Ciência

“A covid-19 veio para ficar”, diz presidente da Pfizer; entenda o porquê

Leia a entrevista completa com Albert Bourla, presidente da empresa farmacêutica produzindo uma das vacinas principais contra a covid-19

Albert Bourla, presidente da Pfizer (Steven Ferdman/Getty Images)

Albert Bourla, presidente da Pfizer (Steven Ferdman/Getty Images)

LP

Laura Pancini

Publicado em 13 de fevereiro de 2021 às 08h00.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2021 às 13h57.

Em uma entrevista com o editor-chefe da Bloomberg, John Micklethwait, Albert Bourla, presidente da farmacêutica Pfizer e uma das pessoas mais importantes no esforço de ajudar a vacinar o mundo contra a covid-19, discute como sua empresa está enfrentando a pandemia.

John Micklethwait: Até que ponto devemos ficar assustados com as novas variantes do coronavírus?

Albert Bourla: Não devemos ter medo, mas precisamos estar preparados. Portanto, estamos nos concentrando agora em ter uma rede de vigilância muito boa, de modo que toda vez que surgir uma nova variante, possamos testar, pelo menos em laboratório, e ver se a vacina é eficaz ou não. Há algum tempo, tínhamos discutido a possibilidade de surgir uma variante para a qual a vacina não forneceria proteção. E estávamos trabalhando em um processo que nos permitirá fazer o desenvolvimento muito rapidamente. Agora começamos a implementar esse processo.

JM: Entrevistei o Dr. Anthony Fauci, que disse ser especialmente importante receber as segundas doses a tempo, porque ele achava que isso fazia uma diferença específica com as novas variantes. Você concorda?

AB: Concordo plenamente com isso. E eu diria que em todos os cenários, é preciso ter certeza de dar as segundas doses dentro do tempo recomendado pelos estudos. E em nosso estudo chegamos de 19 a 42 dias. Nesse contexto, a vacina funciona. Além desse prazo, é um risco.

JM: A vacina contra a covid-19 vai se tornar anual como a vacina contra a gripe?

AB: Eu não excluiria isso. Se você tivesse me perguntado há dois meses, eu diria que sim, é uma possibilidade. Se você me perguntar hoje, acho que é uma grande possibilidade. Ainda não sabemos, mas parece que a covid veio para ficar. Mas também parece que temos as ferramentas para fazer a covid ficar igual à gripe. Isso significa que ele não perturbará nossas vidas ou a economia. Precisamos apenas ficar muito vigilantes sobre [rastrear novas] cepas. E precisamos estar muito vigilantes quanto à vacinação de pessoas.

JM: Recentemente, você disse que se poderia obter seis doses de cada frasco entregue, de onde anteriormente as pessoas haviam falado em obter cinco. Você pode nos demonstrar essa novidade e como isso muda uma parte do cálculo?

AB: Obter seis doses de um frasco não foi uma surpresa para nós. Sabíamos disso porque estávamos envasando as ampolas. É que quando estávamos fazendo os estudos, estimamos em cinco doses. E então, quando solicitamos as aprovações, ainda não tínhamos dados para validar as seis doses. Com a Europa, perguntamos: “Vocês gostariam de esperar algumas semanas para que possamos preparar a vacina para seis doses?” E eles disseram: “Não, precisamos das aprovações agora e, então, quando tiverem os dados das seis, vocês deveriam fornecê-los para nós”. Então, tão logo tenhamos os dados para seis doses, nós os disponibilizaremos não apenas para a Europa, mas para todas as autoridades regulatórias. Isso, obviamente, é muito importante porque uma dose estava sendo perdida. Ela permaneceria no frasco e seria jogado fora. Agora, esse não é mais o caso. As pessoas estão sendo orientadas para tentar extrair a sexta dose. E elas têm os meios para isso. Já autorizamos 36 combinações de diferentes agulhas e seringas disponíveis comercialmente capazes dessa operação.

JM: Tem havido uma verdadeira confusão na União Europeia por causa de doses em quantidade suficiente. O ministro da saúde da Alemanha especulou sobre a proibição das exportações. Você e outras empresas farmacêuticas que criam vacinas na Europa não teriam permissão para exportá-las para fora da União Europeia. Qual sua reação a isso?

AB: Não acho uma boa ideia nem mesmo insinuar que alguém possa proibir a exportação de uma vacina. Precisamos ter em mente que muitos dos materiais necessários para produzir essa vacina vêm de outros países. Portanto, se um iniciar uma proibição, qual será a reação do outro? Essa seria uma situação em que todos perdem e não ajudará a Europa. O que estamos fazendo, e de forma muito colaborativa, tanto com a Comissão Europeia quanto com os outros países, é tentar aumentar drasticamente nossa capacidade de fabricação. Anunciamos que temos um plano muito sólido para produzir mais de 2 bilhões de doses ainda este ano. Eu entendo que todo mundo quer que haja alguma coisa que possa abrir a economia e salvar vidas. Eu recomendo um pouco de paciência para que possamos fazer nosso trabalho e oferecer produtos para todos. Há muita tensão porque existe medo. Portanto, vamos esperar que todos se acalmem. E todo mundo, vamos fazer nosso trabalho.

