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Vinhos: a estratégia do turismo voluntário

Ann Mah © 2016 New York Times News Service Como amante de vinho de imaginação ativa, eu sempre idealizei a colheita da uva francesa como uma festa ensolarada, com almoços embriagados ao ar livre, camponeses de bochechas rosadas esmagando a fruta com os pés descalços e uma coleta despreocupada. Mas, na primeira manhã de uma semana […]

COLHEITA DA UVA: no Domaine Rouge-Bleu, perto de Sainte-Cecile-les-Vignes, turistas são voluntários na plantação — uma experiência única para estrangeiros e uma redução de custos  para os donos das vinícolas   / Andy Haslam/ The New York Times

COLHEITA DA UVA: no Domaine Rouge-Bleu, perto de Sainte-Cecile-les-Vignes, turistas são voluntários na plantação — uma experiência única para estrangeiros e uma redução de custos para os donos das vinícolas / Andy Haslam/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 7 de outubro de 2016 às 12h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.

Ann Mah © 2016 New York Times News Service

Como amante de vinho de imaginação ativa, eu sempre idealizei a colheita da uva francesa como uma festa ensolarada, com almoços embriagados ao ar livre, camponeses de bochechas rosadas esmagando a fruta com os pés descalços e uma coleta despreocupada.

Mas, na primeira manhã de uma semana que passei trabalhando em um vinhedo da região de Champagne, as nuvens estavam baixas e nubladas, uma agourenta massa sombria esperando sua hora para desabar. Vesti botas de borracha, compradas menos de 30 minutos antes, o menor par de uma loja de artigos para jardinagem e, mesmo assim, três números acima do meu.

Manejei uma tesoura de poda, cujos cabos laranja brilhavam em meio às folhas de uva encharcadas de orvalho enquanto caçava o broto certo para cortar. A folhagem me arranhava, áspera como um jornal, e os punhos do meu suéter, espreitando por trás das mangas de uma capa de chuva emprestada, viraram algemas que provocavam coceira com a lã ensopada.

Por fim, minha podadeira tosou o broto certo, e um punhado de uvas caiu na minha mão estendida. Enquanto eu procurava o próximo cacho, um tamborilar suave começou a ecoar pelo vinhedo; ele virou uma batida urgente antes que eu percebesse o que era: chuva. À minha frente, fileiras de parreirais que se estendiam até onde a vista alcançava, num verde luxuriante, carregado de frutas.

Eu havia ido aos morros ondulantes de Champagne para participar da antiga tradição de “les vendanges”, a colheita anual de uva que ocorre no final do verão. Da coleta à prensagem e à fermentação do suco, a colheita – que dura de duas a três semanas – gera uma enormidade de tarefas extras, e a maioria das vinícolas recorre em peso ao trabalho temporário, pago ou não.

Em troca de longos dias de trabalho, elas costumam oferecer refeições, vinho e alojamento, fazendo disso as férias ideais para um mochileiro. E, como descobri quando me voluntariei em setembro na AR Lenoble – vinícola familiar de Champagne em Damery, oito quilômetros a noroeste de Epernay – a camaradagem, as vistas impressionantes dos vinhedos e um raro vislumbre da cultura francesa quase fazem sumir as dores nas costas. E o champanhe que roda solto ajuda.

Antes dos tragos de champanhe, todavia, eu tinha de bater perna. As vinícolas que ainda colhem à mão – principalmente as regiões mais importantes como Champagne, Burgonha, Bordeaux e Châteauneuf-du-Pape – seguem as rígidas leis trabalhistas francesas, sobretudo durante a época da colheita. Os voluntários ficam em uma categoria indefinida, mas algumas vinícolas relutam em correr o risco.

Por outro lado, existe uma tradição atemporal da colheita voluntária da uva – tão antiga, talvez, quanto o vinho em si – criada pelo próprio volume da atividade urgente requerida para colher as frutas maduras e iniciar a fermentação supervisada. Muitas propriedades, em especial as familiares e de pequeno porte, ainda recebem voluntários em troca de comida e alojamento, mas seguem um princípio essencial: discrição.

“A ajuda voluntária é claramente a forma como sempre se fez na França”, conta Caroline Jones, vinicultora da Domaine Rouge-Bleu, pequena vinícola de Côtes du Rhône, da qual é sócia com o marido, Thomas Bertrand. “Para nós, é uma questão de qualidade. Queremos sempre colher nossas uvas à mão, mas o custo de uma equipe de colhedores é muito elevado para nós. Ao usar os voluntários, temos um grupo de pessoas entusiasmadas de estar aqui, e elas se envolvem pessoalmente.”

Vários meses atrás, mandei um e-mail para três pequenas vinícolas francesas, oferecendo meus serviços (gratuitos). Para a minha surpresa, todas responderam com um convite – uma vinícola por um dia, as outras duas para a colheita inteira.

No fim das contas, escolhei o tipo de vinho do qual gosto mais. E foi assim que me vi colhendo uvas pinot meunier em meio a uma breve tempestade na região de Champagne.

