Ciência

A receita da longevidade, segundo uma Prêmio Nobel de medicina

Em entrevista exclusiva, bióloga que descobriu a base molecular do envelhecimento conta quais hábitos influenciam na integridade das nossas células

Elizabeth Blackburn na cerimônia do prêmio Nobel de 2009 (The Nobel Foundation/SAÚDE é Vital/Reprodução)

Elizabeth Blackburn na cerimônia do prêmio Nobel de 2009 (The Nobel Foundation/SAÚDE é Vital/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 12 de julho de 2017 às 14h19.

Última atualização em 17 de julho de 2017 às 12h52.

A gente entrega o avançar da idade por meio de rugas, cabelos brancos, juntas emperradas… Pois nossas células acusam o mesmo quando se observam seus telômeros.

Telômeros são as extremidades dos cromossomos, as estruturas das nossas células onde fica empacotado o DNA.

Com os anos, os pezinhos dos cromossomos ficam mais curtos, fenômeno ligado ao envelhecimento e à maior exposição a doenças.

As descobertas nesse campo — bem como a identificação da enzima que protege os telômeros, a telomerase — renderam à bióloga americana Elizabeth Blackburn, de 68 anos, o prêmio Nobel de Medicina de 2009.

A professora, que atua na Universidade da Califórnia em San Francisco, nos Estados Unidos, se juntou à psicóloga Elissa Epel, da mesma instituição, para compartilhar os achados científicos que conectam a integridade dos telômeros aos nossos hábitos e à maneira de encarar a vida. O resultado é o livro O Segredo Está nos Telômeros, recém-lançado no Brasil pela editora Planeta.

Na obra, a gente aprende que alimentação, nível de atividade física, saúde mental e até as relações sociais influenciam o comprimento dos telômeros.

Dito de outro modo, quem vive refém do estresse e dos maus hábitos tende a ficar com os telômeros mais curtos, algo capaz de comprometer a renovação celular e, por extensão, a qualidade e a expectativa de vida. Por dentro do assunto: O sedentarismo deixa seu corpo 8 anos mais velho

Mais que uma aula de ciência, o livro de Elizabeth Blackburn e Elissa Epel traz testes e desafios para revermos nosso estilo de vida e o jeito que lidamos com as atribulações do dia a dia.

E dá uma série de orientações — da escolha dos alimentos a exercícios mentais — para resguardamos nossos telômeros e segurarmos bem firmes em nossas mãos uma das chaves da longevidade.

Aproveitando o lançamento da obra no país, entrevistamos a prêmio Nobel com exclusividade. Aqui ela conta um pouco da receita da vida longa, guardada em nossas próprias células.

SAÚDE: Fica claro, após ler seu livro, que o estilo de vida como um todo está intimamente associado ao comprimento dos telômeros. Mas a gente queria saber: existe algum hábito ou fator (estresse, dieta, atividade física…) que tem maior impacto nessa história?

Elizabeth Blackburn: Eu não posso eleger um único, porque acredito que o que mais influencia ou prejudica nesse contexto é o conjunto de todos esses fatores.

SAÚDE: Como o estresse mental e a ansiedade são capazes de danificar nossos telômeros e encurtar nossa expectativa de vida?

Elizabeth Blackburn: Tanto a ansiedade como a depressão estão ligadas a telômeros mais curtos. E, quanto mais severas elas são, mais curtos são os telômeros. Essas condições extremas do estado emocional têm um efeito no maquinário de envelhecimento das células, que envolve os telômeros, a mitocôndria [organela celular] e processos inflamatórios.

Doenças do coração, pressão alta, diabetes, todos esses problemas de saúde tendem a aparecer mais cedo e mais rapidamente em pessoas ansiosas ou deprimidas.

A ansiedade é um tema relativamente recente no campo de pesquisas sobre os telômeros. Sabemos que pessoas que vivenciam a aflição de um transtorno de ansiedade tendem a apresentar telômeros significativamente mais curtos.

Quanto mais tempo a ansiedade persiste, mais curtos ficam essas estruturas. Mas, a partir do momento em que a ansiedade é resolvida e a pessoa se sente melhor, os telômeros eventualmente retornam ao seu comprimento normal. Esse é um importante argumento a favor da identificação e do tratamento da ansiedade.

SAÚDE: E a depressão? Piora ainda mais as coisas para os telômeros?

Elizabeth Blackburn: A conexão entre a depressão e os telômeros tem uma sólida base de evidências científicas. Um estudo impressionante, de larga escala, envolvendo quase 20 mil mulheres chinesas, descobriu que aquelas deprimidas tinham telômeros mais curtos. Quanto mais grave e duradoura é a depressão, mais curtos ficam os telômeros.

