Ciência

Astronomia gravitacional revelada em 2016 inspira Nobel de Física

A comunidade científica não se espantou com o reconhecimento, já que a primeira detecção de ondas gravitacionais foi realizada em 14 de setembro de 2015

A observação confirmou uma previsão feita por Albert Einstein há um século e inaugurou um novo campo de estudos (Hurt/Caltech-JPL/Divulgação)

A observação confirmou uma previsão feita por Albert Einstein há um século e inaugurou um novo campo de estudos (Hurt/Caltech-JPL/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 6 de outubro de 2017 às 10h11.

Última atualização em 6 de outubro de 2017 às 10h13.

O anúncio do prêmio Nobel de Física de 2017 para Kip Thorne e Barry Barish (Estados Unidos) e Rainer Weiss (Alemanha) não surpreendeu a comunidade científica.

Foi o esperado reconhecimento da importância da primeira detecção de ondas gravitacionais, realizada em 14 de setembro de 2015, às 6h51 no horário de Brasília, pelo experimento LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory).

Na ocasião, utilizando os detectores gêmeos do LIGO, com 4 quilômetros de “braço” cada um e distantes 3 mil quilômetros um do outro, os pesquisadores envolvidos no experimento captaram as ondas gravitacionais produzidas pelo espiralamento de dois buracos negros, um ao redor do outro, instantes antes da fusão.

A observação confirmou uma previsão feita por Albert Einstein há um século e inaugurou um novo campo de estudos, constituído pela astronomia gravitacional.

A premiação de Thorne, Weiss e Barish só não ocorreu no ano passado porque as indicações ao Nobel devem ser feitas até 31 de janeiro do ano do prêmio. E o anúncio oficial da detecção foi feito em 11 de fevereiro de 2016, quando o prazo havia sido ultrapassado.

Odylio Denys de Aguiar, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o coordenador da participação do Instituto na LSC, a Colaboração Científica LIGO. Essa participação tem sido apoiada pela FAPESP por meio de várias bolsas e auxílios.

Em entrevista à Agência FAPESP, Aguiar fala dos premiados, do LIGO e das perspectivas da astronomia gravitacional.

FAPESP – O senhor conhece pessoalmente os três premiados. Como foi seu contato com eles?
 
Odylio Denys de Aguiar – Tenho contato com Kip Thorne desde 1982, quando trocamos correspondência acerca das pesquisas na área de ondas gravitacionais. Depois, passamos a nos encontrar pessoalmente. Barry Barish entrou nessa pesquisa nos anos 1990 e fizemos amizade a partir de 2001, quando o convidei a participar de um evento no Brasil. Tive menos contato com Rainer Weiss, mas é claro que nos encontramos nas reuniões da Colaboração Científica LIGO (LSC).

FAPESP – Quando começou a LSC?

Aguiar – A Colaboração foi uma invenção de Barry Barish, em 1997.

FAPESP – Mas Thorne foi o precursor?

Aguiar – Sim. Como físico teórico, Thorne começou a trabalhar com ondas gravitacionais na década de 1960, logo depois de se doutorar. Ele foi aluno de Wheeler [John Archibald Wheeler, 1911-2008]. Junto com Wheeler e Charles Misner, Thorne foi um dos autores do livro Gravitation, de 1973, que se tornou referencial na área. Muitos cientistas ingressaram no campo de estudos das ondas gravitacionais graças a esse livro. Tenho comigo uma carta que me foi enviada por Thorne em 1982, na qual ele cita vários pesquisadores da área que seriam candidatos ao Nobel, se não tivessem falecido: Grishchuk, Zel’dovich e Braginsky, em 2016; Drever e Billing, em 2017.

FAPESP – Além desse trabalho de divulgação junto à comunidade científica, Thorne também se dedicou à divulgação para o público geral, não?

Aguiar – Sim. Além de importantes contribuições teóricas e do trabalho de divulgação do tema da gravitação no meio científico, Thorne foi também um grande divulgador de ciência para o público leigo. Recentemente, ele atuou como consultor científico do filme Interestelar. Sua atividade foi fundamental para que a NSF [National Science Foundation, agência de financiamento à pesquisa dos Estados Unidos] investisse tanto dinheiro no projeto LIGO.

