Vacinação: em outros países, desenvolvimento científico é prioridade (Steve Parsons/Reuters)
Tamires Vitorio
Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 08h30.
A cada um real investido em ciência, existe um retorno de dez reais. A falta de investimento na área, entretanto, apenas aumenta o problema financeiro e causa atrasos no conhecimento científico do país. Sem verba, os laboratórios se tornam obsoletos, os insumos precisam ser cada vez mais importados de outros países, o que leva mais tempo, e é difícil manter talentos, que preferem oportunidades no exterior.
Para Lucile Maria Floeter-Winter, diretora da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), a falta de investimentos deixa o mercado da ciência brasileira menos atrativo tanto para empresas quanto para cientistas. “Isso não é levado em conta pela área econômica. Sem investimento, perdemos a competitividade, a soberania nacional e nos tornamos escravos de outros países”, diz Floeter-Winter em entrevista à EXAME.
Como a falta de investimento na ciência brasileira impacta o país a longo prazo?
Nosso parque de equipamentos na área biológica fica obsoleto muito rápido e a falta de investimento impede a renovação de equipamentos cruciais na pesquisa. A morosidade e a burocracia, que também são impedimentos importantes, atingem principalmente os insumos que são utilizados em pesquisa e não há mercado atrativo para a produção desses insumos no país.
Outro fator impactante importante reside na formação de pessoal qualificado. É difícil atrair jovens talentosos quando não há reconhecimento por seu trabalho, ou mesmo quando não há perspectivas de futuro – ou esses jovens acabam indo para outras atividades ou vão embora do país, o que é uma perda muito grande.
O que faz com que o capital estrangeiro e o setor privado brasileiro não invistam em pesquisas científicas no Brasil?
A covid-19 trouxe muitas lições que devem ser aprendidas, e a associação de instituições privadas com instituições públicas de pesquisa é uma das lições que precisam ser consolidadas. No Brasil não há tradição de uma união entre o setor privado e a ciência.
As empresas não estão acostumadas a fazer a demanda para a academia de perfis profissionais que elas podem absorver em seus quadros, o que poderia dar alguma perspectiva na formação de jovens doutores.
Já as empresas farmacêuticas estrangeiras, por exemplo, trazem as soluções das respectivas matrizes, que comumente são desenvolvidas por pessoas de seu país de origem.
Apesar dos problemas financeiros, os cientistas do Brasil conseguiram sequenciar o vírus da covid-19 antes do resto do mundo e fazem publicações quase que diariamente em relação ao novo coronavírus. O que isso mostra para o Brasil e para o resto do mundo?
Quando se fala em formação de pessoal qualificado, deve-se pensar no investimento feito desde a formação de ensino fundamental e básico, seguido pela formação superior, que se conclui com um doutorado de boa qualidade. Isso leva muito tempo.
O Brasil tem pesquisadores muito bem formados, a comunidade de cientistas brasileiros já é respeitada lá fora. O exemplo do sequenciamento do material genético do vírus é excelente.
Um grupo que já aplicava esse tipo de técnica em seus estudos (financiados pela FAPESP), pode rapidamente aplicar seu conhecimento e expertise resolvendo a sequência do material genético do coronavírus. Sem esse suporte de bons grupos atuantes em áreas diversas, não é possível estabelecer essa competência.
Existe a possibilidade real de uma vacina brasileira ser desenvolvida contra a covid-19? Quais são os maiores empecilhos nessa empreitada?
Há alguns grupos de pesquisa brasileira estudando o desenvolvimento de uma vacina contra o SARS-CoV-2. Os maiores empecilhos são a burocracia e a demora na aquisição de insumos.
Qual seria o impacto de o Brasil conseguir produzir uma vacina nacional para o SARS-CoV-2? Isso aumentaria a autoestima do brasileiro em relação ao que é feito dentro do próprio país e fomentaria mais investimentos no setor?
O impacto positivo seria enorme. Mas veja o caso do vírus zika, por exemplo: o Brasil conseguiu, em pouco tempo, estabelecer a correlação entre a presença do vírus na gestante e o nascimento de crianças com microcefalia — o que foi um achado brilhante e importante, impedindo um aumento do número de casos. Isso não foi suficiente para estimular o investimento em pesquisa.
Mesmo com vacinas aprovadas no momento, faz sentido seguir com as pesquisas para o desenvolvimento de outras imunizações contra a covid-19?
As vacinas da Pfizer e da Moderna foram desenvolvidas com a colaboração de cientistas que já vinham estudando a possibilidade de se fazer uma vacina de RNA há muito tempo.
As pesquisas devem sempre continuar, desde que estejam alicerçadas em bases da boa ciência, ou seja, utilizem o método científico para chegar a conclusões sólidas. É preciso lembrar que ciência é um processo dinâmico. Se não for alimentado constantemente, perde-se.
Por serem dinâmicos, os resultados podem ser agregados e novas hipóteses podem ser formuladas e testadas, esse é progresso que resulta do desenvolvimento científico, e a possibilidade de aplicação desses conhecimentos leva ao desenvolvimento tecnológico e à inovação.
Qual a importância financeira de se investir em ciência no Brasil?
Para cada valor investido em ciência, há um retorno de cerca de 10 vezes, ou seja, a cada real investido na área, existe um retorno de dez reais. Isso não é levado em conta pela área econômica.
Sem esse investimento perdemos a competitividade, a soberania nacional e nos tornamos escravos de outros países, tendo que sempre comprar a solução, que custa dez vezes mais do que um investimento inicial custaria.
Existe alguma forma de nos prepararmos para futuras pandemias?
Outras pandemias irão ocorrer. Respeitar o planeta Terra e seu ecossistema é a forma que o mundo deve adotar para evitar que novos agentes patogênicos se espalhem. O Brasil precisa aprender a respeitar suas florestas, o pantanal, proteger sua biodiversidade, que é riquíssima. Essa é a maneira de se preparar.