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Vinhos da Campanha Gaúcha ganham Indicação de Procedência

Novo selo atesta qualidade da produção e deve estimular desenvolvimento da indústria vitivinícola da região. Primeiros rótulos chegam ao mercado em 2020

Região da Campanha Gaúcha (Divulgação/Divulgação)

Região da Campanha Gaúcha (Divulgação/Divulgação)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 19 de junho de 2020 às 14h58.

Última atualização em 19 de junho de 2020 às 16h14.

Você já tomou vinhos da Campanha Gaúcha? Se não tomou, é hora de tomar. Além de ser uma safra excepcional, 2020 ficará marcado na história dos vinhos da Campanha como o ano em que a região recebeu a Indicação de Procedência (IP).  “A IP é a comprovação da qualidade da uva que é produzida neste território, que pela combinação de clima, solo, relevo e a cultura local compõe o terroir da Campanha Gaúcha”, afirma Clori Giordani Peruzzo, sócia da Vinícola Peruzzo e presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha. O selo, fornecido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), atesta não só qualidade, como também um caráter único do produto local. E, segundo Peruzzo, deve impulsionar o desenvolvimento dos negócios relacionados ao vinho e também ao enoturismo na região.

Segunda maior região produtora de vinhos finos do país, responsável por 31% da produção nacional, com 1.560 hectares de área plantadas com vinhedos de vitis vinífera e mais de 5,6 milhões de litros vinificados em 2019, a Campanha Gaúcha se estende por uma área de 44.365 km2 no extremo sul do Brasil, fazendo fronteira com o Uruguai e a Argentina. Hoje existem 18 vinícolas produtoras de vinhos finos em operação na região, sendo que 15 delas são consideradas pequenas, pois produzem menos de 500 mil litros. Muitos desses produtores já trabalhavam com agropecuária. Grupos grandes como Miolo, Salton e Cooperativa Nova Aliança, no entanto, também estão presentes.

A região, por sinal, tem vocação para receber grandes produtores. Com largas extensões de planície e encostas pouco inclinadas, o relevo favorece a mecanização do trabalho agrícola, inclusive das colheitas, o que pode reduzir em muito o custo de produção e, consequentemente, o preço de venda ao consumidor. Isso sem grande prejuízo da qualidade, pois o clima seco e quente, mas com boa variação térmica entre dia e noite, garante uma boa maturação e um bom grau de sanidade dos bagos.

Mas isso não quer dizer que a mecanização seja regra. “Pelo contrário”, diz Valter Pötter, diretor-proprietário da Guatambu Estância do Vinho e futuro presidente da associação de produtores (com posse marcada para julho). “Noventa e nove por cento da colheita nas vinícolas da Campanha é manual. Isso permite colher e vinificar pequenas parcelas separadamente, escolhendo o ponto ideal de maturação de cada uma delas.” Significa, entretanto, que há condições para a produção em massa. Segundo Pötter, a expectativa é de que a IP ajude a chamar a atenção de grandes grupos, tanto de investidores como de produtores de vinho, do Brasil e do exterior.

Vinícola Miolo, no Rio Grande do Sul (Miolo/Divulgação)

Indicação de Procedência é uma das classificações do sistema de Indicação Geográfica brasileiro, que regula a procedência de diversos produtos nacionais e inclui também a Denominação de Origem (DO). A IP garante que o vinho que a carrega no rótulo foi produzido dentro de uma área delimitada e de acordo com uma série de normas técnicas, que vão do cultivo das vinhas até a vinificação e engarrafamento. Equivale, por exemplo, ao IGT (Identificazione Geografica Tipica) do sistema italiano.

O Brasil já tem outras cinco IPs para vinhos finos: Farroupilha, Monte Belo, Altos Montes, Pinto Bandeira, no Rio Grande do Sul, e Vales da Uva Goethe, em Santa Catarina. Além disso, conta com uma DO: Vale dos Vinhedos. A Embrapa coordena a estruturação de outras três indicações: o Vale do São Francisco (PE e BA), Altos de Pinto Bandeira (RS) e Serra Catarinense (SC).

