Restaurantes japoneses têm tomado medidas contra o abuso de clientes (Yuriko Nakao/Bloomberg)
Redator na Exame
Publicado em 1 de agosto de 2024 às 08h19.
No Japão, a cultura de atendimento ao cliente é conhecida por sua excelência e cortesia. Em lojas, restaurantes e hotéis, os funcionários são treinados para oferecer um serviço impecável, tratando os clientes com o máximo de respeito. Contudo, essa tradição de hospitalidade tem sido posta à prova diante de um aumento nos casos de assédio por parte dos consumidores, um fenômeno que vem sendo chamado de "kasuhara", ou assédio de clientes. A reportagem é do The New York Times.
Esse comportamento abusivo, embora presente em diversos países, ganha contornos únicos no Japão, onde as expectativas de serviço são excepcionalmente altas. A máxima de que "o cliente é rei" é levada ao pé da letra, o que muitas vezes coloca os trabalhadores em situações difíceis. Com o impacto da pandemia de COVID-19 e a crescente escassez de mão de obra, trabalhadores estão cada vez menos dispostos a tolerar abusos, e empresas e autoridades têm buscado formas de lidar com essa questão.
Incidentes de "kasuhara" têm se tornado cada vez mais visíveis, seja por meio de relatos na mídia ou de vídeos que se tornam virais nas redes sociais. Casos como o de um cliente que despejou 500 palitos de dente em sua tigela de ramen por não ter suas exigências atendidas ou o de um passageiro que atrasou um ônibus por 25 minutos ao insultar o motorista são apenas alguns exemplos que ilustram o problema.
De acordo com pesquisas conduzidas pelo Ministério do Trabalho do Japão e por sindicatos, entre 10% e 50% dos trabalhadores relatam ter sofrido algum tipo de assédio por parte dos clientes. Essa variação nos números reflete as diferentes percepções sobre o que constitui assédio, mas a tendência aponta para um aumento significativo nos casos reportados.
Em resposta a essa situação, algumas empresas japonesas começaram a adotar medidas para proteger seus funcionários. Entre as iniciativas, estão a remoção dos sobrenomes dos crachás dos empregados para evitar perseguições nas redes sociais e o desenvolvimento de tecnologias que ajudem a mitigar o impacto do comportamento abusivo, como serviços que alteram o tom de voz das reclamações recebidas em call centers.
Além disso, o governo japonês reconheceu a gravidade do problema e, em 2022, o Ministério do Trabalho emitiu um manual que define o que caracteriza o assédio por parte dos clientes. Entre os exemplos citados estão ameaças de exposição nas redes sociais, gritos excessivos dentro das lojas e exigências desproporcionais. O governo também revisou uma lei de 1948, permitindo que hotéis e outros estabelecimentos recusem atendimento a clientes que assediem os funcionários.
O sindicato UA Zensen, que representa trabalhadores de diversas indústrias, tem pressionado o governo a desenvolver regulamentos que exijam que todos os empregadores protejam seus funcionários contra o assédio de clientes. Essa proposta de lei seria semelhante às já existentes que responsabilizam os empregadores por proteger os trabalhadores contra assédio sexual ou abuso gerencial.
A mudança na mentalidade dos trabalhadores, especialmente entre os mais jovens, também tem impulsionado essas transformações. Os jovens, que cresceram em uma era de maior conscientização sobre os direitos trabalhistas, estão menos dispostos a aceitar comportamentos abusivos e mais propensos a abandonar empregos onde não se sentem respeitados.
Apesar das iniciativas em andamento, a resistência cultural e a pressão para manter a imagem de excelência no atendimento ainda são desafios significativos. Embora haja um movimento crescente para redefinir o que é aceitável no relacionamento entre clientes e trabalhadores, muitos ainda veem a tolerância ao abuso como parte do trabalho no setor de serviços. O equilíbrio entre manter altos padrões de atendimento e proteger os direitos dos trabalhadores continuará a ser uma questão desafiadora para o Japão nos próximos anos.