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Uma tarde com Ana Maria Machado, presidente da ABL

A presidente da Academia Brasileira de Letras conta como Manguinhos, uma vila capixaba de pescadores, influenciou seu jeito de escrever

A escritora na Academia Brasileira de Letras: “Nunca fui de puxar muita angústia” (Andre Valentim)

A escritora na Academia Brasileira de Letras: “Nunca fui de puxar muita angústia” (Andre Valentim)

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Da Redação

Publicado em 26 de junho de 2012 às 11h02.

São Paulo - A carioca Ana Maria Machado não consegue dizer ao certo quanto tempo trabalhou como jornalista, quantos livros escreveu nem quantos países conhece. Mas sabe exatamente o que significa para sua obra e seus 70 anos de idade o número 201 da principal avenida de Manguinhos, uma aldeia de pescadores com pouco mais de 1,5 mil habitantes, a 30 km de Vitória (ES).

No vilarejo, quando nem luz elétrica havia, a hoje presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) já passava as noites cantando e ouvindo as histórias dos vizinhos.

Agora é para lá que retorna, uma vez por mês, em busca de sossego, caranguejo, casquinha de siri com cerveja, bobó de camarão, peroá com banana frita, banho de mar ao fim da tarde e inspiração – porque, nas palavras dela, Manguinhos é excelente para visitar os reinos silenciosos.

“Aqui eu leio muito, penso muito, fico muito quieta, trabalho muito. Tenho certeza de que, sem os verões em Manguinhos, eu escreveria de um jeito bem diferente”, diz a autora, na simpática casa que mantém no balneário capixaba. Moradora do Rio de Janeiro, ela ganhou em 2000 o Hans Christian Andersen, o mais importante prêmio do mundo destinado à literatura infantojuvenil.

“Sem Manguinhos, meus livros seriam diferentes pelo simples fato de que minha vida inteira também seria. Este recanto está ligado à minha família há cinco gerações.”

A casa fica de frente ao mar e exibe uma extensa varanda, cercada por goiabeiras, pés de maracujá, uma casuarina centenária e a pitangueira, que determinou em qual parte do terreno o imóvel seria erguido. Do tio Guilherme Santos Neves, renomado folclorista do Espírito Santo, Ana Maria herdou o gosto pelas manifestações populares que presenciava em Manguinhos na infância: o congo, a folia de reis e a festa do padroeiro são Sebastião. Com o avô, engenheiro que abriu a estrada de acesso à vila (antes só se chegava até lá de canoa), aprendeu a conhecer o jeitão da maré e o movimento das correntes.


Seu primeiro texto, Arrastão, publicado aos 12 anos na revista Folclore, trata das redes de pesca artesanal da região. Já o livro infantojuvenil Do Outro Lado Tem Segredos, de 2003, celebra os pescadores e as tradições locais, guardadas no coração da escritora, que, entre 1986 e 1988, trocou o Rio pelo lugarejo, na companhia do marido, o músico Lourenço Baeta, do grupo Boca Livre. “À época, buscávamos uma vida mais simples.

Minha filha caçula, Luísa, ia à escola com os nativos”, relembra. Era o projeto Mã-Mã, Manhattan-Manguinhos, em que o lado cosmopolita da romancista comungava com o recolhimento necessário à escrita. Metrópole e aldeia, aliás, sempre marcaram a trajetória da autora: uma horta, três filhos, dois netos e mais de uma centena de livros lançados em cerca de 20 países, que somam quase 20 milhões de exemplares vendidos.

Entre eles, destacam-se Alice e Ulisses (1983), seu primeiro romance para adultos, e Tropical Sol da Liberdade (1988), em que reuniu as memórias de um tempo difícil – a ditadura militar de 1964, o exílio na França, a prisão dos amigos.

Os dois títulos acabam de voltar às livrarias pela editora Alfaguara, na esteira da posse de Ana Maria como presidente da maior instituição das letras nacionais. “Sei que faz parte, mas não fico à vontade com os rituais do cargo”, confessa.

Durante a gestão na ABL, iniciada em dezembro, ela pretende terminar um romance de época passado no século 17, com escravos, índios e ecos do Brasil holandês. Também planeja levar adiante as comemorações internacionais dos centenários de dois acadêmicos: Jorge Amado (1912-2001) e Evandro Lins e Silva (1912-2002).

Seus outros projetos são: acordar mais cedo para dar conta das tarefas e, após deixar a presidência, tirar um ano sabático. O destino? Manguinhos, decerto. “Nunca fui de puxar muita angústia. Sou uma pessoa solar. Por isso, me sinto muito bem nesta vilazinha.”

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