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Um contador na ribalta

Ana Maria Bahiana, de Los Angeles O que seria de Hollywood sem os contadores? Quem tomaria conta dos milhões, bilhões e trilhões que entram e saem a cada semana, a cada lançamento, a cada contrato? Quem ajustaria os valores de perdas e ganhos nas múltiplas plataformas, estimaria o retorno de um projeto projetando seu custo […]

MARTHA RUIZ E BRIAN CULLINAN NO PALCO DO OSCAR: esta história é a história de milhares de outros peregrinos, correndo para a meca à beira do Pacífico desde os anos 1920 / Lucy Nicholson/ Reuters

MARTHA RUIZ E BRIAN CULLINAN NO PALCO DO OSCAR: esta história é a história de milhares de outros peregrinos, correndo para a meca à beira do Pacífico desde os anos 1920 / Lucy Nicholson/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 4 de março de 2017 às 08h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h29.

Ana Maria Bahiana, de Los Angeles

O que seria de Hollywood sem os contadores? Quem tomaria conta dos milhões, bilhões e trilhões que entram e saem a cada semana, a cada lançamento, a cada contrato? Quem ajustaria os valores de perdas e ganhos nas múltiplas plataformas, estimaria o retorno de um projeto projetando seu custo contra a renda de lançamentos semelhantes ou estabeleceria faixas de orçamento baseados nos riscos de cada gênero e nas probabilidades de seus astros e realizadores? Quem, mas quem, executaria a historicamente famosa “contabilidade criativa” pela qual mesmo lançamentos muitas vezes milionários sempre “dão prejuízo” quando chega a hora de pagar os pontos percentuais devidos a produtores, diretores, roteiristas e atores?

E, é claro, quem apuraria os votos dos prêmios que, anualmente, coroam os escolhidos de cada temporada? Durante onze meses, os contadores de grandes firmas como a Ernst & Young – que tabula os Globos de Ouro – e a PricewaterhouseCoopers, que contabiliza os votos dos Oscars – vivem sua vida de formiguinhas carregadeiras, nos nada glamurosos prédios do centro de Los Angeles, processando, entre muitos outros, os números de uma indústria que, só na Grande Los Angeles, tem um Produto Interno Bruto anual de quase um trilhão de dólares.

E durante um mês – de dezembro a janeiro, para os Globos, de janeiro a fevereiro, para os Oscars – eles têm um momento de glória. Culminando semanas de tabulação que irão selar e mudra os destinos de muita gente , contadores podem ter uma noite de êxtase: caminhando pelo tapete vermelho, lado a lado com as maiores estrelas do firmament hollywoodiano, as pastas que contém os destinos de todas eles presas aos seus pulsos com cadeados, contadores das firmas mais prestigiosas da cidade são fotografados, entrevistados, filmados, e ganham lugar de honra nas coxias do evento.

Onde, como agora se sabe em todos os detalhes, um deles, Brian Cullinan da PricewaterhouseCoopers, ocupadíssimo em fotografar estrelas para alimentar seu Twitter, entregou o envelope errado a Warren Beatty e Faye Dunaway, apresentadores da grande láurea da noite – melhor filme – causando o maior faux pas em 89 anos do prêmio de cinema mais ilustre do planeta. (O maior, mas não o único, nesta cerimônia: a foto de uma pessoa homenageada no quadro in memoriam era de alguém 100% viva; parte do cenário desabou durante a confusão que se instalou com o anúncio errado; e a audência da transmissão ao vivo caiu 4% em relação ao ano passado).

A falha de Brian Cullinan, grave por si mesma, teve uma série de agravantes patéticos: ele demorou mais de dois minutos para perceber o que tinha acontecido, não alertou sua parceira de contabilidade, Martha Ruiz, que tinha um outro jogo de envelopes, e recusou-se a entrar no palco para entregar o envelope correto e esclarecer o que tinha se passado. Isso depois de uma longa conversa, no dia anterior, com os produtores de cena, onde todas as contingências tinham sido analisadas e discutidas – inclusive esta, a da entrega de um envelope errado.

Duas coisas são fascinantes nesta comédia de erros. Uma é fato de, uma semana depois, este ainda ser um dos assuntos mais comentados nesta cidade . Não é por falta de outros assuntos muito mais graves e urgentes – é porque a Academia e por extensão os Oscars representam a Casa Branca da indústria que é o sangue desta cidade e um dos pilares que sustentam a economia do estado da Califórnia. “Foi como um pesadelo”, disse o produtor Michael de Luca, responsável pela produçãoe executive do evento este ano. “Foi aquilo que mais tememos e achamos que nunca ia acontecer. Foi como o Titanic e o iceberg. Titanic, o navio impossível de afundar…” (Para quem se interessa: segundo De Luca, os bastidores do Dolby, naquele momento eram “como uma cena de crime num filme ou série, todo mundo correndo, sem saber quem era a vítima, quem era o culpado.”)

A outra é porque, em torno do faux pas de Brian Cullinan (que, assim como Martha Ruiz, está banido dos Oscars em perpetuidade) há mais uma das histórias exemplares que são, também, o sangue desta cidade:Brian, o contador, sonhava ser estrela. Nem que fôsse por uma noite. Por alguns minutos de uma noite.

Exposto durante quatro anos à super contagiosa poeira de estrelas do tapete vermelho e das coxias do Dolby, Brian sonhava com uma participação na festa, algo além da caminhada ritual e as poses para as câmeras. A cada ano ele fazia uma nova proposta, sempre vetada pela produção. Este ano ele propôs um esquete completo em parceria com Martha Ruiz, “algo envolvendo Matt Damon”, segundo um dos produtores.

Foi vetado de novo. Teria compensado com um frenesi de selfies nos bastidores? Com um distanciamento crítico das luzes da ribalta, que ao mesmo tempo o atraíam e rejeitavam? Esta história é a história de milhares de outros peregrinos como ele, correndo para a meca à beira do Pacífico desde os anos 1920. No caso de contadores, pelo jeito, o final não é feliz. Porque para esta máquina funcionar cada qual deve estar no seu devido lugar.

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