MELLY BARAJAS CÁRDENAS, DE PRETO, COM AS FUNCIONÁRIAS DA DESTILARIA: “Somos pequenos, não uma grande marca no mercado. Temos que fazer as coisas de modo diferente” / Lindsay Lauckner Gundlock/The New York Times
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2018 às 11h00.
Mais de duas décadas atrás, quando Melly Barajas Cárdenas e seu pai estavam de férias em Mazamitla, México, ele lhe disse que queria uma tequila com seu nome. Na época, Barajas Cárdenas era estilista em Guadalajara, sua cidade natal.
“Eu não sabia nada sobre tequila, mas era o desejo do meu pai”, disse ela, que se recusou a dar sua idade, em uma entrevista telefônica recente realizada em espanhol. Mas decidiu que ia descobrir uma maneira de realizá-lo. Bateu de porta em porta, pedindo ajuda a vários produtores de tequila, e finalmente encontrou um que produziu uma série de garrafas para ela.
Barajas Cárdenas rapidamente percebeu que queria fazer mais.
“No início, tinha um objetivo, não era algo que eu quisesse fazer. Meu negócio de roupas estava bem. Ia ao escritório, voltava para casa, era fácil, mas, quando cheguei à indústria de tequila, adorei. O aroma, o sabor, tudo era maravilhoso.”
Em 1999, ela abriu sua própria destilaria, a Raza Azteca, em Jalisco. Na época, de acordo com uma estimativa do Conselho Regulador de Tequila do México, que certifica a bebida com denominações de origem, oito ou nove dos 79 produtores eram mulheres. (Hoje, o número é 12 em 152, ou oito por cento.)
“Ela é uma das poucas mulheres na posição de mestre destiladora”, disse Andy Coronado, proprietário de La Gritona, empresa de Los Angeles que trabalha com Barajas Cárdenas para produzir e engarrafar sua tequila. Ele a descreveu como protetora de seu povo, conhecedora de seu ofício, durona e, às vezes, excêntrica.
“Ela sempre pede Coca-Cola e um filé quando saímos para comer. Afasta os legumes para o canto do prato e diz: ‘Essa é a comida da minha comida”, contou Coronado.
A Raza Azteca produz tequila 100 por cento, que não é misturada com açúcar ou sabores químicos, para três marcas: El Conde Azul, Espectacular e Leyenda de México, além de outras empresas, como La Gritona, Sino Tequila e La Quiere.
“Ser mulher nesta indústria dá muito trabalho. É um mundo de homens. Quando comecei, as pessoas me diziam: “Uma mulher nesse setor? Você não vai conseguir. Cansei de ouvir esses comentários”, disse Barajas Cárdenas.
E ela não se dedica apenas a seu próprio progresso: desde o início, contratou principalmente mulheres para trabalhar para sua empresa, a Vinos y Licores Azteca.
“Quando comecei, publiquei anúncios de emprego para mulheres e homens, mas aqui nas cidadezinhas elas são em maior número, porque muitos deles saíram para procurar oportunidades de emprego nos EUA.” Então, as mulheres preencheram todas as vagas, incluindo aquelas que são tradicionalmente executadas por homens.
“Desde as meninas nos campos de agave até as que o cozinham, processam a fermentação, são todas mulheres. Parte do processo é muito trabalhoso, como cortar o agave. A maioria dos homens poderia fazer isso mais rápido, mas não o caso delas. Só leva um pouco mais de tempo.”
Na criação de sua destilaria, Barajas Cárdenas entrou em um mercado dominado por grandes empresas como Herradura, Patrón e Sauza. “Elas são bem maiores e querem nos engolir”, afirmou. Ela se preparava para fazer um produto que ia se destacar por permanecer fiel ao patrimônio da região. “É a tequila como nossos avós bebiam.”
Em vez de máquinas industriais, sua destilaria usa fornos de alvenaria, feitos a partir do solo onde o agave azul é plantado. Isso amplia o processo de cozimento de oito para 24 horas (com mais 24 de descanso). Normalmente, o próximo passo, a fermentação, é feito com aditivos e dura um ou dois dias, mas Barajas Cárdenas prefere o processo natural, que leva quase uma semana. Todos os componentes de embalagem, como rótulos, tampas e garrafas, são feitos no México.
“Somos pequenos, não uma grande marca no mercado. Temos que fazer as coisas de modo diferente”, afirmou.
Barajas Cárdenas disse que o desafio mais difícil ocorreu quando abriu a destilaria. Ainda não tinha seus próprios campos de agave e queria usar plantas que tivessem de 8 a 10 anos de idade e cultivadas em terras altas. (Alguns especialistas argumentam que o terroir é tão relevante para a tequila quanto para o vinho.)
“Tinha que me levantar bem cedo e ir de um campo de agave a outro para achar o que eu queria.” Na época, conseguia produzir 300 litros por mês; agora, sua destilaria faz essa quantidade diariamente.
Nos quase 20 anos em que produz a bebida, a quantidade de tequila 100 por cento que Jalisco produz mais do que dobrou, mas a proporção de homens e mulheres no setor não mudou muito.
Mesmo assim, Barajas Cárdenas continua esperançosa. “Digo às mulheres que podem fazer tudo o que quiserem. Não somos melhores ou piores que os homens. É difícil, mas certamente podemos fazer o que quisermos. O céu é o limite.”
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