade foi a mais pronunciada do experimento.

Em média, os primeiros ataques só ocorreram por volta de 11 minutos após a introdução do residente na gaiola. Já o número de ataques também foi o menor verificado, com cerca de cinco ataques, em média, por gaiola.

No terceiro e quarto grupos foram injetadas doses de 30 e de 60 miligramas por quilo, respectivamente, mas tais aumentos na quantidade de canabidiol não se traduziram em maior inibição da agressividade dos animais.

Ao contrário, os primeiros ataques se deram em menos tempo do que nos animais que receberam doses de 15 miligramas por quilo. Da mesma forma, o número de ataques também foi ligeiramente maior.

“Esse resultado da redução do efeito do canabidiol em dosagens maiores já era esperado. Em outros experimentos, como por exemplo para testar o potencial antidepressivo do canabidiol, após um ganho inicial, dosagens maiores levaram a efeitos menores.

Em nosso experimento, caso tivéssemos testado um grupo de camundongos com a dosagem de 120 miligramas por quilo, possivelmente não obteríamos inibição alguma na agressividade dos camundongos residentes”, disse Guimarães.
Bloqueando o efeito

Sabendo que o canabidiol facilita a ativação de um receptor do neurotransmissor serotonina denominado 5-HT1A, os cientistas repetiram o modelo residente-intruso na segunda etapa dos experimentos, só que dessa vez injetando nos camundongos doses variadas de uma substância chamada WAY100635, que atua no organismo como antagonista do receptor 5-HT1A.

O teste procurou verificar se o efeito antiagressivo do canabidiol poderia ser anulado ou reduzido com o uso do WAY100635.

“Foi exatamente o que observamos. Nos camundongos residentes que receberam doses intermediárias de WAY100635 antes do canabidiol, a latência desde o momento em que o animal intruso foi colocado na gaiola até a ocorrência do primeiro ataque se aproximou muito da latência observada nos camundongos do grupo controle – esses não receberam droga e partiram para o ataque dos intrusos aproximadamente 2 minutos após eles serem colocados nas gaiolas”, disse Guimarães.

O mesmo se deu com o número de ataques. Todos os camundongos com dosagens variadas de WAY100635 antes do canabidiol atacaram o camundongo intruso quase tantas vezes quantas fariam caso não tivessem recebido droga alguma.

Dados da literatura cientídica e do próprio laboratório da FMRP-USP sugerem que outro mecanismo do canabidiol seria a inibição do metabolismo de um neurotransmissor produzido no cérebro chamado anandamina. Essa substância endógena (um endocanabinoide) ativa receptores de canabinoide tipo 1 (CB1), que são igualmente ativados pelo composto THC, encontrado na maconha.

Para verificar se este mecanismo também poderia estar envolvido no efeito antiagressivo do canabidiol, foi feito um terceiro experimento repetindo o modelo residente-intruso com a combinação do canabidiol com o AM251, um antagonista de receptores CB1.

O resultado foi semelhante ao do experimento com o antagonista do receptor 5-HT1A, o WAY100635.

“Os efeitos antiagressivos do canabidiol foram atenuados pelo antagonista do receptor 5-HT1A, WAY100635 (na dose de 0,3 miligrama por quilo), e pelo antagonista do receptor CB1, AM251 (1 miligrama por quilo), sugerindo que o CB1 diminui comportamentos agressivos induzidos pelo isolamento social por meio de um mecanismo associado à ativação dos receptores 5-HT1A e CB1”, disse Guimarães.

“Ainda não sabemos de que modo os receptores 5-HT1A e CB1 atuam para atenuar a agressividade nos camundongos, mas os mecanismos de ativação envolvidos nos dois casos parecem ser diferentes”, disse.

O artigo Cannabidiol attenuates aggressive behavior induced by social isolation in mice: Involvement of 5-HT1A and CB1 receptors, de Alice Hartmann, Sabrina Francesca Lisboa, Andreza Buzolin Sonego, Débora Coutinho, Felipe Villela Gomes e Francisco Silveira Guimarães, está publicado aqui.

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