Rubem Fonseca: o autor de Os Prisioneiros (1963) era, sim, um mestre tanto na escrita policial como na ironia, que o tornaram no grande incentivador da escola do romance urbano brasileiro (Foto/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 15 de abril de 2020 às 21h25.
Última atualização em 15 de abril de 2020 às 21h25.
Uma das anedotas preferidas da escritora Lygia Fagundes Telles envolvia Rubem Fonseca: quando ela venceu o Prêmio Camões, em 2005, eles almoçaram em comemoração e ele a pediu em casamento, pois o vencedor fatura 100 mil euros. O engraçado é que o próprio Fonseca vencera dois anos antes, para gargalhadas de Lygia.
O autor de Os Prisioneiros (1963) era, sim, um mestre tanto na escrita policial como na ironia, que o tornaram no grande incentivador da escola do romance urbano brasileiro. Escritor morreu nesta quarta, 15, aos 94 anos, vítima de um enfarte.
A começar pela obsessão pela privacidade e aversão a fotos e entrevistas, que o tornavam um cidadão comum em qualquer lugar, apesar da fama. Dele, sabia-se ainda que foi um camelô que vendia gravatas no centro do Rio e também delegado de polícia, nos anos 1950 e 60.
A experiência policial foi decisiva na definição do estilo seco e direto com que retratou o mundo do crime em seus contos mais famosos, como os que figuram em Os Prisioneiros, A Coleira do Cão (1965), Lúcia McCartney (1967) e Feliz Ano Novo (1975), um dos livros proibidos pelo governo militar por fazer "apologia da violência" e conter cenas e expressões atentatórias "à moral e aos bons costumes".
Com essas histórias, Fonseca inaugurou a moderna literatura urbana no Brasil, ao revelar as entranhas da sociedade e antecipar a escalada de violência no País. O que o destaca sempre foi sua habilidade em conduzir uma história, fornecendo aos poucos os detalhes para o leitor, prendendo-o à narrativa.
Apesar de ser mestre da prosa curta, que marcou o início de sua carreira literária, Fonseca também se destacou nos romances, que constituem a segunda fase de sua ficção. Como bem observou o crítico Silviano Santiago, nas obras que vão de A Grande Arte (1983) a Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos (1988), há um requinte, uma aspereza e uma depreciação no manuseio do saber armazenado pelas enciclopédias, pelos tratados das ciências exatas e humanas.
"Esse saber assegura certa soberania para o trato da erudição na terceira fase, em que o ficcionista acossado se sai com coragem e brilhantismo invulgares - ou seja, com deliciosos, arrebicados, injuriosos, luxuriosos e libidinosos nonsenses", observa.
Trata-se do momento em que Fonseca aposta novamente nas narrativas de linguagem enxuta mas mais provocativa - em Diário de um Fescenino (2003), ele aproveitou a estrutura de diário para, com fina ironia, revelar suas apreensões e confissões.
Era como se conseguisse uma estranha remissão às obras passadas, especialmente quando se aventurou de forma delicada e precisa no terreno amoroso (é o caso de Secreções, Excreções e Desatinos). Se não gostava de aparecer fisicamente, Fonseca revela-se por inteiro em sua escrita.