De manhã cedo, por volta das 8h, consegui uma carona da vinícola a este trecho de vinhas acima de Damery. Enquanto eu descia do furgão da fazenda, Hervé Blondel, um dos gerentes da vinícola, me entregou um balde e um par de tesouras de poda e me encaminhou para o trabalho de coleta da fruta sem entrar em muitos detalhes.

Os vinhedos da Lenoble estão espalhados pela região em pequenas áreas – um trecho de chardonnay aqui, outro de pinot noir ali, com cada terreno conferindo uma nota característica à personalidade do vinho.

O centro da operação continua sendo a vinícola, enfiada dentro do vilarejo de Damery, entre a igreja e a escola. A espaçosa construção do século XVIII – antes a residência dos atuais donos da Lenoble, os irmãos Anne e Antoine Malassagne – conta com escritórios, uma bela e moderna “cuverie”, onde ficam os tonéis de fermentação, e uma teia de adegas frias onde a temperatura nunca passa dos 12,8º Celsius.

No andar de cima, salas amplas e vazias se tornam, durante a colheita, um dormitório. Uma seção abrigava quatro rapazes poloneses robustos que vieram de Gdansk para operar as antediluvianas prensas de uvas; outra área estava separada para mim, a única mulher.

Eu havia sido avisada de que os alojamentos seriam espartanos. No final daquele primeiro dia nas vinhas, contudo, até mesmo a mobília simples do meu quarto parecia atraente, com a cama de solteiro e o cabideiro banhados de sol do fim do dia. No canto oposto do quarto vazio, o banheiro tinha azulejos rosa que deviam datar de 1963, mas só notei a água quente no chuveiro.

Os dias de colheita foram longos, mas incluíam uma pausa grande para aquela venerável instituição francesa: o almoço. Toda tarde, nós nos reuníamos na longa mesa da cozinha, uma mistura de poloneses que não falavam francês, franceses que não falavam polonês e eu.

Eu sonhara com os pratos cozinhados sem pressa que lera em livros de culinária como “Recipes From the French Wine Harvest” (receitas da colheita de vinho francesa), mas sua autora, Rosi Hanson, disse que: “Cada vez mais famílias, principalmente as esposas e filhas, trabalham fora agora e não estão disponíveis para cozinhar”. Mesmo assim, as refeições, fornecidas por um bufê local, ofereciam quatro pratos substanciosos, como salada de cenoura ralada e cozido de vitela, acompanhados por queijo e sobremesa.

Antes de chegar a Champagne, eu me perguntava: Será que os longos dias de trabalho físico seriam relaxantes?

A resposta, creio eu, veio na minha primeira tarde colhendo uva. Enquanto trabalhava, eu me sentia em uma espécie de estado meditativo. Colher uva não exige nenhuma habilidade particular nem treinamento, somente alguma agilidade. Esse trabalho era o contrário da minha rotina diária sedentária: ele cansava meu corpo e deixava livre a minha mente.

“Posso me juntar a você?” Era uma idosa que a equipe chamava de “ma mère”. Enquanto colhíamos juntas, falamos de seus netos e, por estarmos na França, das coisas que ela mais gostava de cozinhar. “Prepare um assado com batata fatiada, cebola, ‘crème fraîche’, mexilhões e vieiras. Deixe assar por 30 minutos no forno. Eu preparo para o Natal. Combina bem com champanhe”, contou ela. Continuamos colhendo em silêncio por alguns minutos. “Talvez você prepare esse prato e pense em mim”, disse a senhora.

Nunca soube seu nome, mas ela me deu o melhor tipo de lembrança.

Como ser voluntário na colheita da uva

Eis algumas coisas que você precisa preparar antes de sua experiência na vindima:

Seja flexível. A colheita acontece de meados de agosto ao final de setembro, e cada vinícola decide as datas com apenas um ou dois dias de antecedência. Falar francês ajuda, mas não é obrigatório.

Escolha uma região menos conhecida. As vinícolas de regiões famosas como Bordeaux, Champagne e Burgundy são inundadas por voluntários ávidos; elas também são as mais cheias de regras. Em vez disso, “concentre-se em um tipo diferente de vinho”, explica Rosi Hanson, autora do livro de receitas. Certifique-se de escolher uma região que colha à mão e não com máquinas, o que exige um número muito menor de pessoas.

Passe a frequentar a loja de vinho local. A forma mais fácil de virar voluntário da vindima é conhecendo um vinicultor. “É mais fácil do que se imagina. É muito comum perguntar se eles têm contatos”, diz Rosi. Muitas lojas locais também organizam eventos e degustações com vinicultores que “podem ser uma boa forma de forjar um relacionamento”.

Procure vinícolas pequenas e familiares. A World Wide Opportunities on Organic Farms coloca voluntários em contato com agricultores independentes, incluindo vinicultores, por meio do seu site, wwoof.net. Os membros pagam 25 euros para se registrar e terem acesso ao banco de dados de hospedeiros que oferecem quarto e comida em troca de ajuda.

 

 

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