(AC Milan/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de maio de 2022 às 10h28.
E se ao invés de despejar dinheiro em um caminhão de contratações, a SAF do seu clube resolvesse adotar uma "tática" mais cautelosa? Em vez de grandes nomes, foco na gestão, muita responsabilidade financeira e a calma necessária para projetar as conquistas dentro de campo para um prazo mais longo. Essa linha, que vai de encontro ao que muitos torcedores sonham para os seus times hoje em dia, foi a escolhida pelo Milan, que no último final de semana voltou a ser campeão Italiano após 11 anos.
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Para se ter uma ideia do quão complicada era a situação, em 2018 a dívida rossonera atingia a casa dos 200 milhões de euros. Como se não fosse o bastante, o chinês Li Yonghong, que dois anos antes comprara o clube do até então dono, o italiano Silvio Berlusconi, ainda viu uma verdadeira debandada dos seus investidores. Foi quando tudo "caiu no colo" do fundo norte-americano Elliot Management.
Diante da pressão de salvar a instituição da falência (e de atender o anseio da torcida por ver o Milan de volta às glórias), a escolha feita foi por equilibrar as contas. A atitude, analisada pela especialista Juliana Biolchi, diretora geral da Biolchi Empresarial, mestre em direito e especializada em revitalização de empresas, negociações complexas e recuperação extrajudicial, foi fundamental para a vida do clube.
"O Milan é a prova de que só dinheiro não vai resolver o problema dos clubes. É preciso um conjunto de ações que levarão à eficiência. Medidas precisam acontecer para gastar menos e melhor, e arrecadar mais. Do contrário, o dinheiro é, como se diz no jargão, água em chapa quente: se jogar, evapora.", destacou.
"No futebol existem atalhos, mas são mais caros. Por isso eu digo que scouting é o principal caminho. Em mercados mais maduros, onde tem liga, como por exemplo a Premier League, a correlação entre salários e investimentos total, compensação, atletas, bônus, valores de transferência e resultados esportivos é altíssimo. Ou seja, a correlação é muito alta e isso torna o jogo muito competitivo e muito caro para brigar entre as três ou quatro posições. Por isso, o único jeito de mudar o jogo é através de scouting.", afirmou o CEO Jorge Braga, fazendo uma referência ao sucesso desportivo do clube italiano.
Segundo Braga, o scouting não deve servir apenas para fazer contratações, mas principalmente conseguir um resultado esportivo desproporcional ao investimento que é feito dentro da folha salarial de atletas.
"É especialmente para desenvolvimento de performance e aumento de valor. Ter bons olhos e bons números para contratação é bom, mas o que ganha jogo é poder evoluir a performance individual e pontual e naturalmente expandir o valor dos direitos econômicos e dos jogadores. Isso faz muito a diferença", completou.
Traçando um paralelo com o futebol brasileiro, Biolchi alerta sobre algumas nuances do processo de colocar os "pés no chão". Para ela, fazer com que as torcidas apaixonadas do nosso país compreendam um projeto de médio longo prazo demandará uma verdadeira mudança cultural.
"A profissionalização do futebol, como aconteceu com o Milan, vai demandar uma enorme mudança cultural dos brasileiros. Encontrar o equilíbrio entre o fluxo de caixa e a paixão do torcedor não é uma tarefa simples. Os apaixonados não têm paciência para se comprometer com o médio e o longo prazo. Haverá a necessidade, de parte dos clubes, de muita habilidade para comunicar aos associados a estratégia e a sua viabilidade. Transparência e maturidade dos dirigentes, aqui, farão a diferença; ao mesmo tempo que contratos bem firmados com as SAFs, resultantes de negociações feitas à luz do sol", projetou.
No olhar da especialista, ainda que seja um grande desafio, um futuro com gestões mais responsáveis é alfo quase que inevitável. Para ela, inclusive, quem não estiver de acordo muito provavelmente será deixado para trás pelos mais organizados.
"Por outro lado, entendo que se trata de um caminho irreversível. À medida em que os mais importantes clubes brasileiros dão os primeiros passos nas suas jornadas de profissionalização de gestão, aqueles que ficarem para trás, e optarem por manter o modelo atual, em que a política determinada o orçamento, em alguns anos serão exemplos de derrocada. Estamos vivendo um momento de transformação e buscar referência em histórias de sucesso é vital", disse.
Enquanto muito se exalta o sucesso das SAF, por outro lado sobram exemplos de clubes que se tornaram empresas, mas tiveram um resultado desastroso. Um deles é o Málaga, da Espanha, que em 2018 foi adquirido por um xeique que pouco tempo depois desistiu da empreitada. O resultado: logo de cara um rebaixamento para a segunda divisão espanhola e muitas dívidas como herança.
Caso parecido aconteceu com o Parma, por muito tempo gerido e bancado pela Parmalat. Após a saída da empresa investidora, o clube decretou falência por conta das dívidas deixadas e precisou ser refundado com um novo nome e na última divisão do futebol italiano.
Exemplos como esses são os que levam o advogado Luiz Henrique Martins Ribeiro, que foi presidente do Tubarão-SC durante quatro anos, um dos primeiros clubes-empresa do futebol brasileiro, e hoje presta consultoria para agremiações que pretendem migrar do modelo associativo para o empresarial, a alertar que somente dinheiro e transformação em SAF não são garantias de sucesso.
"Quando um clube se torna SAF, ele passa a ter um dono e ser visto como uma empresa. Assim, a lei exige que se tenha um conselho fiscal, de administração, um diretor remunerado e etc. Essa é uma garantia, que ainda assim precisa ser vista de forma cautelosa, de que a gestão vai ser mais profissional. Aí, claro, se tudo der certo, o resultado pode aparecer em curto prazo, mas se não, o normal é que venha em médio-longo prazo", concluiu.
No Brasil, dentre os grandes clubes, apenas Botafogo, Cuiabá, Cruzeiro e Vasco já aderiram ao modelo de SAF. Outros, como Bahia, América-MG, Atlético-GO e Athletico, por exemplo, mantém constantes conversas com possíveis investidores.
Especialista em negócios do esporte, Armênio Neto aponta que o processo de transformação dos clubes no Brasil precisa ser gradual e contar com a paciência não apenas dos torcedores, mas também dos investidores.
"O investidor sabe que o processo será gradual e com direito a solavancos no caminho, ainda mais quando o clube está em dificuldades. Adicione a esse cenário, naturalmente sensível, alguns milhões de torcedores, um passado recente de conquistas, e você tem todos os ingredientes para o caos após a primeira sequência de derrotas em campo. Por isso o desafio será enorme. Todos querem gestão profissional, mas poucos estão dispostos a pagar o preço. Só que na maioria dos casos, a consistência vence a conveniência", alerta.