“Achamos que vamos encontrar espécies novas na Amazônia ou no fundo do mar, mas também estão bem do nosso lado”, disse Pedro Brandão-Dias, biólogo brasileiro que descobriu o inseto N. valhalla na Rice University (Jeff Fitlow/Rice University/Reprodução)
Laura Pancini
Publicado em 10 de fevereiro de 2022 às 07h00.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2022 às 08h51.
Um biólogo brasileiro descobriu uma nova espécie de inseto logo em frente… ao bar da sua universidade. Pedro Brandão-Dias é estudante de doutorado e encontrou o Neuroterus valhalla, um tipo de vespa-da-galha, do lado de fora do pub de estudantes de pós-graduação da Rice University, nos Estados Unidos.
O inseto é o primeiro do seu tipo a ser descrito já com o seu genoma totalmente sequenciado, o que também é uma conquista para o brasileiro e sua equipe da Rice. “Achamos que vamos encontrar espécies novas na Amazônia ou no fundo do mar, mas também estão bem do nosso lado”, disse Brandão em entrevista à EXAME.
Apesar do que parece, o biólogo não estava tomando uma cerveja ao fazer a descoberta em 2018. Na verdade, o inseto foi oficialmente encontrado em laboratório, enquanto o estudante analisava, junto aos colegas, uma amostra de uma galha formada na flor de um carvalho.
“Sequenciamos o genoma e percebemos algo que nunca tínhamos visto”, disse Brandão, que é autor principal do artigo publicado na Systematic Entomology. Examinando mais de perto, eles notaram insetos menores do que o esperado e com pernas de cores mais claras.
O N. valhalla tem apenas um milímetro de comprimento e passa 11 meses do ano trancado em uma cripta. Ele faz parte da família Cynipidae, ou vespas-das-galhas, e estão presentes pelos carvalhos no campus da Rice (mas somente na espécie Quercus virginiana, também conhecida como "carvalho ao vivo do sul").
Seu nome é uma homenagem ao pub, que também se chama Valhalla. “Seria uma oportunidade perdida se eu não fizesse uma homenagem ao bar ou à universidade", explicou o doutorando.
Brandão e outros pesquisadores publicaram o artigo em janeiro de 2022, mesmo a descoberta tendo sido feita em 2018. Vários fatores acabaram adiando a publicação: o primeiro deles é que descrever uma espécie nova, e ter certeza que ela é realmente a primeira identificada, é complicado. “Todo o processo de pegar as amostras já depositadas e compará-las leva um tempo”, disse.
A N. valhalla faz uma alternação entre uma geração assexuada e sexuada, pondo ovos somente duas vezes por ano. Conseguir esses ovos, portanto, foi um desafio por si só: Brandão, com a ajuda da estudante Camila Vinson, encontraram buracos de criptas e mais de uma dúzia de galhas que continham larvas de N. valhalla. Ao final, eles chegaram a coletar 100 indivíduos de uma mesma geração.
A onda de frio extrema no início de 2021, no Texas, também fez com que o florescimento das árvores fosse prejudicado. “Para ele [N. valhalla] botar o ovo nas flores, é preciso combinar exatamente quando a flor está emergindo. Se sair na hora errada, ele perde a chance de reproduzir e morre”, explica Brandão.
Por isso, é provável que o clima tenha afetado o ciclo de vida do inseto – Vinson, inclusive, está recebendo mentoria de Brandão para fazer sua tese de graduação sobre o impacto do frio nas vespas-das-galhas.
Até agora, o biólogo e a equipe por trás do artigo não encontraram um macho da espécie, o que pode significar que não há uma geração sexuada, e somente uma alternação entre duas gerações somente com fêmeas. “Também é possível que tenhamos dado azar e não encontrado nenhum”, disse Brandão.
Caso não existam machos, isso significa que a N. valhalla está condenada. Sem recombinação, as mutações negativas vão se acumulando até a espécie entrar em extinção. Porém, mais pesquisas vão ser feitas pela equipe para entender mais a fundo sobre a espécie, se realmente não existem machos e como as ondas de frio podem ter afetado sua reprodução nos carvalhos da Rice.