Alguns estudos sugerem que o encurtamento dos telômeros pode estar diretamente associado ao quadro depressivo. Pessoas com essa condição apresentam telômeros mais curtos nas células do hipocampo, área do cérebro que tem um papel importante nessa desordem.

Elas não apresentam essa mesma alteração em outras regiões cerebrais, mas apenas nessa porção crucial ao estado de humor.

Em experiências, ratos colocados em situação de estresse passam a ter menos telomerase [enzima que resguarda os telômeros] no hipocampo, assim como apresentam menos neurogênese, o crescimento de novas células nervosas.

Isso explica porque estão mais predispostos a desenvolver depressão. No entanto, quando se aumentam os níveis de telomerase, esses ratos tendem a apresentar mais neurogênese e não se tornam deprimidos. O envelhecimento celular no cérebro pode ser um dos mecanismos por trás da depressão.

SAÚDE: A gente fica surpreso ao ler no livro o impacto do ambiente social nos telômeros. Pode explicar melhor essa conexão?

Elizabeth Blackburn: Nós estamos interconectados de maneiras que nem sempre podemos ver, e os telômeros revelam essas relações. Somos afetados de forma muito sutil pelo que sentimos em relação à nossa vizinhança, pela abundância de plantas e área verde nos arredores e pelo estado físico e emocional das pessoas que estão à nossa volta. Os relacionamentos que vivenciamos afetam os telômeros.

Comunidades em que os indivíduos não confiam uns nos outros e sentem medo de violência são capazes de danificar essas estruturas. Por outro lado, vizinhanças consideradas seguras e bonitas em razão de seus parques verdes e árvores frondosas estão associadas a telômeros mais longos, não importa o nível de renda e educação de seus residentes.

O lugar onde vivemos afeta, portanto, a nossa saúde. Os bairros dão forma ao nosso senso de segurança e vigilância, o que, em resposta, impacta os níveis de estresse, o estado emocional e o comprimento dos telômeros.

Além da violência e da falta de segurança, há outro aspecto crítico que faz da vizinhança um potente influenciador da saúde: a coesão social, isto é, a cola ou o laço que une as pessoas de uma mesma área.

Os vizinhos se ajudam mutuamente? Acreditam uns nos outros? Eles se dão bem e compartilham valores? Se você precisar, pode realmente confiar em um deles?

Pessoas que vivem em locais com baixa coesão social e têm medo de crimes apresentam um envelhecimento celular mais expressivo em comparação com quem mora em comunidades marcadas por confiança e segurança.

Sujeitos que vivem em grandes cidades aprendem a ser mais vigilantes. Seu cérebro e seu corpo estão sempre preparados para disparar uma baita resposta de estresse. Essa ultrarreação é adaptativa, mas não é saudável, e ajuda a explicar por que pessoas que moram em ambientes sociais ameaçadores possuem telômeros mais curtos.

SAÚDE: Até que ponto técnicas de controle mental, como mindfulness e meditação, nos ajudam a viver mais e melhor?

Elizabeth Blackburn: Estudos já descobriram que pessoas que tendem a focar mais suas mentes no que estão fazendo têm telômeros mais longos quando comparadas àquelas cujas mentes divagam.

Outras pesquisas demonstram que ter aulas ou treinamentos de mindfulness ou meditação está ligado a uma maior capacidade de manter a integridade dos telômeros.

O foco mental é uma habilidade que qualquer pessoa pode cultivar. Tudo que você precisa fazer é praticar.

SAÚDE: A incidência de doenças crônicas, caso de obesidade, câncer e problemas cardiovasculares, está crescendo mundo afora. Podemos dizer que todas elas estão associadas ao encurtamento dos telômeros?

Elizabeth Blackburn: Estou certa disso.

SAÚDE: Fatores ambientais, como o aquecimento global, a poluição do ar e a exposição a agrotóxicos, também afetam as extremidades dos cromossomos?

Elizabeth Blackburn: Desconheço pesquisas a respeito.

SAÚDE: Seu livro fala da importância de uma dieta equilibrada no comprimento dos telômeros. Na contramão, existem alimentos ou ingredientes que deveríamos consumir com moderação pensando nas nossas células?

Elizabeth Blackburn: Eu destacaria os carboidratos refinados, refrigerantes açucarados, alimentos processados e carne vermelha.

SAÚDE: É possível que um dia tenhamos uma pílula capaz de proteger ou regenerar nossos telômeros, uma espécie de elixir da longa vida?

Elizabeth Blackburn: Eu adoraria se alguma coisa do tipo existisse! Mas eu manteria uma dieta balanceada e a mente tranquila.

Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Saúde.

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