JM: Quanto tempo levará para obter uma vacina da Pfizer que não precise ser mantida em temperaturas tão baixas?

AB: Estamos trabalhando em várias fórmulas que serão muito mais fáceis de armazenar. E uma delas é, por exemplo, uma versão liofilizada, que é um pó para ser reconstituído. Estamos muito adiantados neste projeto, então, acho que vamos começar a testá-lo em humanos ainda no primeiro semestre deste ano.

JM: Vocês já estão lidando há algumas semanas com a administração Biden. Qual é a principal diferença entre esse e o governo de Trump?

AB: Em primeiro lugar, não quero tomar partido. Mas há uma clara diferença. O atual presidente é muito voltado para a ciência. O presidente Trump era muito mais voltado para os  instintos. E com as vacinas, devido às complicações da ciência, a intuição não é o caminho certo a seguir. Acredito que o pessoal do governo anterior fez o possível para organizar uma operação para ajudar o povo americano. Mas as indicações são de que a nova equipe entende melhor o que está fazendo.

JM: Quero falar sobre pessoas que têm medo de tomar a vacina. O que você está fazendo para combater esses temores? Ou você acha que isso é responsabilidade do governo?

AB: Não, acho que é essa é uma responsabilidade de todos. É sua obrigação como jornalista, é dever do governo, é tarefa de cada cientista. O que eu diria às pessoas que temem a vacina é que elas precisam reconhecer que a decisão de tomá-la ou não ou afetará não apenas suas próprias vidas. Isso afetará a vida de outras pessoas. E muito provavelmente afetará a vida das pessoas que elas mais amam, que são as pessoas com quem elas se relacionam mais. Se não tomar a vacina, você estará tornando mais fraco o elo que permite que o vírus se replique. Portanto, pense duas vezes antes de tomar essa decisão. E não deixe o medo atrapalhar.

JM: Sei que você tem feito parte da equipe Covax da OMS para levar vacinas para os países mais pobres do mundo. Você está preocupado com a ideia de que o mundo dos ricos será inteiramente vacinado, mas o mundo dos mais pobres, não? Isso não é apenas moralmente ruim, mas também fornece uma espécie de terreno fértil para novas variantes do vírus.

AB: Nas pandemias, um país está tão protegido quanto o seu vizinho. E é extremamente importante que não deixemos que aconteça o que você disse, que é que os países ricos serão vacinados e os pobres não. Não apenas porque isso será uma ameaça também para esses países – e  esse não é o ponto. A questão aqui é de decência humana. E é necessário que todos tenham igual acesso às vacinas. Nos países de baixa renda, a Pfizer fornecerá essa vacina sem fins lucrativos.

JM: Os EUA registraram mais de 1.300 mortes para cada um milhão de pessoas. Na Ásia, e em muitos países,  menos de 50 por milhão. A China afirma ter registrado três por milhão. Portanto, em qualquer medida, os EUA mostraram uma realidade péssima. O principal problema nos EUA parece ser um sistema de saúde que não está preparado para enfrentar pandemias. Então, se você estivesse no lugar de Joe Biden e estivesse tentando fazer algo sobre o sistema de saúde, o que você faria?

AB: Acredito que muita coisa contribuiu para esse número absolutamente devastador nos Estados Unidos. A politização da covid foi uma delas. Tornou-se uma demonstração política não usar máscara, por exemplo. Isso contribuiu significativamente para o aumento do número de mortes. Mas acredito  também que uma das grandes lições que a covid nos ensinou é o poder da ciência nas mãos do setor privado. Foi o setor privado, a indústria da saúde, que resolveu a [escassez] de ventiladores no início. E foi o setor de saúde que trouxe o diagnóstico em tempo recorde. E depois, os tratamentos e agora as vacinas. Essas coisas não aconteceram por acaso. Tudo isso aconteceu porque tínhamos um segmento vibrante.

JM: Deveria haver uma espécie de Projeto Manhattan para criar vacinas no futuro, onde todos os países colaborem? Isso é realista?

AB: Da maneira como as coisas estão acontecendo não é: "Vamos nos unir e trabalhar juntos". É preciso ter equipes que se conheçam. É preciso ter infraestrutura e, em alguns casos, competição, porque isso também é muito saudável. Durante a pandemia da covid-19, houve uma significativa colaboração entre as empresas. E houve também uma importante colaboração entre as agências reguladoras, a ciência e o setor privado. Portanto, deveríamos nos concentrar em ver o que deu certo e continuar a partir daí. O que deu errado nós excluiremos.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusPfizerVacinas

Mais de Ciência

Há quase 50 anos no espaço e a 15 bilhões de milhas da Terra, Voyager 1 enfrenta desafios

Projeção aponta aumento significativo de mortes por resistência a antibióticos até 2050

Novo vírus transmitido por carrapato atinge cérebro, diz revista científica

Por que a teoria de Stephen Hawking sobre buracos negros pode estar errada