Sputnik V: Anvisa não aprovou pedido emergencial para uso no Brasil (Tatyana Makeyeva/Reuters)
Tamires Vitorio
Publicado em 19 de janeiro de 2021 às 08h16.
Última atualização em 19 de janeiro de 2021 às 11h35.
A vacina russa Sputnik V foi a primeira a ser registrada em um mundo afetado profundamente pela pandemia do novo coronavírus. Em meio a desconfianças da comunidade científica e reclamações sobre a falta de dados divulgados pelo Instituto Gamaleya, que a desenvolve, a vacina foi aprovada para uso emergencial em diversos países. Mas (pelo menos ainda) não no Brasil – o que pode colocar em risco as 10 milhões de doses que seriam produzidas no país.
No sábado, 16, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devolveu o pedido de aprovação da vacina russa. Segundo o órgão, o pedido da farmacêutica paulista União Química não atendeu os critérios mínimos necessários. Um deles se diz respeito à condução de testes de fase três, que analisa as boas práticas de uma vacina. Em nota, a farmacêutica afirma que "este procedimento é padrão das agências reguladoras e não significa que o registro foi negado".
O pedido para a aprovação da vacina havia sido feito no dia 15 deste mês, um dia antes de ser devolvido. Segundo a Anvisa, "não basta o pedido de autorização de estudo clínico de fase 3 estar protocolado para pedir uso emergencial" porque, para isso "é necessário que tais estudos estejam em andamento no país, além de outras medidas condicionantes já previstas".
A União Química afirmou que mais documentos serão enviados para a Anvisa para comprovar a eficácia e a segurança da Sputnik V.
Um acordo realizado com a farmacêutica paulista União Química na semana passada previa a produção local das doses, com chance de mais importações, se necessário.
A vacina, que agora auxilia a AstraZeneca e Oxford a tornar o seu imunizante mais eficaz, já foi utilizada em mais de 1,5 milhão de pessoas no mundo todo. A Argentina, vizinha brasileira, é um dos países que aprovou a campanha de vacinação com a Sputnik V. Por lá, 0,4% da população já foi vacinada desde o final do ano passado.
O acordo, cujas conversas começaram em agosto do ano passado, só foi possível por uma aproximação já existente da farmacêutica com o governo russo para outras propostas, segundo Fernando de Castro Marques, presidente da União Química – as propostas anteriores não foram citadas. "Já estamos recebendo a tecnologia necessária para desenvolver a vacina e nossa produção irá atender o mercado brasileiro e latino-americano. Isso já está acontecendo", diz.
A ideia era produzir cerca de 8 milhões de doses a partir de janeiro, segundo Marques para responder à demanda da América Latina. Toda a produção seria feita na fábrica da companhia em Brasília e em Guarulhos, na grande São Paulo, sem custo adicional para a União Química – ou pagamento de royalties para o Instituto Gamaleya.
Para Marques, a principal dificuldade de trazer uma vacina internacional para o Brasil esbarra em burocracias necessárias na hora de fazer um registro do produto.
"Qualquer coisa para você trazer na área de saúde, você depende de ter um registro, e esse é um processo demorado – o que atrapalha. Todo mundo precisa de vacina", afirmou em entrevista à EXAME na semana passada.
Em setembro do ano passado, em um estudo publicado na prestigiada revista científica The Lancet, o instituto afirmou que “a vacina foi capaz de induzir resposta imune nos voluntários e se mostrou segura nos testes de fase 1 e 2”.
Mais tarde, cientistas questionaram a veracidade e a duplicidade de certas informações que constavam no documento.
A vacina teve duas fases pequenas de 42 dias — uma delas estudou uma formulação congelada e a outra uma versão desidratada da vacina. O que foi descoberto é que a vacina congelada é melhor para ser produzida em larga escala e preencher os estoques globais, enquanto a segunda opção é melhor para regiões de difícil alcance.
Ela é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus. É por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima.
A vacina é administrada em duas doses, com uma diferença de 21 dias entre elas e pode ser mantida a -18ºC. Cada dose custa cerca de 20 dólares – um preço baixo quando comparada com a vacina da Pfizer e da BioNTech, que passa dos 39 dólares, mas cara em relação a de Oxford, que custa 5,25 dólares por dose.
Em dezembro, segundo o ministério da Saúde russo, a vacina apresentou 91,4% de eficácia — resultado divulgado, novamente, sem provas científicas. Não é claro quanto tempo a proteção deve durar (como também é o caso das outras vacinas aprovadas).
O nome “Sputnik V” foi dado à vacina em homenagem ao programa espacial da União Soviética que construiu os primeiros satélites espaciais artificiais, em especial à última missão Sputnik, lançada em 1960, com dois cachorros, quarenta camundongos, dois ratos e plantas diversas — que testou a capacidade de enviar seres vivos com sucesso ao espaço.
E o nome, como de praxe, não poderia deixar de ser uma indireta aos Estados Unidos: a Sputnik 1, primeira missão do programa, foi a gota que faltava para o balde da corrida espacial à Lua transbordar.
Para uma vacina ser aprovada, ela precisa passar por diversas fases de testes clínicos prévios e em humanos. Primeiro, ela passa por fases pré-clínicos, que incluem testes em animais como ratos ou macacos para identificar se a proteção produz resposta imunológica.
A fase 1 é a inicial, quando os laboratórios tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a fase 2 tenta estabelecer de a vacina ou o remédio produz imunidade contra um vírus. Já a fase 3 é a última do estudo e procura demonstrar a eficácia da imunização.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando a fase 3 é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário.
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