Corais: a quantidade de corais dentro das áreas protegidas é até três vezes maior (Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 1 de junho de 2017 às 15h38.
Viti Levu é a maior ilha da República de Fiji, na Oceania. Na costa sudoeste de Viti Levu há uma extensa plataforma de recifes de coral que acompanha o desenho do litoral.
Os corais começam a surgir a poucos metros da praia e se estendem até cerca de um quilômetro em direção do oceano.
Nas últimas décadas, em função do aumento do turismo e do crescimento populacional da ilha (hoje com 600 mil habitantes), diversas áreas da costa de coral foram se deteriorando, a partir da pesca de subsistência ou predatória, da coleta de material dos recifes e da destruição direta dos recifes.
Mas há exceções. Ao longo da costa de corais existem áreas marinhas protegidas, dentro das quais são proibidas qualquer forma de pesca ou coleta.
O resultado é que a quantidade de corais dentro das áreas protegidas é até três vezes maior do que nas porções não protegidas do recife.
Em outras palavras, a existência das áreas protegidas – mesmo que em áreas muito pequenas, como é o caso – é vital para a manutenção da biodiversidade do recife como um todo.
O sucesso da estratégia de conservação só foi possível graças à adesão de comunidades locais. Essas são algumas das conclusões da pesquisa que a bióloga Roberta Martini Bonaldo realizou na costa de corais de Viti Levu.
Bonaldo elegeu os corais de Fiji para seu trabalho de campo em dois programas de pós-doutorado, o primeiro no Departamento de Biologia do Georgia Institute of Technology, nos Estados Unidos, e o segundo no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), este com Bolsa da FAPESP.
No primeiro pós-doutorado, entre 2010 e 2012, ela foi responsável pelo gerenciamento de uma estação de pesquisa na ilha de Votua em Viti Levu. O objetivo foi estudar a composição da vida marinha no interior das áreas marinhas protegidas da costa de corais da ilha, para poder comparar com a situação do habitat nas porções não protegidas. O resultado de seu trabalho acaba de ser publicado na PLOS ONE.
Além do gerenciamento da estação, Bonaldo desenvolveu estudos comparativos da estrutura de comunidades bentônicas e de peixes e de interações ecológicas (competição coral-alga, herbivoria, formação de cardumes) entre áreas marinhas protegidas e não protegidas em Fiji, para analisar os efeitos da pesca e degradação marinha sobre os sistemas estudados.
“Fiji foi escolhida porque a maioria das áreas protegidas locais, senão todas, é gerida por comunidades que vivem em vilas junto às reservas”, disse a atualmente pesquisadora associada ao Grupo de História Natural de Vertebrados da Universidade Estadual de Campinas, à Agência FAPESP.
As áreas marinhas protegidas de Viti Levu foram criadas entre 2002 e 2003. Quando da sua criação, a cobertura de coral era muito baixa (7% da área protegida) e a cobertura de macroalgas era alta (de 35% a 45% da área protegida).
Nas áreas protegidas, a pesca e o uso de qualquer forma de coleta são proibidos. As restrições são observadas pelas populações locais, que também fiscalizam para se certificarem de que outras pessoas, como turistas, não entrem nas áreas proibidas.
“O fato de a população local ser empenhada em preservar o recife é fundamental na estratégia de conservação dos recifes em Viti Levu”, disse Bonaldo.
A bióloga estudou três áreas protegidas que ficam diante de três pequenas comunidades, as vilas de Votua, Vatu-o-lalai e Namada.
Ela se lembra muito bem das impressões que teve durante o primeiro contato com os corais de Viti Levu.
“Só uma pequena parte dos recifes fica dentro dos limites de áreas marinhas protegidas. Quando entrei na água, ainda na área não protegida, fiquei chocada com as más condições do recife. Tinha muito coral morto e o recife estava tomado por algas”, disse a pesquisadora, que tem experiência como mergulhadora, fotógrafa submarina e cinegrafista.
Além da menor quantidade de corais, havia menos peixes dentro das áreas não protegidas. Na ausência de peixes herbívoros, a população de algas explodiu fora de controle.
Os recifes estudados são bastante raros, e algumas porções do recife ficam quase descobertas durante a maré baixa.
“As pessoas andam sobre as poças na maré baixa para pegar peixes e polvos e, conforme pisam sobre os corais, podem quebrar as colônias, principalmente as mais delicadas. Já na maré alta, os recifes ficam a uns dois metros de profundidade da água. É quando é possível nadar sobre o recife”, disse.
Prosseguindo em seu mergulho, Bonaldo cruzou uma linha de boias que delimita a área protegida do recife.
