Repórter
Publicado em 16 de maio de 2025 às 17h08.
Será que a inteligência artificial (IA) poderá, finalmente, nos ajudar a conversar com os animais? Para ajudar nesse objetivo, um concurso oferece um prêmio de US$ 500 mil para quem conseguir um avanço significativo na comunicação entre espécies, além de um prêmio anual de US$ 100 mil enquanto o grande prêmio não for conquistado. As informações foram divulgadas pela Nature.
O primeiro prêmio anual do Desafio Coller Dolittle foi entregue nesta quinta-feira, 15, para pesquisadores que planejam usar IA para analisar gravações de golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus). A equipe já identificou mais de 20 sons diferentes no "vocabulário" desses golfinhos e pretende utilizar técnicas de IA para ampliar ainda mais esse repertório.
O concurso, que foi lançado há um ano, é uma iniciativa da Fundação Jeremy Coller, sediada em Londres — que apoia projetos ligados ao bem-estar animal e outras áreas — em parceria com a Universidade de Tel Aviv, em Israel. Os prêmios anuais são destinados a pesquisas que empreguem IA para melhorar a compreensão da comunicação animal. "Nosso objetivo final é estabelecer uma comunicação bidirecional e contextualizada com os animais, usando os próprios sinais emitidos por eles", explica Yossi Yovel, neuroecologista da Universidade de Tel Aviv e presidente do comitê científico do prêmio, em entrevista à Nature.
O grande prêmio poderá valer US$ 500 mil em dinheiro ou US$ 10 milhões em investimentos, com os critérios finais a serem definidos no próximo ano, segundo Yovel.
A IA tem ampliado a capacidade dos cientistas em processar grandes volumes de dados de comunicação animal, como os assobios de pássaros ou os uivos de lobos. Além disso, a tecnologia tem facilitado a identificação de padrões que podem indicar significados nos sons produzidos pelos animais, comenta Yovel. Combinado aos avanços da IA para a comunicação humana, isso despertou um crescente interesse no uso dessas ferramentas para decodificar a linguagem animal. No entanto, os especialistas reconhecem que ainda não houve uma revolução completa nessa área.
“Ainda é necessário muito conhecimento zoológico. A ideia de simplesmente colocar uma câmera e gravar um animal para detectar automaticamente informações úteis é bastante remota”, pondera Yovel.
Há grande expectativa sobre o uso de grandes modelos de linguagem para analisar os sistemas de comunicação animal, observa Arik Kershenbaum, zoólogo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que não está envolvido no concurso. Essa abordagem ainda não foi comprovada, mas os organizadores do prêmio estão otimistas de que a IA pode melhorar a comunicação entre humanos e animais.
Laela Sayigh, bióloga do Instituto Oceanográfico Woods Hole, em Massachusetts, e sua equipe estudam há décadas uma comunidade de cerca de 170 golfinhos-nariz-de-garrafa na Baía de Sarasota, na Flórida.
Desde 1984, eles têm gravado os sons dos golfinhos conectando microfones de ventosa diretamente aos animais. Essa metodologia permitiu catalogar a maioria dos “assobios característicos” — sons que funcionam como nomes para que os golfinhos se reconheçam individualmente.
Cerca de metade dos assobios emitidos pelos golfinhos pertencem a essa categoria, segundo Sayigh. A outra metade, chamada de “assobios sem assinatura”, tem sido menos estudada por ser mais difícil de analisar. “Como temos os assobios característicos da maioria dos golfinhos em Sarasota, temos uma oportunidade única para pesquisa”, afirma ela. “Já identificamos mais de 20 tipos diferentes de assobios sem assinatura que são repetidos e compartilhados.”
Reproduzindo alguns desses assobios compartilhados e observando as reações dos golfinhos, os pesquisadores começaram a desvendar seus possíveis significados. Por exemplo, os golfinhos se aproximaram de alto-falantes que emitiram certos sons — sugerindo que esses funcionam como um convite para contato —, mas afastaram-se quando outros sons foram tocados, indicando que poderiam servir como alerta. A equipe planeja expandir ainda mais o vocabulário dos golfinhos e entender o significado de diferentes sons.
“Esperamos que esse prêmio impulsione o uso da IA para revelar descobertas ainda mais impressionantes a partir desse vasto conjunto de dados”, afirma Yovel.
Entre os finalistas do concurso, uma equipe descobriu que duas espécies de sépia (Sepia officinalis e Sepia bandensis) usam gestos distintos com os braços para se comunicar. A análise com IA identificou quatro sinais específicos: aceno para cima, para o lado, giro e movimento em forma de coroa. Ao assistir vídeos desses gestos, as sépias responderam acenando de volta. Além disso, quando os cientistas reproduziram os sons associados a esses gestos, os animais repetiram os mesmos movimentos.
Outro grupo finalista utilizou IA para decompor os cantos dos rouxinóis-comuns (Luscinia megarhynchos) em sílabas, permitindo analisar a estrutura e sintaxe dessas músicas. Os pesquisadores pretendem decodificar os significados por trás desses cantos e até mesmo gerar sons para se comunicar com os pássaros em sua própria linguagem.