FAPESP – A atuação dele influenciou os outros premiados?

Aguiar – Weiss começou a atuar na área no início da década de 1970, em parte incentivado pelo trabalho desenvolvido por Thorne e Weber [Joseph Weber, 1919-2000, que começou a pesquisa de detecção de ondas gravitacionais com barras sólidas]. Weiss entrou na parte experimental, no MIT [Massachusetts Institute of Technology], desenvolvendo lasers. Mais ou menos na mesma época, na Escócia, começou a atuação de Drever [Ronald William Prest Drever, 1931-2017]. Drever foi, juntamente com Thorne e Weiss, o indicado ao Nobel de 2017, mas, como faleceu neste ano, seu nome foi substituído pelo de Barry Barish, o que foi uma escolha justa.

FAPESP – Qual foi o papel de Drever?

Aguiar – Thorne o convidou para trabalhar no Caltech [California Institute of Technology]. E, lá, Drever desenvolveu um interferômetro laser de 40 metros, utilizado até hoje. Esse equipamento foi fundamental para o desenvolvimento de pesquisas experimentais em interferometria por laser. Paralelamente, Weiss desenvolveu um interferômetro laser de 10 metros no MIT. Esses equipamentos já estavam funcionando no início dos anos 1980 e foi nessa época que fizeram planos para a construção de uma grande unidade. Escreveram um projeto de 94 páginas, que submeteram à NSF em 1989.

Tenho uma cópia desse projeto. Os cinco signatários eram Rochus Vogt (diretor do projeto), Thorne, Weiss, Drever e Fred Raab. Vogt foi substituído mais tarde por Barish. E, como Raab era recém-doutor na época, a Colaboração Científica LIGO julgou que não seria conveniente indicar seu nome para o Nobel. E indicou apenas Thorne, Weiss e Drever. Weiss e Drever foram responsáveis por toda a tecnologia de laser do interferômetro. Foram eles que criaram o projeto experimental que viria resultar no LIGO.

FAPESP – Como Barish entrou no processo?

Aguiar – Foi uma sorte para o LIGO. O projeto do Supercollider foi cancelado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1993. Quem estava à frente era Barish, considerado um grande administrador de projetos científicos de grande porte. Quando o projeto foi cancelado, ele ficou desempregado e foi contratado para o LIGO. Foi uma excelente aquisição.

No ano seguinte, o projeto LIGO começou a ser executado, sob sua direção. Barish dirigiu o LIGO de 1994 a 2006. Depois, como bom administrador que é, inventou a Colaboração Científica LIGO, com pesquisadores de vários países, percebendo que não bastava ter o pessoal experimental para tocar a construção de todos os equipamentos e operar os detectores.

Era preciso ter também um corpo de cientistas capazes de desenvolver todas as outras etapas: a teoria, o modelamento e análise dos sinais, a identificação dos ruídos etc. E ainda pessoal experimental já voltado para a melhoria dos equipamentos. Essa Colaboração Internacional, criada por Barish em 1997, tem hoje mais de 1.300 pessoas.

Assim, o LIGO passou na frente de todas as outras iniciativas mundiais, em termos de cronograma, inclusive do Virgo [o grande interferômetro europeu].

FAPESP – Qual é o porte do Virgo?

Aguiar – Ele tem 3 quilômetros de “braço”. É menor do que os interferômetros gêmeos do LIGO, que têm 4 quilômetros. E há outros projetos em desenvolvimento. Um no Japão, constituído por interferômetro subterrâneo, com 3 quilômetros de “braço” e espelhos resfriados, para diminuir os ruídos finos. E também o LIGO-Índia, que está sendo construído com equipamentos do LIGO.

FAPESP – Como assim?

Aguiar – É que em Hanford, no estado de Washington, além do interferômetro principal, de 4 quilômetros, foi instalado, no mesmo túnel de vácuo, um interferômetro suplementar, de 2 quilômetros. Depois, chegou-se à conclusão de que esse interferômetro extra não era necessário.

