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América Latina precisa de 770 milhões de doses para proteger população

Estudo do Atlantic Council revela desafios financeiros, técnicos e logísticos que devem ser enfrentados pela América Latina e o Caribe

América Latina (chrispecoraro/Getty Images)

América Latina (chrispecoraro/Getty Images)

LP

Laura Pancini

Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 11h33.

Última atualização em 18 de dezembro de 2020 às 11h35.

A América Latina e o Caribe irão precisar de 770 milhões de doses funcionais de vacinas contra o coronavírus para atingir um limite teórico de imunidade de rebanho (60%). É o que estima um relatório divulgado pelo Atlantic Council, think tank dedicado à relação dos Estados Unidos com a Europa, África e as Américas.

Prestes a entrar em 2021, a região tem por volta de 446 milhões de doses confirmadas algumas exclusivas para um só país, outras distribuídas para mais de um. Mesmo com mais da metade das doses necessárias já garantidas, a América Latina enfrenta desafios para importar, produzir e exportar as vacinas e deve passar o próximo ano sem conseguir proteger todos seus habitantes.

Com 8% da população mundial, a região da América Latina e do Caribe é responsável por quase um terço de todas as infecções e mortes por covid-19 no final de novembro. Em maio, a região já gastava 2,4% do PIB em saúde e respostas econômicas — esse número ainda é baixo considerando a média global de 3,7%. 

A nova onda de casos indica que a vida não voltará ao normal tão cedo, muito menos sem vacinas à disposição. Portanto, a corrida pela vacinação acelera em ritmo recorde, com onze candidatos passando por testes clínicos de Fase III.

Obstáculos financeiros, técnicos e logísticos dificultam o acesso à vacina para os países latinos. Por isso, a região busca uma abordagem dupla, com parcerias bilaterais e multilaterais, para adquirir uma quantidade suficiente de vacinas.

Iniciativa COVAX

Todos os países da América Latina e o Caribe já fazem parte da iniciativa COVAX Facility, desenvolvida pela Gavi Alliance, organização que trabalha com distribuição de vacinas em regiões mais pobres, com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates, OMS e Unicef.

Sua meta é garantir o acesso global às vacinas e fornecer 2 bilhões de doses a todos os 187 países participantes até o final de 2021. No caso do Brasil, a expectativa é que 42 milhões de doses sejam recebidas caso a meta seja cumprida. 

A distribuição será guiada por uma estrutura de alocação desenvolvida pela OMS. Assim que uma vacina for aprovada pelas agências reguladoras, a Coxax irá comprá-la com o objetivo de tentar fornecer doses para uma média de 20% da população de cada país, com foco nos profissionais de saúde e nos grupos mais vulneráveis. 

A iniciativa já arrecadou 2 bilhões de dólares, mas alerta que precisaria de mais 5 bilhões para comprar as vacinas que irão ser aprovadas durante 2021.

Acordos com farmacêuticas

Países como Argentina, Brasil, Chile, México e Peru garantiram mais de 286 milhões de doses potenciais para a região por meio de acordos de produção ou compra com várias empresas farmacêuticas, de acordo com informações do Atlantic Council.

Só a Argentina e o México cobrem 150 milhões dessas doses no primeiro semestre de 2021, com acordo para produzir a vacina da Oxford com a AstraZeneca para toda a América Latina.

Mesmo com acordos e encomendas, a fabricação e exportação das vacinas é um processo altamente complexo para a região.

Produção e exportação local

Existem vários obstáculos crônicos para expandir a produção local na América Latina como um todo. A maioria dos países (fora Argentina, Brasil e México) ainda não possui a infraestrutura adequada ou sofisticação necessária para produzir ou armazenar vacinas em grande escala.

Uma vacina feita na América Latina pode envolver ingredientes farmacêuticos ativos (APIs) importados da China ou o desenvolvimento de formulação na Índia, bem como adjuvantes do Chile processados na Suécia.

Quando as vacinas são disponibilizadas, sua distribuição deve obedecer a protocolos específicos de transporte e armazenamento para garantir a segurança e a viabilidade. Elas são transportadas em condições refrigeradas (ou congeladas) e têm vida útil limitada à temperatura ambiente, o que também é um obstáculo a ser enfrentado pelos países que habitam a zona intertropical, onde predominam os climas quentes.

As vacinas da Pfizer e da Moderna, por exemplo, têm vida útil entre 2 e 12 horas. Muitas exigem uma temperatura de armazenamento entre 2 e 8 graus Celsius. 

Vacinas que usam o RNA mensageiro como a da Pfizer, que deve ser distribuída no Brasil, Chile, Peru e Equador são as que requerem o armazenamento mais rigoroso, necessitando estar em um ambiente com -70 graus Celsius.

Outro desafio a ser enfrentado pela região é a exportação. O Atlantic Council afirma em seu estudo que, em 2019, o tempo médio para o desembaraço aduaneiro das exportações na América Latina e no Caribe era de 8 dias, enquanto o tempo médio associado ao cumprimento da fronteira para as importações foi entre 2 e 3 dias. 

Durante 2021, medidas sustentadas contra a pandemia, como máscaras e o distanciamento social, permanecerão como a primeira linha de defesa contra futuras ondas de infecção. Mesmo se e quando uma vacina eficaz estiver disponível, a América Latina deve se preparar para viver com o vírus após 2021, dado o tempo necessário para aumentar a produção global de vacinas e alcançar altos níveis de vacinação regional.

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