“Na hora em que cruzei as boias, foi como se tivesse saído do caos para entrar no paraíso. Conforme fomos entrando na área protegida, surgiram peixes cada vez maiores. Fiquei surpresa com a grande diversidade de vida submarina e a densidade de corais dentro de uma área tão pequena, de menos de um quilômetro quadrado”, disse.
Bonaldo realizou um censo dos peixes que vivem nos recifes. Dividiu-os em dois grandes grupos, dos peixes herbívoros e dos não herbívoros.
Os peixes herbívoros foram classificados por sua vez em quatro categorias: podadores, pastadores, peixes-papagaios raspadores e peixes-papagaios escavadores.
Os podadores removem macroalgas maduras e os pastores comem a parte superior de comunidades de algas pequenas (com menos de 1 centímetro de comprimento) presas ao recife, deixando as porções da base da alga intactas.
Há ainda os peixes-papagaios raspadores, que se alimentam de comunidades de algas pequenas raspando seus “bicos” no recife, e os peixes-papagaio escavadores, que removem toda a alga e porções do substrato consolidado ao se alimentarem.
Os dados coletados por Bonaldo permitiram chegar às seguintes conclusões: a remoção de algas pelos peixes-papagaio é de três a seis vezes maior nas áreas marinhas protegidas do que nas não protegidas. As análises contaram com a ajuda de outro pesquisador brasileiro, Mathias M. Pires, com pós-doutorado apoiado pela FAPESP.
As áreas marinhas protegidas tinham em média até três vezes (de 260% a 280%) mais cobertura de coral do que as não protegidas.
Nessas últimas, a quantidade de macroalgas era entre quatro e 20 vezes maior do que nas áreas marinhas protegidas.
Mesmo sendo as áreas marinhas protegidas de Fiji muito pequenas, Bonaldo pôde verificar o sucesso da estratégia conservacionista para a preservação da diversidade do recife de corais como um todo.
“Uma questão central para a conservação da biodiversidade – não só biodiversidade marinha – é o quão grande uma reserva deve ser para realmente gerar benefícios”, disse Paulo Roberto Guimarães Junior, professor no Departamento de Ecologia do IB-USP e orientador do pós-doutorado de Bonaldo.
“A questão é relevante, pois fatores sociais, econômicos e logísticos impõem limites para o tamanho da reserva. O que Roberta conseguiu demonstrar foi que há evidência para efeitos positivos em reservas marinhas mesmo quando essas são muito pequenas, como é o caso das áreas marinhas protegidas em Fiji”, disse.
“No Brasil há alguns recifes de corais, sobretudo na região de Abrolhos. Porém, mesmo os recifes de corais brasileiros são bem diferentes dos que estudei em Fiji, cuja base são espécies de corais do gênero Acropora, principalmente colônias muito ramificadas e de crescimento rápido, em alguns casos mais de 10 centímetros por ano”, disse Bonaldo.
No Brasil, não há espécies de Acropora. Os principais corais formadores de recife de corais são do gênero Mussismilia.
Os Mussismilia têm forma massiva, semelhante a rochas, e geralmente seu crescimento é mais lento que os Acropora, porém são mais resistentes às altas taxas de sedimentação e a maior turbidez da água.
Segundo Bonaldo, a costa brasileira é bem menos biodiversa em espécies recifais do que a região de Fiji, mas ambas compartilham famílias de peixes, como Acanthuridae (do peixe-cirurgião e do peixe-unicórnio), Labridae (do bodião) e Serraidae (das garoupas, chernes e meros), entre outras.
“Penso que há potencial para aplicar experiências similares (às pequenas áreas marinhas protegidas de Fiji) não só em ecossistemas marinhos, mas em qualquer tipo de ecossistema. Por exemplo, seria interessante usar sistemas pareados de microrreservas para estudar se essas microrreservas mantêm processos ecossistêmicos na Mata Atlântica ou na Caatinga”, disse Guimarães, também autor do artigo na PLOS One.
“Acrescento que nosso estudo mostra a importância das áreas protegidas, em terra ou em mar, serem, de fato, bem geridas. No caso de Fiji, a participação dos habitantes locais no cuidado das áreas foi fundamental para que as reservas, mesmo que pequenas, dessem bons resultados”, disse Bonaldo.
O artigo Small Marine Protected Areas in Fiji Provide Refuge for Reef Fish Assemblages, Feeding Groups, and Corals (doi:10.1371/journal.pone.0170638), de Roberta M. Bonaldo , Mathias M. Pires, Paulo Roberto Guimarães Junior, Andrew S. Hoey, Mark E. Hay, pode ser lido em: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0170638.
Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Fapesp.