E a administração o ofereceu a quem estivesse disposto a investir US$ 100 milhões no LIGO. A Austrália tentou, mas não conseguiu o dinheiro. Eu nem pensei em solicitar, porque considerei opção irrealista para o Brasil. Mas o governo indiano se comprometeu.

FAPESP – Qual o interesse científico em haver equipamentos similares em diferentes regiões do mundo?

Aguiar – Isso possibilita fazer a triangulação do sinal, o que aumenta a confiabilidade na atribuição do evento a uma onda gravitacional. Permite também localizá-lo no céu com muito mais precisão.

FAPESP – Os interferômetros vão operar em conjunto, portanto.

Aguiar – Sim. Por exemplo, na última detecção feita, já houve a participação do Virgo. Se fossem só os interferômetros do LIGO, a localização da região emissora ficaria espalhada por uma área de cerca de 1160 graus quadrados.

Com a entrada do Virgo, a área foi reduzida para 60 graus quadrados. Ou seja, houve um enorme aumento de precisão na localização da fonte. Com cinco interferômetros, a precisão será ainda maior.

FAPESP – Até agora, os eventos detectados foram fusões de pares de buracos negros. Há outros tipos de eventos previstos?

Aguiar – As detecções de fusões de pares de buracos negros se tornaram recorrentes e até monótonas. Será muito mais emocionante quando forem detectadas fusões de pares de estrelas de nêutrons. Digo isso pelo seguinte. A fusão de buracos negros não produz ondas eletromagnéticas de forma significativa, que possibilite detecção.

Então toda a detecção é feita por meio de ondas gravitacionais. Já um evento envolvendo estrelas de nêutrons é completamente diferente. Porque, no choque, os nêutrons são esmagados e emitem radiação eletromagnética em várias bandas de frequência: raios gama, luz visível, rádio etc.

FAPESP – Nesse caso, será possível cotejar as ondas eletromagnéticas com as ondas gravitacionais.

Aguiar – Exatamente. O LIGO inaugurou a astronomia gravitacional, mas, quando forem detectadas fusões de estrelas de nêutrons, será inaugurada a astronomia multimensageira. Será uma astronomia que envolverá vários tipos de detecção: ondas eletromagnéticas, ondas gravitacionais, neutrinos etc. Cada evento será observado em vários canais, com muito maior aporte de informações para a compreensão científica do fenômeno. Estamos aguardando o anúncio desse tipo de detecção.

FAPESP – Como tem sido a participação brasileira?

Aguiar – Há duas instituições no Brasil que participam da LSC: o Inpe, em São José dos Campos, e o Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Lá está o físico italiano Riccardo Sturani, que atuava anteriormente no IFT [Instituto de Física Teórica da Unesp].

Sturani trabalha com modelamento de sinais e análise de dados. No Inpe, temos uma equipe maior. Eu coordeno o grupo todo e também a área experimental e há um subcoordenador, o César Augusto Costa – que foi meu aluno de mestrado e doutorado e é atualmente supervisionado por mim no pós-doutorado –, que coordena a área de identificação de ruídos. São mais de 100 mil canais que monitoram os ruídos captados pelos detectores do LIGO.

FAPESP – E é preciso descartar tudo que não seja o fenômeno propriamente dito.

Aguiar – Isso. É preciso identificar o que é sinal e o que é ruído. Assim, logo que alguma coisa é detectada, a equipe internacional dentro da LSC da qual o César faz parte é acionada para fazer a triagem. Ele tem uma aluna de mestrado, Tábata Aira Ferreira, que é a única mulher da participação brasileira na LSC.

FAPESP – Qual é o foco do pessoal brasileiro que trabalha na parte experimental?

Aguiar – A melhoria da instrumentação, com vista a maior sensibilidade. A grande estrutura do experimento permanece, mas detalhes são constantemente melhorados. Por exemplo, trabalhamos desde 2011 em um sistema de isolamento vibracional. E, desde 2013, em técnicas de resfriamento dos espelhos. Porque a intenção é resfriar os espelhos em meados da década de 2020.