Sistemas de indicação geográfica são importantes para informar e educar o consumidor. Os vinhos de um lugar nunca são iguais aos de outro. Cada região tem uma tipicidade e é bom o consumidor aprender a distinguir suas preferências para se sentir seguro na hora da compra. Esses sistemas são também uma garantia para quem negocia os produtos, especialmente no mercado internacional. A partir da safra 2020, todo vinho produzido na Campanha, que seguir as regras da IP, terá estampado no rótulo a frase “Campanha Gaúcha indicação de Procedência”.

Quais são as regras a seguir? Em primeiro lugar, a IP só é válida para vinhos tintos, brancos, rosés e espumantes. Vinhos fortificados, por exemplo, não levam o selo. Todas as uvas têm de ser procedentes de vinhedos na Campanha Gaúcha. Os vinhedos de uvas destinadas a vinhos tintos devem ter um rendimento máximo de 10 toneladas por hectare. Para vinhos branco, 12 toneladas. E para espumantes, 15.

 

Infográfico da Campanha Gaúcha (Divulgação/Divulgação)

São permitidos vinhos feitos a partir de 36 variedades de uva diferentes, sendo algumas bem pouco comuns no Brasil, como a french colombard ou a longanesi. Todas essas variedades, porém, constam do Cadastro Vitícola da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) como plantadas na região. “Muitas são apenas plantações experimentais, para testes”, diz Pötter. Segundo ele, além da tannat, candidata natural a estrela da região fronteiriça com o Uruguai, outras castas que se destacam na Campanha são a sauvignon blanc, a chardonnay, a merlot, a pinot noir, a tempranillo e a touriga nacional.

Aprovado pelo Inpi no início de maio deste ano e protocolado em dezembro de 2017 pela associação de produtores, o pedido da nova Indicação Geográfica foi precedido de um trabalho de 5 anos de pesquisa, discussões e estudos de um grupo interdisciplinar coordenados pela Embrapa Uva e Vinhos do Rio Grande do Sul.  Por que IP e não DO? Os produtores optaram pela IP, primeiro, porque as regras são menos rígidas do que as da DO. “Consideramos que não estávamos preparados para uma DO”, diz Pötter. “A DO é um processo mais detalhado. Ela não permitiria, por exemplo, as vinícolas que têm sede na Serra Gaúcha plantarem aqui e vinificarem lá. A IP estabeleceu um prazo de transição de dez anos para essas empresas passarem a processar as uvas aqui.”

Outra questão é a extensão do território da Campanha. A Campanha é gigante. “O natural é que, na sequência, surjam várias DOs de regiões menores dentro da Campanha”, diz Pötter. Segundo ele, ainda é difícil prever quais seriam, mas há três regiões que concentram estabelecimentos vinícolas: a região de Uruguaiana, no extremo oeste do estado, na fronteira com a Argentina; a região entre Santana do Livramento e Rosário e a região entre Dom Pedrito e Candiota.

Situada entre os paralelos 29o e 32o Sul, a Campanha Gaúcha está na mesma faixa de latitude de algumas das mais prestigiadas regiões vitivinícolas do mundo, como Argentina, África do Sul, Nova Zelândia e Austrália. Além disso, segundo René Ormazabal Moura, sócio-diretor da Bodega Sossego, a região investiu bastante em tecnologia e know-how a partir da década de 1990. Foram implantando vinhedos nas melhores parcelas, compradas mudas selecionadas e adotadas práticas vitivinícolas de excelência, com o apoio de estudos técnicos e a consultoria de profissionais brasileiros e internacionais. “Por serem fruto de investimentos tão recentes, as vinícolas contam com infraestrutura bastante moderna e tecnologia de ponta – tanto nos vinhedos como nas cantinas,” afirma. Não há como não ser um sucesso. Quem já provou os vinhos da região, há de concordar.

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