Compras: a Black Friday gera dúvidas sobre a compulsão por compras que são estudadas por áreas da ciência como a psicologia e psiquiatria e a economia comportamental (small smiles/Getty Images)
Beatriz Correia
Publicado em 17 de novembro de 2020 às 18h00.
Última atualização em 25 de novembro de 2020 às 18h20.
Todo mundo já passou em frente a uma loja, viu uma roupa, um acessório ou qualquer outra coisa e quis muito entrar e comprar. Algumas pessoas conseguem passar por esse momento sem comprar o produto, outras, não. Essa atitude não necessariamente é um problema, mas, e se essa compra por impulso acontecer com frequência?
“É comum as pessoas comprarem para preencher algo, seja aliviar alguma angústia, ansiedade, por mérito pessoal ou para se sentir pertencente a um grupo, por exemplo. Comprar passa a ser uma das poucas coisas que elas têm poder de decisão nas suas mãos, e vem a compulsão”, diz Flávia Ávila, economista comportamental e fundadora da InBehavior Lab.
Com as ofertas da Black Friday, o maior evento de incentivo a compras no varejo no Brasil e nos Estados Unidos, o estímulo às compras por impulso aumenta. A data, que é praticamente uma celebração ao consumo, tem um apelo emocional através de promessas de descontos e promoções relâmpago que faz até os mais financeiramente educados se interessarem em comprar -- muitas vezes itens que não são necessários no momento.
Segundo Ávila, um ponto que merece atenção é o prazer que o ser humano sente pelo imediato. “O prazer que este produto/serviço me dá agora é mais importante do que pensar nos danos financeiros futuros que esta compra pode me causar. A aversão às perdas faz com que as pessoas tomem decisões extremadas e irracionais, e que podem até prejudicá-las, para afastar uma perda imediata. Por exemplo, se o indivíduo se depara com um preço promocional, instantaneamente deseja adquirir aquele produto ou serviço com receio que ele altere num outro dia ou porque todos estão aproveitando a oportunidade e o indivíduo não deseja ficar de fora”, explica a economista.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), “Compras Compulsivas” é classificado como um Transtorno do Controle do Impulso. A principal característica do transtorno é a falha em resistir a um impulso, instinto ou desejo de realizar um ato prejudicial ao indivíduo ou outras pessoas, conhecido como “oniomania”, ou mania de comprar.
O manual da OMS aponta alguns critérios para que as compras compulsivas sejam consideradas um problema de saúde mental. São eles:
Os portadores do transtorno geralmente precisam de acompanhamento individual com psicólogo ou psiquiatra; participação em grupos de apoio motivacional; ajuda com a organização das finanças pessoais e das dívidas, além de acompanhamento familiar.
Segundo o psiquiatra Victor Bigelli, todo mecanismo de compulsão desperta no cérebro o sistema de recompensa. A compulsão ou um ato impulsivo são definidos como atos rápidos realizados sem plena consciência. Por exemplo, a compulsão alimentar é comer de maneira descontrolada em um curto período de tempo.
“Na compulsão por compra, a pessoa adquire muita coisa em um curto espaço de tempo, e coisas que provavelmente não vão ter utilidade. É comprar dez sapatos e acabar usando só um, ou compra um de cada cor. A compulsão é uma falta de controle. Às vezes a pessoa tem consciência, mas não resiste ao impulso de comprar”, diz o especialista que é professor do curso Mente em Foco, focado em saúde mental para potencializar o desenvolvimento pessoal e profissional.
“Os novos manuais da psiquiatria colocam a compulsão como um transtorno do controle dos impulsos. Nós chamamos isso de dependência comportamental. Em vez de a pessoa ter uma dependência química -- como é o caso do cigarro, da droga, e do álcool -- ela tem uma dependência de comportamento pela qual não consegue resistir ao impulso de comprar”, afirma o psiquiatra.
A compulsão por compras enquanto transtorno mental pode ser confundida com a falta de educação financeira. Bigelli explica que a diferenciação é feita por dois aspectos principais, a incapacidade de resistir ao impulso e o prejuízo na vida pessoal, profissional ou social.
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“A educação financeira está no campo da consciência, no campo da capacidade de entendimento. Uma pessoa pode ser super educada financeiramente, saber onde investir, saber que tem que poupar 30% da renda, mas ela pode não resistir a um impulso de comprar coisas que não são necessárias”, diz o especialista.
O prejuízo causado pela compulsão não necessariamente é apenas o financeiro, e pode se estender às relações sociais. “Um milionário pode ter uma compulsão por compras, ele pode não ter um prejuízo financeiro, mas talvez na relação conjugal. A pessoa pode ser pós-graduada em economia e saber tudo de finanças, mas se ela não tem a condição de controlar e inibir os impulsos de compra, ela pode ser compulsiva. Esse processo é considerado uma doença quando causa algum prejuízo.”
Segundo Bigelli, a principal questão é que muitas pessoas não percebem que têm o problema de compulsão. “Geralmente quem percebe é quem está do lado delas, pessoas que convivem como o esposo ou esposa, filhos, irmãos. Quem tem compulsão por compras precisa ser alertado e educado sobre o problema porque a decisão de compras dela não é totalmente autônoma é uma questão de controle de impulso”, afirma.
Ávila explica que o autoquestionamento é válido no momento da compra e pode ajudar no controle da compulsividade. “Eu preciso disto? Por quê? Por que desejo comprar? Se possível, no momento que a vontade de comprar vier, faça uma ação, beba água, dê uma volta, escute uma música, enfim, faça outra coisa para diminuir esta vontade de consumir”, sugere a economista.