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Se quiser uma cerveja, vá à Inglaterra

Inglaterra liberou reabertura de restaurantes, bares e cafés, o que significa que pubs em Llanymynech podem voltar a atender clientes depois de 100 dias

Clientes no Bradford Arms, em Llanymynech: bares e pubs começaram a reabrir na Inglaterra (Andrew Testa/The New York Times)

Clientes no Bradford Arms, em Llanymynech: bares e pubs começaram a reabrir na Inglaterra (Andrew Testa/The New York Times)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 20 de julho de 2020 às 11h23.

Última atualização em 20 de julho de 2020 às 15h32.

Llanymynech, Inglaterra – Em tempos normais, ninguém percebe a fronteira invisível entre a Inglaterra e o País de Gales que atravessa Llanymynech, vilarejo que conta com uma agência dos correios, uma igreja e nada menos que três pubs.

Mas a fronteira anglo-galesa, palco de muitas disputas em séculos anteriores, voltou a se tornar uma frente de batalha, desta vez para os cervejeiros britânicos.

A Inglaterra liberou a reabertura de restaurantes, bares e cafés, o que significa que dois pubs em Llanymynech podem voltar a atender os clientes depois de 100 dias fechados por causa do bloqueio do coronavírus.

Menos de cem metros adiante, no lado galês do vilarejo, o Dolphin Inn seguia com as portas trancadas, de acordo com as regras estabelecidas pelo governo do País de Gales, que só permitiu a reabertura dos pubs e a venda de bebidas alcoólicas no dia 13 de julho – mesmo assim, apenas em jardins e outros espaços a céu aberto.

Essa situação atraiu a imprensa para o vilarejo e lembrou os moradores da existência de uma fronteira administrativa – mais parecida com uma divisa estadual do que com uma fronteira internacional com pontos de checagem de passaportes – que atravessa o vilarejo, cortando um prédio ao meio, e depois serpenteia pela zona rural da cidade.

Isso forçou John Turner, proprietário do pub que continuava fechado, o Dolphin Inn, a reconsiderar seu futuro e sua continuidade no ramo dos bares. Contudo, isso não o impediu de tomar uma cerveja no concorrente Bradford Arms – que fica na Inglaterra –, onde refletiu filosoficamente enquanto bebia uma caneca de chope.

"É ridículo. Claro que as fronteiras existem, mas demos o azar de estar justamente em cima de uma", disse o inglês a respeito das restrições.

Não é a primeira vez que os pubs de Llanymynech são separados pela fronteira anglo-galesa. No início de 2006, o País de Gales proibiu o fumo dentro de bares fechados, uma medida que só seria aprovada na Inglaterra em meados de 2007. Nesse ínterim, muitos fumantes foram para os pubs ingleses.

No fim da rua do Bradford Arms fica um antigo hotel cortado ao meio pela fronteira anglo-galesa. No passado, um dos bares do hotel fechava as portas aos domingos, quando os bares ingleses podiam abrir, mas os galeses tinham de ficar fechados.

Clientes em Cross Keys, na Inglaterra (Andrew Testa/The New York Times)

As regras são diferentes agora, pois o governo galês em Cardiff tem poder sobre questões como saúde, educação e administração pública. Assim como a Escócia, o País de Gales adotou uma abordagem mais rígida que a Inglaterra em relação ao coronavírus, mantendo as restrições de viagens, por exemplo, e esperando mais tempo para autorizar a reabertura do comércio não essencial.

O País de Gales planeja reabrir o setor de hospitalidade mais lentamente, em parte devido às críticas dos cientistas de que a Inglaterra está correndo um risco desnecessário ao reabrir pubs, restaurantes e muitos outros negócios simultaneamente – e em pleno sábado, quando as pessoas costumam beber mais. Especialistas em saúde pública dizem que espaços abertos oferecem menos riscos de transmissão do vírus e, por essa razão, os clientes dos pubs galeses só poderão se reunir em jardins e estacionamentos quando as restrições diminuírem, ao menos inicialmente.

Tudo isso forçou os moradores da fronteira a pensar no lugar onde vivem, quem é responsável pela tomada de decisões e quem pode ser culpado por qualquer inconveniência.

"Geralmente, nem pensamos na fronteira, mas isso agora virou uma dor de cabeça, já que o País de Gales tomou decisões diferentes", comentou Ruth Allcock, professora de ginástica aposentada do vilarejo vizinho de Pant, na Inglaterra, enquanto se dirigia ao Bradford Arms com o marido para almoçar.

Allcock acrescentou que as restrições de viagem impostas pelo governo galês dificultaram o contato entre ela e os netos que vivem do outro lado da fronteira. "A Inglaterra que conhecíamos parece não existir mais", acrescentou Allcock.

Dentro do pub, algumas pessoas estavam felizes por retornar a sua mesa predileta, incluindo o jardineiro Jonathan Lawley, que parou no estacionamento do pub dez minutos antes do horário programado para a abertura, às 11h30. "Se tivessem aberto as portas às seis da manhã, estaria aqui às dez para as seis", disse.

Mas, na agência dos correios e no mercado que ficam do lado galês do vilarejo, Jennifer Bridger contou que ela e o marido não sairiam para beber antes que pudessem completar "o triângulo" – ou seja, visitar os três pubs da cidade.

"Não temos predileção", afirmou Bridger, acrescentando que, embora a agência dos correios fique a menos de cem metros da fronteira, ela foi à Inglaterra uma única vez durante o bloqueio.

Um pouco além, no País de Gales, Gareth Powell, dono de uma propriedade de cerca de 77 hectares, planejava se aventurar em um pub em outra cidade inglesa, atravessando uma fronteira tão disputada nos séculos passados que o agricultor já encontrou um punhado de balas de mosquete em suas terras.

A região já era ocupada na Era do Bronze e também teve assentamentos romanos, e Powell acredita que sua casa foi construída no local onde antes ficava o Castelo de Carreghofa, que teria sido destruído no século XIII.

"Essa sempre foi uma área fronteiriça e eles fazem tudo diferente só para mostrar serviço. Se fizessem o mesmo que os ingleses, não haveria razão para estarem ali, não é mesmo?", questionou Powell, que não está muito contente com as decisões do governo galês.

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