Relógios expostos no salão Baselworld: será o fim do maior evento do setor no mundo? (Stefan Wermuth/Bloomberg/Getty Images)
Ivan Padilla
Publicado em 14 de abril de 2020 às 13h02.
Última atualização em 5 de abril de 2021 às 20h06.
O mundo do luxo acordou com uma bomba relógio hoje de manhã. Em um comunicado que acaba de ser divulgado, cinco grandes maisons – Rolex e sua segunda marca Tudor, Patek Philippe, Chopard e Chanel – anunciaram que estão deixando Baselworld, a maior feira do segmento do mundo.
Essas marcas organizarão agora um outro salão em parceria com a Fondation de la Haute Horlogerie, que organiza a feira Watches & Wonders, do grupo Richemont. O novo salão acontecerá em abril de 2021, em Genebra, ao mesmo tempo que a Watches & Wonders.
O comunicado foi assinado pelas cinco marcas e distribuído pela Rolex, o que sinaliza uma liderança do movimento. O nome do novo salão ainda não foi anunciado. A carta cita como motivo uma série de decisões unilaterais tomadas pela organização da Baselword, como a de adiar o salão para janeiro de 2021.
Como tem acontecido em outros setores, alguma mudança já podia ser vislumbrada, mas foi precipitada pela crise provocada pela pandemia do coronavírus – e de forma bastante abrupta. Baseworld aconteceria em maio, mas acabou sendo cancelada. Com o cenário incerto, Rolex e Patek Philippe decidiram não anunciar nenhum lançamento este ano, e teriam pedido ressarcimento dos investimentos feitos à feira da Basileia. Como aparentemente não houve acordo, o mercado relojoeiro foi surpreendido no café da manhã com o explosivo comunicado. O futuro da Baseworld agora é incerto.
O duelo histórico entre os salões
Para entender a revolução que isso significa para o mercado de alta relojoaria é preciso voltar no tempo. Em 1917 aconteceu o primeiro salão que originaria Baseworld. De lá para cá, todo ano, na cidade da Basileia, na Suíça, as grandes marcas apresentavam seus lançamentos para a imprensa e os revendedores do mundo inteiro. Era o grande momento da temporada da indústria.
Em 1991, aconteceu a primeira grande cisão. O grupo Richemont, que tem hoje em seu portfólio Cartier, Montblanc, Panerai e IWC, entre outras, considerou ter musculatura suficiente e decidiu sair da Baseworld para formar o Salon de la Haute Horlogerie (SIHH), um salão à parte para suas marcas próprias e convidadas, em Genebra.
Durante as últimas duas décadas, esse mercado se dividiu entre duas grandes feiras. Era uma espécie de Barcelona e Real Madrid dos ponteiros, que dividia as grandes marcas e representavam o melhor do segmento. De um lado, Baseworld, mais tradicional, com mais participantes, mais democrática, com relógios para todos os bolsos.
Do outro, SIHH, menor, mais boutique, mais exclusiva, voltada para o alto luxo, em que os convidados podiam almoçar ou tomar um vinho de boa safra nos restaurantes de alto padrão espalhados pelo salão do Palexpo, em Genebra. Tudo all inclusive e com tratamento cinco estrelas. A EXAME cobriu a edição de 2019.
Modelo de feira em debate
Nos últimos anos, o número de marcas participantes e de convidados das duas grandes feiras vinha diminuindo gradualmente. O cenário coincidiu com o surgimento dos smartwatches, em especial o Apple Watch, que no ano passado vendeu mais unidades do que toda a indústria relojoeira suíça. Falar com os jovens tem sido o grande desafio dessas maisons centenárias. E o sucesso dos relógios inteligentes deixou a questão mais evidente.
Assim como acontece com os grandes salões de automóveis, o modelo de feiras da relojoaria passou a ser questionado. Quando esses eventos foram concebidos, não havia redes sociais. A apresentação física dos produtos, seja um carro ou um relógio, trazia o efeito surpresa. O meio físico importava mais.
Os salões de relojoaria, por serem abrangentes, atraem públicos variados. Isso é bom por um lado, mas para algumas marcas quantidade não significa qualidade. Também são considerados investimentos caros. Estima-se que um estande na SIHH poderia custar algo em torno de 5 milhões de euros. Então no ano passado algumas mudanças começaram a ser ventiladas – em alguns casos, como se verá aqui, provisórias.
Os novos salões
Em outubro do ano passado, foi anunciada a primeira grande mudança nesse duopólio das feiras de relojoaria. O SIHH passaria a ser chamado de Watches & Wonders. Saia o pomposo nome em francês, entrava em cena o globalizado idioma inglês, talvez mais palatável aos miliennials.
A mudança mais significativa foi de data. Em vez de ser realizado em janeiro, o agora Watches & Wonders passaria a acontecer em abril, na sequência de Baseworld. Era uma espécie de aliança informal, uma forma de fazer com que jornalistas e revendedores aproveitassem a mesma viagem para conhecer os lançamentos de todas as marcas, e não se dividissem entre os dois eventos, escolhendo um ou outro, como costumava acontecer . O concorrente verdadeiro de um relógio mecânico, afinal, não era mais o modelo da marca vizinha suíça, e sim os tecnológicos smartwatches.
Em janeiro, outra bomba. Em um resort em Jumeirah Bay Island, uma ilha artificial em forma de cavalo-marinho de Dubai, aconteceu a LVMH Watch Week, primeira feira de relojoaria do grupo, em que a EXAME também esteve presente. Entre um e outro passeio a praias privativas, os convidados puderam ver os lançamentos das quatro marcas do conglomerado nesse segmento: Bulgari, Hublot, Zenith e TAG Heuer. Essas marcas também participavam antes da Baselworld.
Com a pandemia do coronavírus, tanto a Baselword como a Watches & Wonders foram canceladas. Falou-se então que as marcas fariam eventos menores e que a Watches & Wonders poderia acontecer em Miami. O mercado de alta relojoaria assim se esfacelava, no que parecia ser um Brexit dos movimentos mecânicos, com estratégias independentes de marcas ou pequenos grupos.
Até o comunicado de hoje. Nesses tempos tão incertos para a economia em geral, e para o mercado de luxo em específico, é difícil cravar certezas. A se confirmar o novo salão das marcas rebeldes lideradas pela Rolex, uma nova geopolítica da relojaria está se desenhando.