FAPESP – Resfriar a qual temperatura?

Aguiar – A 123 kelvin, que correspondem a menos 150 graus Celsius.

FAPESP – Qual é a vantagem desse resfriamento?

Aguiar – A intenção é trocar os espelhos de vidro por espelhos de silício. A 123 kelvin, o silício apresenta uma parada na contração térmica, quando ocorre um arrefecimento, uma diminuição do ruído browniano, constituído por trocas de calor entre os modos mecânicos do sólido. Seria muito mais ousado modificar o LIGO para uma tecnologia baseada em hélio líquido, que possibilita chegar quase ao zero absoluto. Mas os norte-americanos não têm experiência em trabalhar com hélio líquido.

Nós temos. O Detector Brasileiro de Ondas Gravitacionais Mario Schenberg [construído com apoio da FAPESP] é resfriado, por meio do hélio líquido, a poucos centésimos de grau acima do zero absoluto [nessa temperatura, praticamente cessa todo o ruído térmico, causado pela agitação atômica].

O interferômetro japonês em construção também já foi projetado para operar com hélio líquido, ao passo que os interferômetros do LIGO serão modificados para operar com espelhos resfriados por nitrogênio líquido. Não é a solução ideal, mas a sensibilidade melhora bastante.

FAPESP – Qual é o horizonte de toda essa pesquisa com ondas gravitacionais?

Aguiar – Os cinco interferômetros de grande porte deverão estar em operação na década de 2020, com os dois interferômetros do LIGO em sua sensibilidade máxima. Com o aumento da sensibilidade do LIGO, detecções de eventos, que têm ocorrido com frequência de um a cada dois meses, passarão a ser feitas cerca de duas vezes por semana.

A expectativa é não apenas observar muito mais binários de buracos negros, com maior exatidão, mas também observar pares de estrelas de nêutrons e outros fenômenos. Além disso, os movimentos dos objetos, espiralando um ao redor do outro, poderão ser detectados bem antes da colisão. Atualmente, as órbitas são detectadas 1 ou 2 segundos antes da colisão.

No espiralamento de estrelas de nêutrons, o fenômeno será detectado com 100 segundos de antecedência. Outro importante aporte será proporcionado pelo interferômetro espacial LISA, que deverá ser posto em órbita antes de 2030. Ele poderá observar eventos, atualmente detectados pelo LIGO, em uma fase muito anterior, 10 anos antes da colisão.

FAPESP – O senhor mencionou outros fenômenos além do espiralamento e choque de buracos negros e estrelas de nêutrons. Que fenômenos seriam esses?

Aguiar – Eventos envolvendo supernovas, estrelas de quarks, estrelas estranhas. Eventos envolvendo oscilações de estrelas de nêutrons ou binários de anãs brancas.

Eventos envolvendo espiralamento de buracos negros supermassivos, quando duas galáxias se chocam e seus núcleos, onde se localizam os buracos negros supermassivos, passam a orbitar um ao redor do outro. Eventos envolvendo cordas cósmicas.

FAPESP – O que são as cordas cósmicas?

Aguiar – Apesar do nome, elas não têm a ver com as teorias de cordas. São defeitos primordiais na estrutura topológica do espaço-tempo decorrentes de concentrações de energia imediatamente após o Big Bang. Segundo a hipótese, quando o defeito é pontual, forma-se um buraco negro; quando o defeito é linear, forma-se uma corda cósmica. Inclusive os buracos negros que estão sendo detectados pelo LIGO são, surpreendentemente, muito massivos.

E uma das hipóteses cogitadas para explicar isso é a de que não tenham sido gerados por evolução estelar, mas por defeitos produzidos na formação do Universo.

Nesse caso, eles poderiam responder por grande parte da matéria escura. Não seriam constituídos por matéria bariônica [a matéria ordinária], mas por matéria escura. Porém só chegaremos à conclusão de que sejam uma coisa ou outra aumentando o número de detecções, mapeando a população de buracos negros. 

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